top of page

Busar no CineGRI

122 itens encontrados para ""

  • Snowpiercer e a Terra do Amanhã

    A Primeira Revolução Industrial representa não apenas um marco na história do avanço da humanidade, mas também marca o início de um uso intenso de combustíveis fósseis e o começo da intensa poluição atmosférica, que só passou a ser discutida a nível mundial em 1972, na Conferência de Estocolmo, onde, pela primeira vez, líderes mundiais se reuniram para discutir os impactos que o nosso modo de produção estaria causando ao planeta. Em Expresso do Amanhã (2013), do mesmo diretor do premiado filme Parasita (2019), Bong Joon-ho, retrata o que restou da humanidade após uma tentativa falha de barrar o aquecimento global. Os sobreviventes vivem a bordo do Snowpiercer, um trem, que devido ao congelamento do planeta Terra, precisa funcionar a todo momento. Criada pelo bilionário Wilford, a locomotiva eterna abriga ricos e suas famílias que compraram suas passagens para continuar a viver, enquanto pessoas pobres trabalham para eles em troca de abrigo. #PraCegoVer: a atriz Tilda Swinton, no canto direito da imagem representa uma mulher usando óculos de armação transparente, segurando um microfone que aponta para frente, vestindo roupas roxas e um casaco de pele jogado em seu braço direito. Ao fundo, várias pessoas sentadas, vestidas com roupas de frio e aparentam estar sujas. Fonte da imagem: https://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-7542/fotos/detalhe/?cmediafile=21036103> Acesso em: 21 de Novembro de 2021. A não adesão dos Estados Unidos aos protocolos mundiais contra às mudanças climáticas já é histórica, desde Kyoto ao Acordo de Paris, os norte-americanos, apesar de serem um dos países que mais poluem a atmosfera e gerarem lixo no mundo, insistem em não aderir a esses protocolos. A máquina capitalista estadunidense se recusa a repensar e frear sua forma de produção e o desenvolvimento a todo custo. No início do ano de 2021, o recém empossado presidente Joe Biden, prometeu se comprometer com a redução na emissão de gases, assim retornando ao Acordo de Paris, o qual seu antecessor, Donald Trump, havia formalmente se retirado diante da ONU, sobre a premissa de que a redução da poluição teria um impacto na taxa de emprego do país deixando muitos estadunidenses desempregados. Em Snowpiercer, o cenário não é muito diferente, mesmo após destruir o planeta, os mais ricos têm a chance de continuar vivendo, enquanto o resto da tripulação, que se alimenta de seus restos, deve servir e ser grata por não ter morrido na nova Era Glacial, iniciada após a tentativa falha de barrar o aquecimento global com o composto CW7. O filme que virou uma série com o mesmo nome, retrata como a burguesia, apesar de ter sido avisada sobre as consequências, saiu ilesa e vive de forma luxuosa à bordo da locomotiva. #PraCegoVer: boneco de Donald Trump, vestido com uma camisa com as cores da bandeira Norte Americana, levanta um taco de golfe em direção a uma estátua da Torre Eiffel com um globo terrestre no topo, representando o Acordo de Paris. Fonte da imagem:https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/02/19/eua-voltam-oficialmente-ao-acordo-de-paris-sobre-o-clima.ghtml Acesso em: 21 de Novembro de 2021. O rompimento com o Acordo, firmado pelo então Presidente Barack Obama em 2015 na COP 21, ocasionou uma instabilidade no compromisso mundial no combate às mudanças climáticas. Esse ano, 2021, a COP 26 (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas), realizada em Glasgow, na Escócia, dividiu opiniões ao tentar definir um fundo de “perdas e danos” que deveria ser pago pelos países mais ricos para ajudar os mais pobres e vulneráveis aos impactos da crise ambiental, como Tuvalu, país ameaçado pelo aumento do nível do mar, o que acabou gerando um atraso na conferência pela resistência de países desenvolvidos em aceitar a proposta. Enquanto não percebermos que não é necessário chegar ao ponto do Expresso do Amanhã para que os líderes mundiais comecem a realmente tomar iniciativas que sejam de fato efetivas, deixando de lado o avanço capitalista e pensando no que realmente importa, a reprodução e sustentabilidade da vida na Terra, para não precisarmos, como no filme, de um milionário tirano, tal qual o Senhor Wilford, para continuar a viver. Gabriela Bucalo, bolsista do Projeto CineGRI e graduanda em geografia pela FFLCH-USP. #Snowpiercer #MudançasClimáticas #AcordodeParis #BongJoon-ho #ExpressodoAmanhã Referências: PARKER, Laura. Estados Unidos geram mais lixo plástico que qualquer outro país, aponta estudo. Disponível em: Acesso em: 20 de Novembro de 2021. Por Reuters. EUA voltam oficialmente ao Acordo de Paris sobre o clima. Disponível em: Acesso em: 20 de Novembro de 2021. DEWAN, Angela; CASSIDY, Amy; FORMANEK, Ingrid; KOTTASOVÁ,Ivana. COP26 aprova acordo para a redução dos combustíveis fósseis no planeta Disponível em: Acesso em: 19 de Novembro de 2021. PASSARINHO, Nathalia. COP26: Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre mudança climática Disponível em: Acesso em: 20 de Novembro de 2021.

