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Quem tem medo da ciência?


#PraCegoVer [Fotografia]: Ao fundo, uma biblioteca com diversos pergaminhos organizados em prateleiras de mármore escuro; ao centro, a atriz Rachel Weisz, que interpreta a Filósofa, Matemática e Astrônoma Hipátia, vestindo uma túnica de tons claros enquanto segura alguns dos pergaminhos, com os olhos arregalados e a boca entreaberta. Fonte: https://www.theguardian.com/books/2019/dec/19/the-tenth-muse-catherine-chung-review


O ataque e desvalorização das ciências, principalmente das ciências humanas, tem ganhado força nos últimos tempos. Além de enfrentar os diversos cortes nos auxílios para pesquisadores, na era digital, o conhecimento científico precisa encarar seu mais novo inimigo: as Fake News. A velocidade e a facilidade com que se espalham já ajudou a eleger governos e principalmente a “viralizar” o medo. Tornou-se comum se deparar com notícias falsas nas redes sociais e nos grupos de Whatsapp e, a fim de combatê-las, pesquisadores, especialistas e cientistas precisam constantemente desmenti-las, tarefa que está se tornando mais difícil a cada dia.

Um levantamento publicado em julho de 2019 verificou que, entre os brasileiros, 73% desconfiam da ciência e 23% consideram que a produção científica pouco contribui para o desenvolvimento econômico e social do país [1]. Não apenas a população acredita nisso, como também é incentivada a fazê-lo, e como resultado temos cada vez mais cortes na educação e pesquisa das universidades públicas.

O filme Ágora (Alejandro Amenábar, 2009), que se passa entre os séculos IV e V depois de Cristo, conta a história de Hipátia de Alexandria, matemática, filósofa e astrônoma que foi perseguida e morta brutalmente por cristãos, sendo acusada de bruxaria e ateísmo. Ela é uma das primeiras mulheres da ciência sobre a qual temos conhecimento, mas infelizmente nenhum dos seus trabalhos originais sobreviveu: toda a sua obra foi apagada numa tentativa de que sua vida caísse em esquecimento. Hipátia possuía grande influência na política e era muito respeitada por todos.


#PraCegoVer [Ilustração]: Imagem em preto e branco, datada do século 19 na França, intitulada “Morte da Filósofa Hipátia” (título traduzido, em tradução livre). À esquerda da imagem, temos um cavalo amarrado à uma biga; ao fundo, diversos homens com apontam para a direita, enquanto outros carregam pedras e as atiram contra uma mulher jogada no chão, que é arrastada na direção apontada por eles. Fonte: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/artigo/2019/04/25/tres-faces-de-hipatia-de-alexandria


O assassinato de Hipátia não foi uma consequência apenas de sua produção científica, mas também de não aceitar se converter à religião católica, bem como não se conformar com o papel de submissão e com o silêncio feminino imposto pela Igreja. A filósofa representava tudo o que o catolicismo condenava, uma mulher de grande influência que, diferente de muitos de sua época, não aceitou a imposição da fé cristã e se manteve fiel à busca pela verdade através da ciência.

O anti-intelectualismo e o ataque à verdade, segundo o professor Jason Stanley [2] seriam uma tentativa de silenciar os estudos que evidenciam as desigualdades e as universidades, onde esses questionamentos têm origem. Stanley aponta essa prática como um dos pilares das políticas fascistas em ascensão ao redor do mundo. A desvalorização, cortes nas bolsas de pesquisa e permanência, a desmoralização e até mesmo uma certa “demonização” tanto da ciência quanto dos cientistas abrem espaço para que as chamadas “pseudociências” se disseminem e ganhem cada vez mais adeptos.

Não é raro encontrar canais no Youtube que criam e defendem teorias da conspiração que servem como fonte de informação para diversas pessoas, como por exemplo a teoria da Terra plana. Nos tempos de pandemia, a mais nova fake news que circula é sobre termômetros com sensor infravermelho causarem morte dos neurônios e interferirem na glândula pineal, responsável pela produção e regulação de diversos hormônios. Mesmo com todos os esforços dos órgãos públicos de vigilância sanitária e de saúde em desmentir essa notícia, muitos estabelecimentos passaram a medir a temperatura de seus clientes pelo pulso.

Por mais absurdos que sejam, esses conteúdos são muito mais compartilhados e chegam com mais facilidade na população do que tudo o que é discutido e produzido dentro dos muros da universidade. Os projetos de extensão e a democratização das ciências são de extrema importância para que o conhecimento chegue o mais longe possível. A valorização da ciência e da educação são de extrema importância para o combate da ignorância e do medo e devem ser incentivados, assim como fez Hipátia.


Gabriela Bucalo

Graduanda em Geografia (FFLCH) e bolsista no Projeto CineGRI, ciclo 2020-2021.



Referências bibliográficas:


[1] RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE. Resistência à ciência. Pesquisa FAPESP, Edição 284, Páginas 17-21, outubro 2019. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/resistencia-a-ciencia/. Acesso: 02 de outubro de 2020.

[2] PEZZO, Mari. Conhecimento sob ataque. Disponível em: https://www.labi.ufscar.br/2019/05/02/conhecimento-sob-ataque/ Acesso em: 02 de outubro de 2020.

MELO, Amanda Soares de. As várias faces de Hipátia de Alexandria. Disponível em: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/artigo/2019/04/25/tres-faces-de-hipatia-de-alexandria/ Acesso em: 02 de outubro de 2020.





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