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Willian Marcos Antonio Silva

Sócrates e a encruzilhada da masculinidade do homem negro gay


#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: no centro da foto: Sócrates (Christian Malheiros) olhando para frente, com os lábios cerrados. Fundo da foto desfocado. Fonte: <https://www.telecine.com.br/filme/socrates_19621>.


Sócrates é um filme dirigido pelo cineasta Alex Moratto, cujo protagonista homônimo é interpretado pelo ator Christian Malheiros. Após perder sua mãe, o jovem Sócrates, que foi criado somente por ela, agora precisa sobreviver sozinho, lidando com a miséria, a falta de emprego e de renda, além de ter que enfrentar preconceito devido sua orientação sexual. A trama da obra se constrói justamente nesses intermináveis ciclos dignos da Divina Comédia de Dante Alighieri, de sobreviver no inferno em um país tão desigual, racista e homofóbico como o Brasil. As tentativas frustradas de arrumar emprego sendo ainda um jovem menor de idade, de um afeto não correspondido devido aos padrões normativos de sexualidade da sociedade, além do preconceito dentro do seio da sua própria família guiam os caminhos de Sócrates, ou melhor, os seus descaminhos.


O filme segue um roteiro que busca problematizar os padrões de masculinidade vigentes dentro de uma sociedade constituída somente para reconhecer, dentro de uma lógica de reprodução social, uma perspectiva dual de gênero cis e heteronormativa: homem e mulher. Na obra de Alex Moratto, percebe-se que quando essa “norma” social não é “respeitada” (como é o caso de Sócrates, por ser um homem gay) pelos corpos que compõem essa sociedade, uma punição deve ser imposta. Tal opressão se enraíza nas estruturas histórica e socialmente constituídas. A respeito disso, Sherry Wolf diz que:


A opressão contra lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans, travestis e mulheres transexuais (LGBT) nem sempre existiu, como também nem sempre existiram pessoas LGBT como um segmento específico da população. A opressão de todas as minorias sexuais é uma das inúmeras contradições do capitalismo moderno. O capitalismo cria as condições materiais para que homens e mulheres levem vidas sexuais autônomas, mas, simultaneamente, procura impor normas heterossexuais na sociedade para garantir a manutenção da ordem econômica, social e sexual. (WOLF, 2021)

Entretanto, para pensar gênero dentro das especificidades de um país como o Brasil, é necessário observar quais serão os corpos que serão introduzidos dentro dessa imposição dicotômica (homem cis e mulher cis), e como as opressões dos corpos que não se normatizam a esses padrões podem se intensificar a partir de sua raça e classe.


É pensando nisso que Sócrates torna-se muito pertinente ao exemplificar o que pode ser a experiência de um jovem da comunidade LGBTQIA+, membro da classe trabalhadora e homem negro no Brasil. O rapaz é rejeitado por grande parte da família e pela sociedade, em primeiro lugar, por não atender um padrão de masculinidade; em segundo lugar, por se distanciar do imaginário de masculinidade negra (homem viril e hipersexualizado). Portanto, é duplamente excluído por não atender a um padrão máximo de universalidade de humanidade construída pelo colonialismo a partir da branquitude (FANON, 2008). E ao mesmo tempo, é excluído por não adotar um padrão de gênero normativo imposto pela sociedade capitalista, que em seu fim último visa a reprodução social.


O que essa obra nos traz é o exemplo da necessidade de compreender a realidade da população LGBTQIA+ a partir de sua totalidade, partindo de uma visão de raça, classe e gênero. Essas opressões se coadunam como dispositivos e bases das estruturas do capital, causando impacto objetivo (desemprego, falta de moradia etc.) e subjetivo (saúde mental) para todes esses corpos rebeldes.


O Negro Drama de Sócrates nos demonstra a realidade cruel que é a procura da fórmula mágica da paz, sobretudo para aquelas masculinidades cindidas entre o que é ser humano (universal branco) e o que é ser homem (cis e hétero), enquanto só se vê uma estrela meio longe e ofuscada (e aqui encerro minha analogia com os Racionais Mc’s). A paz dentro do sistema capitalista, que busca vigiar e punir os que não se submetem seus corpos a ele, nunca existiu.



Willian Marcos Antonio Silva

Graduando em História pela USP


Referências Bibliográficas:


RIBEIRO, A. A. M.; FAUSTINO, D. M. Negro Tema, Negro Vida, Negro Drama: Estudos Sobre Masculinidades Negras Na Diáspora. Revista TransVersos, v. 0, n. 10, 14 ago. 2017.


FANON, Franz. Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.


WOLF, S. As raízes da opressão LGBT. Disponível em: <https://jacobin.com.br/2021/06/as-raizes-da-opressao-lgbt/>. Acesso em: 14 ago. 2021.


Pesquisa da UFMG e Unicamp aponta que população LGBT está mais vulnerável ao desemprego e à depressão por causa da pandemia. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/05/17/pesquisa-da-ufmg-e unicamp-aponta-que-populacao-lgbt-esta-mais-vulneravel-ao-desemprego-e-a-depressao-por-causa-da-pandemia.ghtml>. Acesso em: 14 ago. 2021.



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