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A exploração da miséria pelo marketing social

A analogia entre o regime escravagista e o marketing social pela classe dominante no Filme “Quanto Vale ou é Por Quilo?”, de Sérgio Bianchi


Fonte: G1


#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem há uma mulher rodeada por crianças pobres. Ela está dando as mãos para duas delas e o fundo é composto por casas de periferia.


Quanto Vale ou é Por Quilo? (Sérgio Bianchi, 2005), que possui caráter jornalístico, faz uso de documentos e fatos históricos para compor uma narrativa em que costura o Brasil colonial com o contemporâneo, denunciando os impactos que a escravidão gerou em nosso país e como se manifestam na atuação de entidades do Terceiro Setor.


O recorte principal é o princípio de exploração da miséria humana presente no marketing social das ONGs que constroem uma imagem de “salvadoras das classes mais desfavorecidas” através da exposição de suas condições, que em muitos casos possuem esquemas de lavagem de dinheiro, caixa dois, projetos falidos, uso de laranjas e outras formas de corrupção.


Bianchi faz um paralelo entre diversas práticas, como por exemplo a “troca de favores”. No filme, usa o registro de uma escrava (Odelair Rodrigues) que conseguiu comprar a própria alforria por meio de um acordo feito com uma mulher branca (Ana Lúcia Torre) que ele descreve (até com certo tom de ironia) como a sua amiga. A escrava trabalhava por anos e nunca conseguia juntar o dinheiro para pagar a sua alforria ao seu dono Senhor Caetano Pereira Cardoso. Então ela fez um acordo com esta sua amiga, que a compraria dele e em troca ela trabalharia durante um ano para devolver o valor com juros. No entanto, a escrava só conseguiu juntar o dinheiro em três anos e pagando juros muito maiores. E assim conseguiu comprar a sua tão desejada alforria.


O diretor traz essa situação para um contexto atual exemplificando com “personagens” que se tratam de duas amigas. Uma era dona (Ana Lúcia Torre) de uma ONG e a outra voluntária (Cláudia Mello). A voluntária precisava de dinheiro para pagar a festa de casamento do filho e a dona emprestou. Quando surgiu a necessidade de transferir alguém para fazer trabalhos em lugares mais longes, ela mandou a amiga argumentando que “fazia tanto por ela”. A amiga acabou mandando uma outra moça mais jovem, que era negra e estava precisando.


O filme também aborda as contradições presentes em situações do próprio sistema atual. Donos de ONGs beneficentes explorando funcionárias idosas e as fazendo de laranja dentro da própria empresa, aproveitando-se de sua situação de vulnerabilidade; computadores superfaturados enviados para escolas públicas através de doações; entre outras situações, que desmascaram a exploração disfarçada de solidariedade da classe dominante.


Bianchi faz outras analogias entre a escravidão e as relações contemporâneas como a do capitão do mato no regime escravagista, que capturava outros negros que eram escravos fugitivos em busca de prestígio social e condições de vida melhores com a relação “negro contra negro” de hoje, usando como o exemplo o matador de aluguel do filme.


Desta forma, por meio de analogias e relações com documentos históricos, Bianchi constrói um argumento apontando que a escravidão ainda prevalece nos dias de hoje, mas em diferentes moldes e escalas. Trabalhadores continuam a ser explorados, membros de uma mesma classe ainda são jogados uns contra os outros, corpos são reduzidos à máquinas e a miséria ainda é usada para gerar lucro.


O filme traça um importante panorama sobre as consequências da escravidão e como este sistema repercutiu na vida e realidade das pessoas negras até os dias de hoje, que ainda são parte da população mais explorada no Brasil.


Nathalia Barreto

Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020.



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