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A experiência da AIDS e o cinema político em "Buddies"


#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Recorte de uma lista com nomes de vítimas da pandemia global de AIDS e, ao lado, as datas de suas respectivas mortes. Sobreposto à lista, está escrito o título do filme “Buddies”. Imagem feita por Arthur J. Bressan Jr. Fonte: https://moviebloke.com/


“Buddies”, filme dirigido, produzido, roteirizado e editado por Arthur J. Bressan Jr., acompanha a história de Geoff, um jovem homem homossexual vítima do vírus HIV que desenvolve a doença da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) na década de 1980, nos Estados Unidos. Enquanto toda a sociedade se recusava a ajudar vítimas da tal doença, David, com a mesma idade, decide ser voluntário de uma ONG que cuidava dos seus irmãos de comunidade infectados na pandemia de HIV.


A história pode parecer mais uma tragédia romântica, na qual as sutilezas de um amor são interrompidas por uma morte iminente, mas vai muito além disso. O filme, lançado em 1985, ficou conhecido como primeiro longa-metragem a tratar abertamente da pandemia de HIV e, além disso, ainda coloca ao centro um personagem em estado terminal que nos conta abertamente sobre como era a vida solitária e desesperançosa de um portador do vírus.


O diretor deixa claro como a doença, que previamente foi conhecida como “praga gay” ou “câncer gay”, foi um retrocesso não apenas para a sociedade como um todo, mas especialmente para a comunidade LGBTQIA+, que conquistou e desfrutava de uma liberdade sexual nos centros cosmopolitas durante os anos 1950, 1960 e até 1970. A chegada da doença, que foi atrelada em primeiro momento somente aos gays, fez com que estes corpos "recuassem para os seus armários". Enquanto a família "tradicional", formada por uma mulher, homem e seus filhos pudessem usufruir dos espaços, a comunidade LGBTQIA+ carregaria uma marca de vergonha e não pertencimento.

O filme se tornou importante por transmitir algumas mensagens: primeiro, sobre como o sistema de saúde ou qualquer outro de ajuda social é construído para atender a um padrão de pessoas; segundo, como a história de movimentos sociais é totalmente silenciada a todo momento possível por um grupo que detém os privilégios. No caso do longa, apesar de ser reconhecido hoje em dia , houve um apagamento de sua relevância na época do lançamento.


“Buddies” teve um baixo orçamento e baixa repercussão no seu tempo, muito disso devido ao grande estigma que era falar abertamente sobre HIV/AIDS. Mas, além disso, há também o fato de ser um filme de baixo orçamento e independente, pois era impossível tratar do assunto polêmico em alguma produtora, já que todas se negavam a atrelar seus nomes à comunidade LGBTQIA+. Seu sucesso foi tardio: o filme foi homenageado nas últimas décadas por instituições recentes, como o Berlin International Film Festival, o Outfest: Los Angeles Gay & Lesbian Film Festival e também o Queer Lisboa. Essa ascensão pode representar uma pequena chama de esperança, sendo uma mensagem de que este grupo finalmente reconstruiu espaços possíveis de celebração da arte queer, que sempre existiu.




Imagem de divulgação da remasterização do filme, lançado em festivais, como no 22º Festival de Cinema do Rio, em 2018. Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/en/films/buddies


Longe de mera encenação, o longa foi feito com muita experiência pessoal do diretor. Dois anos após o lançamento, Arthur J. Bressan Jr. faleceu de complicações com o vírus HIV, da mesma forma que o protagonista do filme, Robert Willow. O roteiro, que em primeiro momento parecia simples, se tornou um discurso entoado por todos que vivenciaram a perda de alguém próximo e a luta contra o Estado para assegurar direitos básicos de sobrevivência.


Além disso, o longa foi pioneiro no segmento da arte queer que relatou os difíceis anos da pandemia de HIV para a comunidade LGBTQIA+. Essa arte, que teve contribuição de muitos artistas latino-americanos, como Leonilson, no Brasil da década de 80, cumpriu brilhantemente o papel de nos comunicar, hoje e até quando forem acessíveis, sobre estas histórias que, além de apagadas dos livros de história, contam muito sobre como foi construído o preconceito aos LGBTQIA+ e, acima de tudo, como a sociedade operou para hostilizá-los em um passado ainda muito recente.



Guilherme Cavalcante, estudante de Letras na Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Além de redator, é poeta e ensaísta, tendo publicado recentemente na revista Philia- UFRGS (https://seer.ufrgs.br/philia/article/view/109662) e na revista de arte Caxangá (https://revistacaxanga.files.wordpress.com/2021/07/caxanga-v3-n1.pdf).


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