Fonte: miro.medium.com
#PraCegoVer: [Fotografia]: Cartaz branco colado em parede de tom escuro. O cartaz tem a mensagem “ciência é progresso” escrita 21 vezes na vertical.
“Você tem plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas de algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja para não ter agroindústria no Brasil, mas na maconha deles eles querem toda tecnologia a disposição”. O tom da declaração feita pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, em dezembro de 2019, evidencia a forma com que as universidades públicas e, consequentemente, a ciência vêm sendo tratadas no Brasil durante o governo Bolsonaro. Falsas acusações, cortes de verba e fortes ataques ameaçam a ciência no país e colaboram para a construção de uma narrativa fantasiosa que espalha desinformação e medo sobre a população brasileira.
O filme E a Vida Continua (Roger Spottiswoode, 1993) trata do início da epidemia do vírus da AIDS nos Estados Unidos e revela os perigos da falta de suporte à ciência e a pesquisa num país. O roteiro gira em torno de um grupo de pesquisadores, liderado por Dr. Don Francis (Matthew Modine). A equipe procura combater a epidemia causada por um vírus desconhecido, com uma taxa de letalidade extremamente alta e que vinha sendo observado na comunidade gay em determinados locais do país.
A história, baseada em fatos reais, se passa no início dos anos 1980, enquanto os Estados Unidos eram governados por Ronald Reagan, presidente pertencente ao partido Republicano e com perfil extremamente conservador. Nesse contexto, os movimentos LGBTQ eram absolutamente invisibilizados e uma doença, que até então era conhecida de maneira pejorativa como “câncer gay,” não era tratada como questão de saúde pública, uma vez que teoricamente atingia apenas uma minoria indesejada. Fato, este, que tornou a AIDS uma epidemia incontrolável, espalhando-se por todas as classes, gêneros e orientações sexuais dos americanos, vitimando milhares de pessoas.
A trama se desenvolve com a luta dos pesquisadores para obter o financiamento de estudos sobre a doença, além do combate contra a desinformação, que acabou por contribuir ainda mais para a disseminação do vírus. O movimento gay americano, representado pela liderança de Bill Kraus (Ian McKellen), também possui grande protagonismo, sobretudo na luta por reconhecimento de sua identidade pelo Estado e sociedade, pela desconstrução do preconceito e pela busca de seus direitos.
Ao fazermos um paralelo com a pandemia de Covid-19 que enfrentamos, é possível encontrar semelhanças entre ambas as situações. No caso específico do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro transmitiu diversas declarações contra o isolamento social, recomendação da Organização Mundial da Saúde e tratada como única estratégia efetiva contra a disseminação do vírus. Seus argumentos colocam economia e saúde em polos opostos, valendo-se do medo e da ameaça do desemprego para atacar e desmoralizar a ciência.
Quanto ao discurso de culpabilidade, há também uma afinidade. Assim como na situação da epidemia de AIDS, em que os homossexuais eram apontados como sendo os responsáveis pelo contágio, é possível observar uma tentativa de responsabilizar a população asiática pela pandemia, através de ataques sistemáticos às suas respectivas culturas e de seguidos episódios de xenofobia.
O caminho para o fortalecimento da ciência passa por democratizar o acesso à informação. Estamos imersos em uma situação crítica, sendo fundamental a união das frentes progressistas do país se em um único sentido, com ações concretas que garantam o fazer científico no país e desconstrua a narrativa de ignorância intencional difundida pela extrema direita.
Yan Carvalho
Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2010.
Referências:
DAMASCENO, Victória. Weintraub repete acusações contra universidades com base em reportagens. Exame, São Paulo, 11 dez. 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/ministro-da-educacao-repete-que-ha-plantacoes-de-maconha-nas-universidades/. Acesso em: 26 abr. 2020.
SOARES, Ingrid. Bolsonaro defende fim do isolamento: "Se agravar vem para o meu colo". Correio Braziliense, [S. l.], 17 abr. 2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/17/interna_politica,845629/bolsonaro-fim-do-isolamento-se-agravar-vem-para-o-meu-colo.shtml. Acesso em: 26 abr. 2020.
LOVISI, Pedro. Xenofobia, uma outra doença que veio com o coronavírus. Estado de Minas Gerais, [S. l.], 27 abr. 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/27/interna_gerais,1142295/xenofobia-uma-outra-doenca-que-veio-com-o-coronavirus.shtml. Acesso em: 27 abr. 2020.
FILME: “E a Vida Continua” (Roger Spottiswoode, 1993)
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