  • ADMIRÁVEL MUNDO NOVO E A ESCASSEZ DE RECURSOS NA TERRA

    #PraCegoVer: [IMAGEM] Homem se encontra parado apoiado na mesa do escritório, atrás há uma janela de vidro onde se vê a cidade ao fundo. Em meio aos recursos escassos na Terra, cria-se dois grupos distintos de indivíduos divididos entre civilizados e não civilizados. No admirável mundo novo onde vivem os civilizados, há um sistema de castas, além de super controle de natalidade e fertilidade, parece um mundo perfeito, calculado para dar certo, medido cada centímetro com régua. Lá embaixo, estão os com poucos recursos, ou com quase nada, vivendo sob a miséria, lá encontra-se os selvagens ou não civilizados. A série Admirável Mundo Novo, baseada no livro de Aldous Huxley, história contada acima, ilustra uma das maiores distopias do século XX, em meio à crise ambiental provocada pela superpopulação humana, degradação do solo e derrubada de florestas, que levou o mundo a sua escassez, sobrando apenas uma opção: não há recursos para todos, portanto os escolhidos são os que viverão no admirável mundo novo. O romance apesar de ser uma ideia do que poderia acontecer, uma possível realidade distante, nos faz refletir sobre o que estamos fazendo com os recursos que nos são ofertados pela natureza, pode ter como intuito nos fazer pensar nas seguintes problemáticas: a emissão de gás de carbono, a poluição de mares e rios, entre outros problemas ambientais como as grandes queimadas na Austrália e na Amazônia. Todos esses problemas têm preocupado grande parte do globo terrestre, que se reuniu na COP26 para tentar chegar a acordos climáticos. É importante frisar que apesar de na série haver um pensamento reacionário em relação a superpopulação, o que conversaria bastante com a Teoria de Malthus, que, inclusive, já foi derrubada, no mundo real o que acontece é que grandes empresas do agronegócio no Brasil deixam rastros de desmatamento e poluição. Nos últimos 40 anos a área de cultivo no país cresceu cerca de 53%, o que do ponto de vista econômico é ótimo, mas quando visto pelo prisma ambiental, é preocupante pela perda da biodiversidade e agressão aos ecossistemas. Os impactos ambientais causados pela superexploração do meio ambiente são quase que irreversíveis na maioria dos casos. Se continuarmos com esse pensamento de lucro e desenvolvimento não sustentável e não olharmos para o que realmente importa, as nossas riquezas naturais, talvez o que sobrará será apenas a terra, e, talvez, Aldous Huxley ao escrever essa distopia, tenha tentado nos alertar sobre um possível colapso do planeta, mas que nas atuais condições, se continuarmos fazendo e propagando o atual discurso e ações, não vamos conseguir nem chegar perto de 2540, o ano em que se passa o "Admirável Mundo Novo”. Fred Zeffirelli, Letras, FFLCH, Creator e Ator em formação #admiravelmundonovo #serie #distopia #impactosambientais #agronegocio REFERÊNCIAS: MACHADO, David. Um estudo do tema de ‘’Brave new world” de Aldous Huxley. IME-USP,1999. Disponível em: < https://www.ime.usp.br/~is/ddt/mac339/projetos/RdI-impactos-sociais/> Acessado em: 15/11/2021 Neves, Andressa. Admirável mundo novo: ideias insanas de antigamente que se tornaram realidade. Canal Tech,2016. Disponível em: < https://canaltech.com.br/entretenimento/admiravel-mundo-novo-previsoes-para-um-mundo-contemporaneo-67205/> Acessado em: 15/11/2021 CORTEZ, Fe. Os principais pontos da COP21, a conferência do Clima em Paris. Menos 1 lixo, 2015. Disponível em: < https://www.menos1lixo.com.br/posts/um-resumao-do-que-rolou-na-primeira-semana-da-cop-21-a-conferencia-do-clima-em-paris> Acessado em: 15/11/2021

