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Confissões de um Capitão de Polícia...


#Pracegover [FOTOGRAFIA]: Cena do Filme. Dois homens estão no terraço de um prédio. Ao fundo, prédios em construção, um guindaste, o céu cinzento e nublado. Um deles, em terno preto, ao centro olhando para o horizonte com as mãos nos bolsos, outro à direita, também em terno preto, olhando para baixo. Fonte: <https://agrandeilusaocaminha.wordpress.com/2015/04/27/confissao-de-um-comissario-1971/>.


“Um dia você vai abrir a torneira e a água correrá vermelha”, o capitão de polícia Bonavia (Martim Balsam) alerta o promotor de justiça Traini (Franco Nero). Os dois estão na cobertura de um prédio, rodeados por vários empreendimentos em construção que o prefeito da cidade se orgulha de estarem sendo levantados em sua gestão. Mas o progresso vem a alto custo; há uma rede de corrupção que envolve a máfia, empreiteiros, políticos (inclusive o prefeito) e oficiais envolvidos nessas construções. Depois de várias tentativas de indiciar os envolvidos e ver seus esforços minados, Bonavia decide que o caminho da lei não é suficiente para fazer justiça e resolve agir por conta própria, por meios escusos. Esse poderia ser um relato real, familiar, mas é o enredo do filme “Confissões de um Capitão de Polícia ao Procurador da República” (Dir. Damiano Damiani, 1971).


A Itália e o Brasil são parecidos no aspecto político. Ambos são marcados pelo clientelismo e corrupção. Em ambos, a máquina do Estado foi se tornando cada vez maior para atender aos interesses dos quadros dos partidos e de seus aliados, gerando ainda mais incentivos para que outros atores buscassem lucrar por meio do Estado, seja por atividades rentistas ou pela própria corrupção, ao invés de investir energia e recursos em atividades produtivas que de fato promovam o progresso, a melhoria da vida das pessoas. O cinema de gênero italiano soube captar bem esses problemas em filmes que retratavam histórias de violência policial, crime, corrupção e decadência política, produções chamadas Poliziotteschi, muito populares nas décadas de 1960 e 1970.


Em “Confissões de...”, Triani entende os perigos da busca por justiça a qualquer custo. Ao mesmo tempo, sua devoção à lei chega a ser paroquial, como quando declara que: “como homem da lei, não posso criticá-la, apenas aplicá-la”. Mas quando as evidências se tornam inquestionáveis, Triani se depara com uma difícil verdade: os agentes da justiça e da lei, e os políticos que foram eleitos para atender ao povo, usam o sistema para atenderem aos seus próprios interesses. Mais do que isso, é o próprio sistema político que cria os incentivos para a corrupção. Como impedi-la se é o próprio sistema político que faz com que seja quase impossível, mesmo para aquele mais honesto, florescer e prosperar sem troca de favores e sem certo clientelismo? Como impedir a corrupção policial se é o próprio sistema policial que posiciona alguns indivíduos como sendo “acima de qualquer suspeita” e outros, geralmente os mais vulneráveis, como culpados a priori?


Damiani, o diretor de “Confissões de...” não oferece uma resposta a nenhuma dessas perguntas. Seu retrato da corrupção é frio e desanimador, pois embora Triani se mantenha fiel à lei e prometa se empenhar na busca por justiça, ele está praticamente sozinho. Ao mesmo tempo, sabe que se dobrar à justiça para fazer justiça ele pode se tornar aquilo que busca combater, e sua vitória seria pírrica; no mundo real, seria como a vitória da Operação Mãos Limpas na Itália ou da Operação Lava-Jato no Brasil. Ambas foram gigantescas, tiveram sucessos, revelaram casos de corrupção... e ambas definharam, seus heróis caíram e seus frutos amargaram.


Podemos argumentar que Bonavia, assim como Sérgio Moro e Antonio Di Pietro no mundo real, buscavam justiça e construir uma sociedade em que a corrupção, que de fato custa vidas, não se torne a regra, mas seus meios foram tanto inadequados quanto ineficientes porque, além de questionáveis do ponto de vista legal, não tocam nos incentivos políticos e institucionais que alimentam a corrupção. Não apreendem questões estruturais e institucionais que fazem com que a corrupção seja o caminho mais fácil, mesmo para aqueles que não gostariam de se sujeitar a essa prática. Apontar a história dessas instituições e os incentivos que elas geram é a tarefa de todos aqueles preocupados não apenas com o combate à corrupção, mas também com a justiça social no sentido amplo.


[NOTA] Agradeço a Caio Motta pela sugestão do filme.


Laura Pimentel Barbosa, doutoranda em Ciência Política pela USP, Bacharel em Relações Internacionais pela Unesp e Mestre em Ciências Sociais pela mesma universidade.



Referências bibliográficas:


Confessione di un commissario di polizia al procuratore della repubblica (Bra: Confissões de um Capitão de Polícia ao Procurador da República), Dir. Damiano Damiani, 1971.


Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto (Bra: Investigações sobre um cidadão acima de qualquer suspeita), Dir. Elio Petri, 1970.


Os intocáveis. Revista Piauí, [2016.]. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/materia/os-intocaveis/>. Acesso em: 7 jul. 2021.




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