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Brincando de médico



#PraCegoVer: Imagem de cima de duas meninas brincando de “adoleta”, as duas estão sobre um gramado. Fonte: http://www.diariodecontagem.com.br/Materia/11763/21/museu-inima-de-paula-exibe-documentario-tarja-branca/


A educação é forjada de acordo com as concepções políticas e econômicas de seu respectivo momento histórico e o sistema educacional brasileiro não escapa à regra. Desde a década de 1970, tem sido o neoliberalismo uma das principais correntes ideológicas que norteiam a política, a economia e, por consequência, a educação.


Adotado no Reino Unido por Thatcher em 1979 e nos Estados Unidos durante o governo Reagan em 1980, os ideais de livre comércio, valorização do trabalho e a visão de educação como uma mercadoria contaminaram praticamente todos os países da Europa Ocidental e Oriental durante as décadas de 1980 e 1990. Na América Latina, a doutrina neoliberal foi amplamente abarcada pela ditadura de Pinochet no Chile e, no Brasil, teve como grandes adeptos o presidente Collor, se fortalecendo no governo de Fernando Henrique Cardoso (FAGUNDES, 2017).


A perspectiva neoliberal de educação, a qual privilegia a formação de cidadãos preparados para o competitivo mercado de trabalho, ignora propositalmente a importância da construção crítica do indivíduo e do desenvolvimento de sua criatividade e subjetividade. Esse movimento se mostra presente desde o início da educação básica, no ensino infantil, que tem como objetivos para seu público-alvo:


Conviver com outras crianças e adultos [...]; Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros [...]; Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana [...]; Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela [...]; Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades [...]; Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural [...]” (BRASIL, 2018, p.3, meu grifo)

É a educação infantil a principal encarregada de construir a individualidade e o senso crítico do educando e é também, não aleatoriamente, a fase pedagógica mais menosprezada do ensino básico. Cada vez mais é alvo da escolarização precoce, através da antecipação da alfabetização e de outros conteúdos pertencentes ao ensino fundamental, e da desvalorização do brincar.


É dentro dessa crítica que o belíssimo documentário “Tarja Branca – A Revolução que Faltava” (2014) se localiza. Mesclando cenas de brincadeiras e jogos com entrevistas com artistas, psicólogos e pedagogos, o longa-metragem, dirigido por Cacau Rhoden, é praticamente um manifesto de defesa do brincar.


O filme mostra os benefícios da ludicidade na infância como forma de experimentação do mundo, desenvolvimento da autonomia e da criatividade e como ferramenta essencial da educação infantil. "Tarja Branca" questiona o avanço da constante necessidade de ocupar o tempo da criança com inúmeras atividades, pensando em "agilizar" seu processo de aprendizado e colocá-la na frente de outras na corrida por uma vaga no ensino superior e no mercado de trabalho. O documentário expõe a contaminação da infância e da educação básica pela competitividade neoliberal e propõe o brincar como “remédio tarja branca” para os grandes males da vida adulta na sociedade moderna, como a ansiedade e a depressão.


Mariana Ramos

Graduanda em Ciências Sociais (FFLCH – USP) e bolsista do Projeto CineGRI.



Referências bibliográficas:


BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.


FAGUNDES, K. C. A educação para o mercado de trabalho formando indivíduos alienados. Revista online de Política e Gestão Educacional, [S. l.], n. 9, 2017. DOI: 10.22633/rpge.v0i9.9277. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/rpge/article/view/9277. Acesso em: 27 fev. 2021.






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