  • Infância perdida pela guerra

    #PraCegoVer [FOTO] 4 crianças, de costas, observam uma escavadeira revirando destroços, na cidade de Kobane, Síria. Imagem disponível em: https://www.dw.com/pt-br/unicef-87-milh%C3%B5es-de-crian%C3%A7as-vivem-em-meio-%C3%A0-guerra/a-19137936# A ficção nos proporciona uma visão lúdica dos percalços sofridos por crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Diversos são os casos de filmes que retratam seus personagens em buscas desenfreadas por um tipo de luz no fim do túnel, onde seus problemas serão solucionados e suas preces atendidas. Exemplos de tais perspectivas são “Desventuras em Série (2005)”, em que três órfãos são entregues à própria sorte enquanto imersos em uma trama familiar que tem como objetivo roubar a herança dos pequenos e terminar com sua existência. Outra produção que retrata a mesma jornada de perseverança e sofrimento de uma família em busca de salvação é a famosa série “Nanny McPhee - A Babá Encantada”, onde através de um passe de mágica, literalmente, todos os problemas das personagens se resolvem. Entretanto, na vida real crianças são postas em face do perigo iminente e irremediável com magia ou determinação. Em 2019 cerca de 300 crianças morriam todos os dias em decorrência de consequências socioeconômicas de conflitos bélicos, como fome, falta de auxílio médico, e diversos outros. DW (2019). Além disso, é importante frisar que, mesmo em situações de adversidades mortais, muitas crianças conseguem passar por essa primeira fase de suas vidas e entram na fase adulta. Ainda que passado por tal período de extrema dificuldade, os sobreviventes terão consequências futuras para suas vidas que serão eternas. De acordo com Cátia Barros Lisboa (apud fao, 2011; sawaya, 2011) “A subnutrição é definida como uma condição na qual ocorre deficiências de macronutrientes e micronutrientes, resultantes de uma alimentação inadequada e infecções recorrentes, cujas consequências determinam efeitos adversos mensuráveis sobre a anatomia de tecidos ou do organismo (morfologia, dimensão, composição) e sobre a função corporal e a evolução clínica”. Tais fatores acarretam em populações com baixa expectativa de vida devido a diversos tipos de problemas de saúde e a situação adversa da guerra em que o país se encontra, fazendo com que a pirâmide etária do país tenha uma grande base e um topo pequeno, representando uma “pirâmide jovem”. Indicando que a quantidade de crianças e jovens é muito maior do que adultos e idosos. #PraCegoVer [IMAGEM] Pirâmide etária jovem do Afeganistão com dados do ano de 2021. População 39 milhões, 835 mil e 428. A imagem é constituída de régua do lado esquerdo representando a faixa etária que vai de 0 a mais de 100 anos e de pirâmide constituída de níveis, onde os níveis mais baixos representam idades menores. A pirâmide representada apresenta base larga que vai se estreitando até o topo, muito estreito. Fonte: . Em consequência de tais fatores os países são acometidos por consequências ao longo prazo, visto que reduzida expectativa de vida, há também redução de níveis econômicos e sociais, tornando mais difícil a ascensão socioeconômica de populações, dado que a economia da região é afetada por questões relativas ao trabalho e concomitantemente à guerra. Aposentadorias e crédito representam grande parte do poder de compra de um país, fazendo com que a economia se mantenha nos níveis ou que cresça, por meio do uso de crédito para investimentos, o que não acontece em locais onde as populações civis são acometidas pela guerra. Dessa forma, é possível notar o quanto o fator guerra influencia na estrutura social de um país ao longo de gerações, fazendo com que a miséria e caos seja retroalimentada pela sua própria criação no decorrer do tempo. De acordo com a UNICEF (2021) “Conflito na Síria, 10 anos depois: 90% das crianças