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Fuga ou resistência?

Atualizado: 30 de jul. de 2019

A força dos deslocamentos forçados


#Pracegover Jovem de cabelos escuros vestida com camisa verde, mirando uma serra desértica. Legenda em espanhol a direita: Lorena Ramirez. 22 anos. Corredora Raramuri. Ganhadora da Ultra-maratona Canones de Guachochi (100 km) em Julho de 2017.


“O povo Tarahumara ou Rarámuri ‘os dos pés ligeiros’ é conhecido por sua resistência correndo distâncias de várias centenas de quilômetros”. Assim se inicia o videoclipe “Movimiento”, do argentino Jorge Drexler, que canta a trajetória errante da espécie humana enquanto a corredora Lorena Ramírez percorre a Serra do estado nortenho de Chihuahua, no México. Apesar das poucas pesquisas existentes sobre o significado da corrida para os Tarahumara, sabemos que elas não têm um caráter competitivo [1]. Dizem muito sobre a concepção de mundo deste povo, ligada ao sol - figura desenhada na bola que chutam enquanto se deslocam - e a seus ciclos, que são sentidos de forma muito particular no ambiente desértico onde vivem.


Poucos quilômetros ao norte de Chihuahua, na fronteira com os Estados Unidos, outros corredores atravessam desertos sob um sol escaldante com o objetivo de alcançar o sonho americano. Ou seria escapar do pesadelo latino-americano de miséria e violência cotidiana? A tentativa de identificar restos mortais de imigrantes ilegais que tentam atravessar o deserto do Arizona é o fio condutor de Who is Dayani Cristal? (Marc Silver, 2014), onde o consagrado ator mexicano Gael García - também produtor do filme - persegue pistas sobre a história de um corpo encontrado sem sinal de vida, documentos ou quaisquer outros indícios de identificação além de uma tatuagem no peito que dizia “Dayani Cristal”. As razões que levaram o anônimo personagem principal dessa investigação a assumir o risco da travessia - a busca por trabalho, e no limite, por sua subsistência, será tema de nossas discussões em junho.


Nosso blog este mês tratará das trajetórias de povos que foram, em algum momento, forçados a migrar em função de uma ameaça direta a sua existência. Muitos deles, assim como os Tarahumaras, tinham em seus lugares de origem significados que se confundiam com suas próprias identidades. O documentário Leaving la Floresta (Caleb Collier e Dan Roge, 2011) conta a história de uma família de camponeses colombianos deslocada devido à completa destruição de sua modesta plantação alimentar pelos pesticidas dedicados a fumigar cultivos de coca. A política de Guerra às Drogas, declarada pelos EUA nos anos 1980, é um importante motivo dos deslocamentos forçados na Colômbia e em diversos outros países latino-americanos, afetando não apenas os grupos diretamente vinculados ao narcotráfico. Abelardo e Olga são exemplos de vítimas de uma desapropriação múltipla[2]: não perdem apenas suas terras, mas os importantes laços históricos e comunitários que os uniam a ela, ao ter que migrar para a cidade de Bogotá e adotar um modo de vida completamente distinto e marginalizado.


Os fluxos migratórios forçados são muitas vezes interpretados como a derrota de um povo por outro, de uma classe sobre outra, de um projeto sobre outro. A proposta deste mês é, entretanto, aprofundar este olhar para buscar outras interpretações deste movimento de expulsão e disputa por território e pelo poder. Te convidamos neste mês a olhar para esses movimentos migratórios não apenas como fuga, mas também como resistência. Como possibilidade de criação de novas identidades, que não negam a violência que os ocasiona, mas que reforçam que estamos vivos porque estamos em movimento.


Larissa Santos

Geógrafa (USP) e Pesquisadora (FGV-SP)

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