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Pandemia, desemprego e saúde mental: dá pra se adaptar?

O casal do filme, Os sentidos do amor, formado por um homem e uma mulher. Ambos se beijam, mas estão usando máscaras que cobrem nariz e boca.

O filme Os sentidos do amor (David Mackenzie, 2011) muito tem em comum com o momento pelo qual estamos passando. Nele, uma epidemia desconhecida assola o mundo da noite para o dia. Ninguém conhece precedentes da doença, não há cura, os médicos não sabem como tratar, ela é contagiosa e, dentro de pouco tempo, está sendo espalhada por todo o planeta. As pessoas sentem emoções muito fortes e, quando isso passa, elas não têm mais um dos cinco sentidos. A primeira emoção é uma tristeza profunda: choro, desesperança, sensação intensa de vazio; pessoas tendo ataques de choro no meio da rua, gritando e desesperadas. Quando passa, todos os que tiveram os sintomas perdem o olfato. Isso acontece progressivamente até que todos os sentidos sejam eliminados.

Mesmo assim, em meio ao caos, o filme tem uma mensagem positiva: um casal é o plano de fundo da narrativa e eles aprendem, a cada vez que perdem um sentido, a se adaptar. Há uma bela “moral da história” sobre adaptação e superação das adversidades. Entretanto, é necessário tomar cuidado com essa narrativa de que encontrar uma solução depende única e exclusivamente dos indivíduos – o famoso “dar um jeito”.

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Calma! Não é que não tenhamos que procurar alternativas às situações nas quais a pandemia nos colocou. Muito menos que não precisamos encontrar meios de contornar tudo o que está acontecendo. Mas precisamos pensar a quem é dada a oportunidade de adaptação, com cautela, a fim de não individualizar questões coletivas e de responsabilidade externa. Quem são os cidadãos eleitos para ocupar cargos de governança e responsáveis por gerir o país dentro de uma crise – seja ela financeira, de saúde ou qualquer outro tipo? O que essas pessoas estão fazendo?

Um estudo realizado pela Pnad Covid-19 mostra que, em 4 meses, o desemprego cresceu 27,6% no Brasil [1]. Abaixo, podemos conferir os dados:

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Tendo em vista essas informações, é justo pedir dessas pessoas que apenas “se adaptem”?

 

No dia 4 de novembro, foi votado no Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador) o aumento da quantidade de parcelas de pagamento do seguro-desemprego para quem foi demitido durante a pandemia [2]. O resultado? Negativo. Não apenas o Conselho votou pelo não pagamento de mais parcelas, como também colocou diversos trabalhadores em uma encruzilhada: quem foi demitido no início da pandemia usufruiu do seguro-desemprego, mas agora ficou sem, não pode mais solicitar o auxílio emergencial, pois o prazo terminou em julho. Como ficam esses trabalhadores? Como se pode cobrar deles algum tipo de adaptação quando não há emprego e quando não se pode nem sair de casa de modo seguro para ganhar dinheiro em ocupações informais?

 

Os impasses não acabam aí. Além do desemprego, a pandemia acarretou uma série de problemas emocionais que atingem as mais diversas pessoas, de diferentes classes, cores, idades e gêneros. Estresse, insatisfação, tristeza, mal estar e noites mal dormidas são apenas alguns dos sintomas que a população tem enfrentado nos últimos meses. Abaixo, temos informações mais detalhadas sobre isso:

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É perceptível que boa parte da ansiedade causada se dá pela preocupação com a instabilidade financeira gerada pelo contexto em que estamos inseridos – algo que podemos ver na série Distanciamento Social (Hilary Weisman Graham e Jenji Kohan, 2020, disponível na Netflix). No episódio “Poderíamos todos navegar juntos pelo oceano”, uma mãe, que é cuidadora de uma senhora, precisa continuar trabalhando. Entretanto, como as escolas estão fechadas, ela não tem com quem deixar sua filha. A solução encontrada é instalar câmeras dentro do apartamento e checar a menina constantemente pelo celular. Porém, em determinado momento, a clínica onde a senhora fica entra em quarentena – não será possível sair ou entrar durante duas semanas. A mãe se vê, então, na situação de precisar decidir entre seu trabalho, de cujo salário ela precisa, e ficar com sua filha. A solução encontrada é deixar a menina com a filha da senhora, que é professora. O convívio das duas não começa muito bem – a mulher, que mantém bem sua figura de “independente e sem filhos”, não consegue lidar com uma criança interrompendo suas aulas, que já não iam bem devido à pouca colaboração e interesse dos alunos.

 

Nesses 20 minutos de episódio, é possível identificar várias situações com as quais nos relacionamos: o medo do desemprego, ter que abrir mão do isolamento social seguro na sua própria casa porque seu trabalho não comporta home office, a dificuldade de dividir o mesmo espaço constantemente com as mesmas pessoas, as adversidades que tanto professores quanto alunos encontram no sistema remoto, dentre outros. Delas, fiquemos apenas com o desemprego. Se essa mãe não tivesse encontrado alguém para cuidar de sua filha, o que precisaria fazer? Renunciar à sua única fonte de renda? Aqui, foi possível encontrar uma alternativa e se adaptar, mas e quando não dá? Como está a saúde mental dessa mãe longe da filha durante 2 semanas? E como ficaria caso estivesse com a criança, mas desempregada?

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O Brasil passa por um delicado momento em sua história e, infelizmente, milhões de brasileiros estão abandonados à própria sorte. A crise não se vê apenas no aumento do desemprego ou no preço do dólar, mas também nas diversas pesquisas relacionadas à saúde mental apontando para um povo cansado, triste, 

estressado e sem esperança de melhora. Segundo pesquisa realizada pelo King’s College, há 17 anos, durante a pandemia de SARS, os casos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático aumentaram em 30% dentre os indivíduos que cumpriram quarentena na China, o país mais afetado. Como falar em adaptação nesse cenário? Muito se fala - merecidamente - no heroísmo de nossos médicos e enfermeiros nas linhas de frente, profissionais essenciais nesse momento. Mas quem cuida dos nossos desempregados e depressivos? É deles a culpa e o fardo da adaptação?

Referências Bibliográficas

 

[1] CAMPOS, Ana Cristina. Desemprego subiu 27,6% em quatro meses de pandemia. Dados são da pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-09/desemprego-subiu-276-em-quatro-meses-de-pandemia> Acesso: 08/11/2020

 

[2] Conselho rejeita parcelas extras do seguro-desemprego na pandemia:

Apoiada por representantes sindicais, a proposta não contou com os votos dos empregadores e do governo. Disponível em: <https://noticias.r7.com/economia/conselho-rejeita-parcelas-extras-do-seguro-desemprego-na-pandemia-04112020>. Acesso: 08/11/2020.

 

BIERNATH, André. A epidemia oculta: saúde mental na era da Covid-19. Na esteira do coronavírus e seus desdobramentos, transtornos psicológicos como ansiedade e depressão representarão uma segunda onda de estragos à saúde. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/a-epidemia-oculta-saude-mental-na-era-da-covid-19/>. Acesso: 08/11/2020.

 

HARTMANN, Paula Benevenuto. "Coronafobia": o impacto da pandemia de Covid-19 a saúde mental. Disponível em: <https://pebmed.com.br/coronofobia-o-impacto-da-pandemia-de-covid-19-na-saude-mental/> Acesso: 08/11/2020.

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