precisam de apoio, já que a violência, a crise econômica e a pandemia de Covid-19 levam as famílias a uma situação limite”. Outra importante causalidade da guerra é o aliciamento de crianças em situação de vulnerabilidade em países em situação de guerra. Essas crianças são “recrutadas” na maioria das vezes à força por grupos paramilitares que, não obstante o uso da força, também efetuam ameaças contra as famílias, caso os recrutados não tomem posição favorável. De acordo com Rita Vaneide da Silva Andrade (apud TABAK, 2009) “Assim como na guerra ficcional, Muidinga foi forçado a participar de um ato nefasto, nos conflitos reais as crianças também são expostas a ações de extrema violência. Um exemplo é o caso das crianças soldado da Colômbia, Peru, Moçambique e República Democrática do Congo, que em depoimentos revelam terem sido obrigados a beber o sangue e a comer o coração das vítimas (SINGER, apud, TABAK, 2009, p. 44). Neste caso, a violação da infância, a partir da participação forçada das crianças em atrocidades, serve para alienar e doutrinar os soldados mirins (TABAK, 2009, p. 43).” Alguns filmes que trabalham a temática: “First They Killed My Father” (2017) O filme representa a guerra civil e a subsequente tomada de poder político no Camboja, na década de 70. Temos Loung Ung (Sareum Srey Moch) como personagem principal, uma garota na casa dos dez anos que assiste aos abusos e violências causados por conflitos armados, onde ela passa por situações de fome, miséria e trabalhos forçados. “Zona Verde” (2010) O filme se passa no Iraque de 2003, em situação de conflito armado entre o governo vigente e grupos paramilitares. É abordado a questão do aliciamento infantil de populações em situação de vulnerabilidade para participação em grupos paramilitares regionais. “Diamante de Sangue” (2006) O tráfico de diamantes na Serra Leoa dos anos 1990 foi um dos fatores que ajudaram a aumentar o caos em que o país já debilitado por uma guerra civil passava. O comércio das pedras representava fonte de lucro para mercenários e contrabandistas, além de servir como financiamento para os grupos paramilitares que tentavam tomar o poder. A situação das crianças no país é retratada de diversas formas. O aliciamento dos menores para grupos paramilitares é feito à força e amplamente. As situações de abusos físicos contra crianças é usada como arma de guerra e a miséria, fome e doença acompanham os refugiados nos abrigos. “O Menino do Pijama Listrado (2008)” Dois garotos em idade similar se encontram através de uma cerca. Aparentemente nada os diferencia, porém no contexto da 2º Guerra Mundial um dos garotos é filho de um oficial nazista responsável por um campo de concentração, enquanto o outro menino é um judeu. O filme proporciona uma visão da diferente importância que é dada para a vida e existência de duas crianças iguais, porém diferentes. #infância #juventude #guerra #economia #cinema Lucas da Silva Bacharelado em Administração FEA - USP Referências Bibliográficas: Guerras matam centenas de crianças todos os dias, afirma ONG. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/guerras-matam-centenas-de-crian%C3%A7as-todos-os-dias-afirma-ong/a-47537882. Acesso em 12/10/2021 LISBOA. B; Cátia. SUBNUTRIÇÃO INFANTIL: Acompanhamento de crianças desnutridas em um Centro de Recuperação Nutricional - CREN. Alagoas. UFAL, 2014. Acesso em 12/10/2021 Conflito na Síria, 10 anos depois: 90% das crianças precisam de apoio, já que a violência, a crise econômica e a pandemia de Covid-19 levam as famílias a uma situação limite. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/conflito-na-siria-10-anos-depois-90-por-cento-das-criancas-precisam-de-apoio. Acesso em 12/10/2021 ANDRADE. S. V. Rita. Infâncias fragmentadas: crianças no contexto de guerra, em Terra Sonâmbula, de Mia Couto. Ceará. UNILAB, 2017. Acesso em 12/10/2021

