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Laura Pimentel

Infâmia


#PRACEGOVER Fotografia em preto e branco. Imagem do filme “The Children’s Hour” (1961). Em um quarto, à esquerda, uma mulher usando um vestido longo e sapatilhas, os braços rentes ao corpo, olhando para outra mulher à direita, está sentada numa poltrona em frente à janela com os olhos fechados e a luz do sol refletindo em seu rosto.

Fonte: <https://grugri.tumblr.com/post/627493961410494464/the-childrens-hour-1961-audrey-hepburn-shirley>


“Estou inalteravelmente oposto à produção dessa peça”, disse o então prefeito de Boston, Frederick W. Mansfield, em dezembro de 1935. “O tema gira em torno da homossexualidade, e por isso nada pode ser feito para salvá-la”, adicionou à declaração, banindo a primeira peça daquela que se tornaria uma das maiores dramaturgas e roteiristas americanas do século XX, Lillian Hellman. Baseada numa história real, a peça “The Children’s Hour” estreou na Broadway em 1935 sob aclamação da crítica, no entanto, fora do circuito de Nova York, Hellman enfrentou muita resistência, tanto do público quanto da crítica. Após uma adaptação que alterou profundamente o sentido da peça, a oportunidade para retratá-la no cinema novamente surgiu apenas em 1961, sob a direção do prestigioso William Wyler, contando com duas atrizes muito populares: Audrey Hepburn, que no mesmo ano estrelaria o filme “Breakfast at Tiffany's" (“Bonequinha de Luxo”, dir. Blake Edwards), e Shirley MacLaine, a protagonista de “The Apartment” (“Se meu apartamento falasse”, dir. Billy Wilder) lançado em 1960 .


No filme, Martha Dobie (MacLaine) e Karen Wright (Audrey Hepburn), são duas professoras de um internato para garotas em uma pequena, porém rica cidadezinha nos Estados Unidos. Apesar de Karen ser noiva de um médico, Dr. Joe Cardin, há anos ela adia o casamento para poder se dedicar à escola, mas também a Martha, recusando-se a abandoná-la. Em certa ocasião, Martha repreende e proíbe uma aluna, Mary, de participar de um evento escolar em razão de seu comportamento (Mary havia roubado um bracelete de uma colega). Para se vingar, Mary então sugere para a avó, uma influente mulher na cidade, que viu Martha e Karen se engajando em atos “antinaturais”. Esse rumor é suficiente para destruir a reputação da escola e isolar Karen e Martha. Quando Joe Cardin pede que Karen abandone Martha, ele então recebe uma negativa e a abandona.


Wyler sabia o quanto o tema seria sensível para a audiência da época, por isso promoveu o filme como uma história sobre como rumores e acusações podem destruir as vidas de qualquer pessoa, por mais admirada e respeitada que ela seja. Por décadas, o diretor nunca admitiu se tratar de um filme cujo tema central é o amor entre duas mulheres. Mas é justamente aí que Wyler, Michael Hayes (roteiro) e Hellman (adaptação) desafiam a audiência da época. No processo de conhecer as duas mulheres e testemunhar seu amor uma pela outra, a audiência entende que não deveria ser permitido que as vidas de duas pessoas sejam destruídas dessa forma, em razão do ódio. Apesar de se sustentar em insinuações, o filme não deixa dúvidas quanto ao amor entre ambas; em uma das primeiras cenas em que explicitamente uma mulher assume seu amor por outra na tela, Martha declara: “[M]as eu te amo, eu te amo como eles dizem que eu te amo!”. E Karen, por seu turno, convida Martha para “começar de novo em outro lugar”. Ao final, o destino de Martha é o mesmo que tantas vezes se repetiu no cinema em filmes que lidam com a homossexualidade, o suicídio. Mas a audiência não vê Karen se reunir com seu noivo. Não há “final feliz”, o que fica é a reflexão sobre o que acabou de assistir.

No limite, o que Wyler e Hellman denunciam não é apenas as consequências dos rumores, mas o quanto o ódio e o preconceito são perversos e destrutivos. Em uma sociedade que busca manter as aparências de respeito e civilidade, a incapacidade de admitir a possibilidade do amor entre duas mulheres trouxe à tona o pior nas pessoas. O final da personagem de Hepburn é uma declarada não concessão para aqueles que querem acreditar que se tratava de um amor não correspondido, e por isso criticaram o filme, alegando imoralidade. Nesse sentido, ao desafiar as convenções e denunciar o ódio e o preconceito como os verdadeiros crimes cometidos, The Children’s Hour é, embora contido, uma das mais robustas condenações à homofobia do cinema americano, e continua relevante 60 anos depois.



Laura Pimentel Barbosa é Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Relações Internacionais pela UNESP e Mestre em Ciências Sociais pela mesma universidade.


Referências bibliográficas:


Filme: The Children’s Hour (Infâmia), Dir. William Wyler, EUA, 1961.


The New York Times. Children’s Hour Banned in Boston (1935). Disponível em: <https://www.nytimes.com/1935/12/15/archives/childrens-hour-banned-in-boston-mayor-acts-after-report-by-city.html>. Acesso em 11 de agosto, 2021.


Russo, Vito. The Celluloid Closet: homossexuality in movies. Nova York: Harper & Row, 1987.


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