A era vem selvagem, Pantera sem amarra Mostra garra negra Eu trouxe a noite como camuflagem Sou vingador, vingando a dor Dos esmagados pela engrenagem
(Trecho da canção Pantera Negra, do cantor Emicida)
#PraCegoVer [ILUSTRAÇÃO]: No centro da imagem, o herói Pantera Negra olha para o horizonte. Ele está vestindo o seu traje de super-herói, que é todo preto. À sua esquerda, está Okoye (Danai Gurira) e, à sua direita, Nakia (Lupita Nyong’o). Ambas usam um traje de guerreira e seguram armas. Ao fundo, é possível observar uma selva e o pôr do sol. Fonte: https://www.rollingstone.fr/black-panther-roi-mort-vive-marvel/
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019, 46,8% dos brasileiros se declaram como pardos e 9,4% como pretos [1]. Somados, os valores representam mais da metade da população brasileira. Infelizmente, esses números não se refletem em outras áreas, como política, mercado de trabalho e ambiente universitário. Considerando as eleições municipais de 2020, apenas 35,70% dos candidatos a prefeito se autodeclaravam pretos ou pardos segundo estatísticas divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando a gente olha os resultados do 1º turno, a realidade é ainda mais grave: menos de um terço dos prefeitos eleitos são pretos ou pardos. Assim, fica evidente que existe um grande problema de representatividade em nosso país. No infográfico a seguir, é possível conferir informações mais detalhadas sobre o tema:
O que é representatividade? Segundo o Dicionário de Política (BOBBIO, Norberto), a palavra simboliza a expressão dos interesses de um grupo na figura de um representante. No âmbito político, por exemplo, os indivíduos podem influenciar direta e indiretamente a tomada de decisões, cobrando posicionamento adequado de seus representantes. Entretanto, a representatividade também se relaciona com a noção de subjetividade e identificação. Ela é importante para a formação pessoal, a construção de personalidade e o fortalecimento da autoconfiança. Assim, a representatividade de pessoas pardas e pretas em espaços de poder permite o questionamento de preconceitos raciais e a formulação de novos valores sociais.
E como tudo isso se relaciona com o cinema? A indústria cinematográfica pode ser uma grande aliada na luta contra estereótipos. Diversificar os personagens que aparecem nas telonas, por exemplo, pode ser o primeiro passo para o questionamento da intolerância e do preconceito, incentivando o senso crítico dos espectadores. Embora tenhamos um longo caminho a percorrer, alguns filmes já contestam a atual estrutura social. Entre eles, podemos citar o famoso Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018). Nesse filme, o personagem T’Challa (Chadwick Boseman) precisa proteger Wakanda de vilões que estão interessados no vibranium presente no reino. Por meio dessa história, narrativas pretas são empoderadas e colocadas no centro do debate. Além disso, são abordadas questões como ancestralidade, espírito de união e igualdade de gênero. A tirinha a seguir, de autoria de Leandro Assis e Triscila Oliveira, ilustra a importância do filme no que se refere à representatividade. A partir da identificação com o herói presente na tela, a menina pôde criar uma percepção diferente acerca de sua própria história.
#PraCegoVer [TIRINHA]: No primeiro quadro, mãe e filha estão no cinema. A menina pergunta para a mãe se elas vieram de Wakanda e a mãe responde que não. No segundo quadro, elas estão em uma praça de alimentação. A menina questiona a mãe sobre o país de origem da família. A mãe responde que elas vieram da África, mas não sabe especificar o país. No terceiro e último quadro, mãe e filha estão na festa de aniversário da menina. A menina está fantasiada de Pantera Negra e afirma que, como a mãe não sabia responder sua pergunta, ela escolhe que sua família veio de Wakanda.
Este ano, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deu um passo importante rumo à maior diversidade. A partir de 2024, serão adotados novos parâmetros para a escolha do Oscar de Melhor Filme. Para concorrer ao prêmio, as produções deverão empregar uma cota mínima de indivíduos pertencentes a grupos sociais pouco representados, como grupos raciais e étnicos, mulheres e pessoas com deficiência. Outro critério sugerido é a trama ser centrada em um desses grupos [2]. Dessa forma, a tendência é que filmes como Pantera Negra ganhem cada vez mais espaço dentro da indústria cinematográfica. Mudanças como essa nos dão esperança em um futuro mais inclusivo, diversificado e acolhedor.
Por fim, é importante lembrar que pessoas negras devem ter sua voz respeitada em todas as situações, e não apenas quando o assunto é racismo. Afinal, limitá-las a pautas raciais também é uma forma de silenciamento. Para fazer com que elas conquistem cada vez mais visibilidade, devemos acompanhar e apoiar seu trabalho não somente no Mês da Consciência Negra, mas ao longo de todo o ano. Com certeza, a sociedade tem muito a aprender com as falas de indivíduos negros.
Júlia Cristina Buzzi
Graduanda em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020/2021.
Notas e referências bibliográficas:
[1] Características gerais dos domicílios e dos moradores 2019 PNAD Contínua. IBGE, 2020. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf > Acesso em: 21/11/2020.
[2] Os critérios são explicados com maiores detalhes em https://www.omelete.com.br/filmes/oscar-regras-representatividade-2024
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 11ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
GARÓFALO, Nicolaos. Academia cria regras de representatividade para indicados ao Oscar. Omelete, 2020. Disponível em: < https://www.omelete.com.br/filmes/oscar-regras-representatividade-2024 > Acesso em: 21/11/2020.
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.
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