  • Crianças refugiadas e a pandemia

    #PraCegoVer [fotografia]: No lado esquerdo da imagem há uma menina negra de aproximadamente um ano. Ela usa um capuz rosa com bolinhas brancas e uma camiseta branca com bolinhas amarelas, azuis claras, rosas e laranjas. A bebê está com uma expressão de surpresa olhando a mulher que está no lado direito da foto, segurando ela. A mulher é negra e usa uma máscara branca e uma camiseta laranja com flores desenhadas. Ao fundo, existe uma mulher desfocada observando a cena. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/sites/unicef.org.brazil/files/styles/hero_desktop/public/UNI316644.JPG?itok=RuL5EIiC De acordo com dados coletados pela Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em 40 países, a taxa de crianças refugiadas com acesso à educação sofreu queda durante a pandemia da Covid-19. Segundo a agência, o número de jovens refugiados matriculados no nível secundário (do 6° ano do fundamental até o 3° ano do ensino médio) não passou de 34%. Essa realidade acaba restringindo o acesso desses jovens à saúde, alimentação, segurança e ao trabalho, todos considerados direitos básicos. Essa é a vida que vive o protagonista Abu (Abraham Atta), em “Beasts of No Nation'' (2015), um longa-metragem produzido pela Netflix que retrata a vida de uma criança africana capturada e forçada a viver como soldado durante uma guerra civil. Sendo privado de sua liberdade e do direito à infância, Abu é transformado em uma máquina de guerra pelo personagem denominado Comandante (Idris Elba). O filme, ao não nomear o país no qual se passa e nem dar muitas informações sobre o contexto da guerra, acaba por focar nas mudanças psicológicas do personagem principal, muito afetado pela realidade violenta, pela falta da família e pelo amadurecimento forçado. #PraCegoVer [fotografia]: No lado esquerdo da imagem há um menino negro de aproximadamente 9 anos olhando para a esquerda com o canto dos olhos e apresenta uma expressão de sofrimento. Ele usa uma espécie de chapéu retalhado nas cores amarela, vermelha, azul e verde, um colar amarelo e verde e em seu ombro existem algumas folhas de árvore num tom verde claro. A parte visível de sua camiseta é bege. Atrás dele, do lado direito da fotografia existe um homem negro desfocado com a expressão séria. O homem segura uma arma em sua mão esquerda. Ele usa uma espécie de chapéu verde e um colete bege. Ao fundo da imagem existem árvores desfocadas. Disponível em: https://f001.backblazeb2.com/file/papocine/2015/10/20151101-beasts-of-no-nation-netflix-600x320.jpg Assim como Abu, as milhares de crianças que vivem no meio de guerras perdem suas infâncias para os conflitos diariamente e, quando conseguem fugir de seus países de origem, não têm seus direitos básicos assegurados. A pandemia evidenciou e agravou esse problema. Se antes os jovens refugiados enfrentavam o descaso dos governos, a crueldade dos conflitos e a barreira criada pelos idiomas, agora também são deixados de lado quando se trata de medidas sanitárias e acesso ao ensino online. As crises econômicas de diversos países, que foram fortemente agravadas pela pandemia, também acabaram refletindo na infância dessas crianças. Usando como exemplo o Brasil, as classes mais baixas da sociedade, a qual pertence boa parte da população refugiada, foi a que mais sofreu com o desemprego, com o aumento da taxa de fome e com a falta de assistência governamental em todos os aspectos. Também foi a que mais teve mortes decorrentes de Covid-19, não tendo acesso a máscaras de qualidade, leitos de hospital, respiradores e, muitas vezes, nem mesmo a um velório. Essa mesma camada da população passou (e ainda passa) pela dificuldade de acesso às aulas online e liderou o aumento da taxa de evasão escolar. Morando em lugares onde falta internet e até mesmo energia elétrica, acompanhar as aulas se tornou mais um desafio na vida de muitas dessas crianças. Em outras ocasiões, a dificuldade também se dava por conta da dinâmica doméstica (ou dos abrigos) que passou a prejudicar o tempo de estudo dos jovens. Diante disso, fica evidente como a realidade das crianças refugiadas foi ainda mais prejudicada com o avanço da pandemia pelo mundo. Se antes o acesso a uma infância segura era difícil, a Covid-19 surgiu como mais uma barreira a ser enfrentada, colocando-as à margem de nossa sociedade. Infelizmente, os impactos desse retrocesso serão refletidos no futuro desses jovens, que, além de serem forçados a amadurecer prematuramente, enfrentarão dificuldades no ingresso ao ensino superior e na inserção no mercado de trabalho formalizado, tendo, mais uma vez, seus direitos negados pela sociedade. #infância, #refugiados, #BeastsOfNoNation, #pandemia, #GuerraCivil Mariana Monteiro Graduanda em Geografia na FFLCH - USP. Referências bibliográficas: MELO, Karina. Pandemia gera queda de matrículas de refugiados. Agência Brasil, 2021. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-09/pandemia-gera-queda-de-matriculas-de-refugiados >. Acesso em: 14 de outubro de 2021. Protegendo as crianças mais vulneráveis do impacto do coronavírus: uma agenda de ação. Unicef, 2020. Disponível em: < https://www.unicef.org/brazil/protegendo-criancas-mais-vulneraveis-do-impacto-do-coronavirus-uma-agenda-de-acao >. Acesso em: 14 de outubro de 2021. PRESSE, France. Pandemia pode reduzir acesso de crianças refugiadas à educação , diz Acnur. G1, 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/09/03/pandemia-pode-reduzir-acesso-de-criancas-refugiadas-a-educacao-diz-acnur.ghtml >. Acesso em: 14 de outubro de 2021.

