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A onda negacionista

Atualizado: 26 de set. de 2023



#ParaTodosVerem [Fotografia]: No primeiro plano da imagem, temos um cartaz escrito “Ditadura nunca mais” levantado por um homem de costas. Do lado superior direito, há uma bandeira do Brasil, capturada em movimento. No fundo, temos uma multidão costas e cartazes desfocados. Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/brasil-multidao-amontoado-democracia-8280027/


A frase “Nunca houve ditadura no Brasil” parecia inimaginável para as Ciências Humanas e para aqueles que perderam seus familiares e amigos durante a ditadura militar de 1964 a 1985. Entretanto, com a efervescência do debate nas redes sociais causada pela polarização política no Brasil, alguns fatos científicos que pareciam já aceitos pela nossa sociedade começaram a ser negados e revisados. A questão é que o negacionismo e o ‘revisionismo ideológico’ não são fenômenos recentes: a diferença é que, hoje, vivemos na era de interações pela Internet, um recurso que oferece circulação rápida, perigosa e estratégica para quem pretende disseminar notícias mentirosas.


O filme Negação (Mick Jackson, 2017) é baseado em fatos reais e retrata uma disputa judicial que aconteceu na Inglaterra entre uma historiadora e um negacionista. O caso da historiadora americana Deborah Lipstadt ganhou repercussão após a publicação de seu livro “Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory” (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória). Nessa obra, a historiadora usa o método científico da historiografia para fazer uma análise sobre o Holocausto e comprova que a interpretação de que as “as câmaras de gás nunca funcionaram para exterminar judeus", feita por David Irving, o negacionista, estava errada. Por esse motivo, Irving abriu um processo contra Lipstadt por difamação.


A obra de Mick Jackson centraliza a disputa judicial. Nela, David Irving (Timothy Spall) recorre a fatos e processos históricos para encobrir os crimes praticados pelo Nazismo, um comportamento recorrente dos negacionistas, que se difere do ‘revisionismo ideológico’. Esse último não nega consensos factuais, mas busca interpretá-los de forma distorcida e carregada por valores ideológicos [1] inclusive manipulando fontes e distorcendo recursos metodológicos , como pode ser visto através das diversas frases e ideias propagadas na internet e alimentadas por figuras importantes para o país sobre a ditadura militar no Brasil, como “ditadura nunca existiu” e “ditadura matou pouco”. Tais declarações são resultado de um revisionismo sem base científica. Essa ideia contraditória também está presente no filme, pois David Irving construiu uma onda de seguidores que acreditavam em suas teorias, mas falhou ao tentar comprovar a sua tese no tribunal.


Os discursos negacionistas e a circulação de notícias mentirosas nos mostram algumas das consequências da distância entre a ciência e a sociedade. Um exemplo disso é o ensino de História durante a vida escolar, que, muitas vezes, passa a impressão de que a disciplina é uma grande narrativa de causa e efeito, enquanto em um curso universitário de História, são ensinados os critérios científicos e modo como interpretar documentos, argumentar, criticar e respeitar as fontes. Esse tipo de aprendizagem, somado a uma rede de interação rápida que é o universo da Internet leva às armadilhas da disseminação e crença em notícias mentirosas.


Em tempos de pandemia de COVID-19, é preciso ter cuidado com os discursos negacionistas, que não são frutos de mentes “inocentes”, mas fazem parte de grandes interesses mercadológicos e internacionais escondidos na máscara da negação. O filme retrata a importância da defesa científica em tempos de negacionismo e revisionistas históricos. Um debate atual que é intensificado no espaço da Internet e gera preocupações para as ciências, pois um dos maiores desafios é trazer essas discussões para além dos muros universitários.


Amanda Escobar Costa

Graduanda em História (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021.



Referências bibliográficas:

[1] BOECHAT, Jacqueline. Combate ao negacionismo historiográfico confronta o obscurantismo que ameaça a democracia, diz historiador. Fundação Oswaldo Cruz, 2020. Disponível em: <http://coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1753-combate-ao-negacionismo-historiografico-visa-confrontar-o-obscurantismo-que-ameaca-a-democracia-diz-historiador.html#.X3uJZ2hKjIV>. Acesso em 04/10/2020.


PIVA, Dal Juliana. Como uma pesquisadora foi parar no tribunal para provar que o holocausto aconteceu. O Globo, 2018. Disponível em: < https://epoca.globo.com/como-uma-pesquisadora-foi-parar-no-tribunal-para-provar-que-holocausto-aconteceu-23086662>. Acesso em 05/10/2020.


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