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Maternidade e cárcere: os direitos que prevalecem



#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Ao centro da imagem, uma grávida em pé, em posição lateral, com as mãos envolvidas em sua barriga e cabeça encurvada à direita, no corredor de um presídio. Fonte: Agência Brasil.


Com base nos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o INFOPEN Mulheres [1], lançado em 2018, revela que cerca de 74% das mulheres encarceradas no Brasil são mães. Embora elas tenham de cumprir a privação da liberdade de locomoção e outras restrições, o direito de exercer a maternidade, apesar da condição em que se encontram, é uma de suas garantias. Isso é o que podemos extrair da leitura do artigo 3º da Lei de Execução Penal (n.º 7.210/1984): “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.” [2]. Ainda, como já reconhecido juridicamente, é direito da criança receber os devidos cuidados da mãe, pai e comunidade ao longo de seu desenvolvimento infanto-juvenil, sendo a família essencial neste processo. Por outro lado, para além do “papel”, o quanto vemos a efetividade dos direitos da mãe presa e da criança no sistema de Justiça brasileiro?


O documentário Mães Livres, sob a direção de Miguel Angel Herrera (2019) – e fruto das pesquisas realizadas pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) [3] –, nos ajuda a compreender essa realidade, especialmente na Penitenciária Feminina de Pirajuí (SP). Mesmo com a introdução do Marco Legal da Primeira Infância em 2016, que fortaleceu a legitimidade da salvaguarda – de que mães, presas, passem a receber o mesmo tratamento de que mães não presas, e de que seus filhos igualmente tenham direito a este amparo familiar fundamental –, admitindo que a prisão preventiva pudesse ser substituída pela prisão domiciliar, caso a mulher seja gestante ou a criança tenha até 12 (doze) anos de idade [4]; e, além disso, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2018 [5], que concedeu Habeas Corpus coletivo a essas mulheres, percebe-se uma certa morosidade no reconhecimento desses direitos fundamentais, como o filme evidencia.


A cultura punitivista brasileira, fundamentada nos sentimentos retributivistas da sociedade frente ao crime, instiga a manutenção da omissão e se reflete, por sua vez, no atual sistema, estendendo-se inclusive para presas e presos sem condenação. Parte da população prestigia o cenário de descaso, por ser o Brasil “o país da impunidade” (o que justificaria, para muitos, a permanência desta conjuntura). No contexto democrático, entende-se que a pena deve ter por função legítima prevenir delitos – e não ser a medida propriamente a violadora dos demais direitos dos condenados ou condenadas. Muito menos deveria a pena atingir aqueles não praticaram crimes; ou seja, nem as crianças, nem os demais familiares podem sofrer a represália sustentada pelo pensamento, que nos remete a períodos anteriores ao século XVIII – em que, antes do iluminismo, vigorava o voluntarismo ilimitado por parte do soberano, sendo as regras tecidas ao seu bel-prazer.


O filme confronta a finalidade da prisão no Brasil e sua proporcionalidade em face de mulheres, presas, que são mães, e diante da instituição familiar, pilar da sociedade e direito de todos indiscriminadamente. Ressalta-se que a maioria cumpre a privação da liberdade por crimes patrimoniais e, em especial, por tráfico de drogas (62% delas, segundo os dados do INFOPEN Mulheres); põe-se em xeque, por conseguinte, se de fato a medida seja o caminho eficaz para a repressão do crime, ou se seria, por sua vez, a implementação de políticas públicas antidrogas, nas áreas da educação, saúde e segurança, o idôneo investimento social a ser efetuado pelo Estado. Diz Adriana, uma das detentas: “Eu sei que eles são pessoas da lei e eu não sou ninguém perante eles, mas eu preciso cuidar da minha mãe e dos meus filhos. As entrevistadas em seus depoimentos demonstram o desejo de serem vistas como pessoas, e, desse modo, de terem os seus direitos correspondidos.


Rebeca O. Santos

Graduanda em Direito (FD-USP) e bolsista do Projeto CineGRI


Notas:

[1] O preceito vale, igualmente, para as presas provisórias; ou seja, àquelas que não foram condenadas à pena privativa de liberdade em sentença transitada em julgado.

[3] O projeto Mães Livres se ocupou em promover assistência jurídica às mães presas na Penitenciária Feminina de Pirajuí, interior de São Paulo, diante das garantias conquistadas e reforçadas recentemente. O relatório final do projeto pode ser encontrado neste site: <http://www.iddd.org.br/index.php/maeslivres/>. Acesso em: 11/12/2019.

[4] O Marco Legal da Primeira Infância alterou, dentre outros dispositivos legais, o artigo 318 do Código de Processo Penal. Alargaram-se as hipóteses para a conversão da pena preventiva para domiciliar, inclusive para o pai, “caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.” (inciso VI). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm#art318iv.>. Acesso em: 11/12/2019.

[5] A prática de crimes mediante violência ou grave ameaça, bem como crimes contra seu filho ou dependente, e situações excepcionais limitam a aplicação do entendimento, de maneira que “a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência” é a regra a ser adotada. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152>. Acesso em: 11/12/2019.

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