#PraCegoLer [Ilustração]: Cena do filme animado “Pachamama”. Um campo verde ao fundo e um buraco fundo ao centro, com pessoas ao redor jogando neste buraco suas oferendas. Ao topo, o xamã da comunidade indígena orientando as pessoas que o cercam enquanto fazem o ritual. Fonte: https://i0.wp.com/lugarnenhum.net/wp-content/uploads/2019/08/pachamama-ritual.jpg?fit=1024%2C562&ssl=1
Em outubro de 2020 foi lançado via streaming pela Netflix a animação “Pachamama” (Juan Antin, 2020), filme que aborda de maneira lúdica e delicada a importância da ancestralidade e dos costumes dos povos originários para a manutenção e valorização dessas comunidades, mantendo-as vivas.
Pachamama possui como plano de fundo uma comunidade andina, nos arredores da Cordilheira dos Andes, tendo como protagonista um garotinho de dez anos, Tepulpai, que possui aptidão para se tornar um dia xamã.
A transição da infância para a vida adulta vem a partir de um ritual importante em oferenda à Pachamama: a deidade mais importante para os povos indígenas dos Andes, cujo significado é Mãe Terra. Ela é representada pela figura de um totem sagrado feito de ouro maciço que é carregado pela matriarca da comunidade, sendo ela o nó que mantém todos unidos.
Neste importante ritual, o protagonista Tepulpai se vê confrontado com a perspectiva de amadurecimento, questionando os costumes de seus ancestrais. Porém, quando o totem de Pachamama é confiscado e levado para a capital, Cuzco, Tepulpai não hesita em se arriscar para recuperar aquilo que representa tanto a identidade de seu povo.
#PraCegoLer [Ilustração]: Cena do filme animado “Pachamama”. Espanhóis vestidos de armaduras medievais. O líder, ao centro, montado em um cavalo igualmente vestido de armadura. Fonte: https://www.imdb.com/title/tt5541002/mediaviewer/rm1136291840
O mensageiro da cidade, ao testemunhar o desembarque dos espanhóis na praia, acredita estar vendo “deuses metálicos em sua casa flutuante”. Montados em cavalos e com suas espadas, de forma quase monossilábica, os espanhóis só murmuram como um grunhido a palavra “ouro”. "Eles não são deuses, eles são ladrões e são monstros!" é como Tepulpai anuncia a chegada dos espanhóis colonizadores em Cuzco, compreendendo a intenção que eles possuem. E é na sabedoria ancestral e na conexão íntima com a natureza que o protagonista encontra força e estratégia que o levam a combater os invasores, tendo um final de resistência que representa bem um povo que por mais de quinhentos anos sofre violências e extermínios.
Pachamama é um importante filme de animação voltado ao público infantil exatamente porque ele descentraliza o protagonismo normalmente eurocentrado e traz atenção para o povo indígena da região andina que sempre foi marginalizada politicamente, culturalmente e na mídia.
Movimentos de resistência indígena levantam a voz há séculos e há exemplos atuais, como Adriana Guzmán, de etnia aymara e liderança feminista da Bolívia — país que no dia 18 de outubro realizou eleições gerais após Evo Morales ser coagido à renunciar em 2019 e elegeu Luis Arce, do mesmo partido de Morales (MAS – Movimento ao Socialismo), depois de um atentado da ultradireita no ano anterior.
O racismo colonial não é invenção recente e a resistência tampouco. A América Latina abriga 10% da população indígena do mundo, representando em média 40 milhões de pessoas. Países como a Guatemala, a Bolívia, o Peru e o Equador, a população indígena é maior que a dos indivíduos não indígenas. Garantir os direitos de cidadania desses povos é um dever e um assunto que nem deveria estar em discussão.
Marcela Sayuri
Graduanda em Letras (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021.
Referências bibliográficas
BASPINEIRO, Roxana. Eleições na Bolívia: "O que está em jogo são as conquistas dos povos indígenas". Disponível: https://www.brasildefato.com.br/2020/10/17/eleicoes-bolivia-o-que-esta-em-jogo-sao-as-conquistas-dos-povos-indigenas
LANA, Eliana; TEIXEIRA, Vanessa; URQUIDI, Vivian. Questão Indígena na América Latina: Direito Internacional, Novo Constitucionalismo e Organização dos Movimentos Indígenas. Cadernos PROLAM/USP. São Paulo, 1, P.199-222, 2008
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