  • Cafarnaum: A infância e o meio

    #PraCegoVer [Fotografia]: Um bebê e um garoto de aparência triste, vestem roupas azuis, brancas e listradas muito sujas e estão sentados em um calçada disforme ao lado de um saco de lixo e uma vitrine de madeira improvisada que expõe calçados. Imagem disponível em: http://43.mostra.org/_img/_filmes/95892.jpg De acordo com o dicionário online Priberam (2021), o termo “Cafarnaum” designa tanto uma cidade bíblica da Galileia quanto significa um “lugar de tumulto ou de desordem”. Percebe-se que isso é muito sintomático e significativo quando a diretora libanesa Nadine Labaki nomeia seu filme de 2018 com esse mesmo termo, já que a história tem um garoto, Zain, de cerca de 12 anos como protagonista e não a cidade em si. A premissa do filme narra a vida de Zain (Zain Al Rafeea), que está cumprindo pena em um reformatório por ter esfaqueado o homem que casou com sua irmã Sahar (Cedra Izam) de 11 anos. Zain o esfaqueou quando soube que esse, de alguma forma, havia provocado a morte dela. Porém, o fato mais importante que dá início a história é que o garoto está processando seus pais por terem colocado ele no mundo sem as devidas condições de criá-lo, ou criar seus 8 irmãos. A narrativa se desenrola através das respostas do garoto, dos advogados e dos acusados para um juíz e a partir daí todos os lados da história merecem, no mínimo, a nossa atenção e ponderação quanto a forma como a sociedade funciona e age, como a corrupção do Estado impede a execução das leis e como o lógica de exploração e lucro do capitalismo nos afeta. Durante a obra, vemos Zain passar pela fome, alagamento de sua moradia, situação de rua, falta de acesso à escola, abuso, assédio e trabalho infantil. Ele é “funcionário” do dono do mercado, o marido pedófilo de sua irmã. Zain vende suco e balas com seus irmãos e vende drogas quando não lhe restam mais opções. Vale mencionar a fala de sua mãe, Souad (Kawsar Al Haddad), nessa ocasião: "Que bom meu filho, que nosso suco [uma dose da droga, diluída] é mais caro que 1 kg de carne”. O garoto passa por todas essas situações de forma muito madura e inteligente, mas sem perder a essência da ingenuidade infantil. Isso fica muito marcado logo no início do filme quando nota-se as brincadeiras dele com seus amigos. Todos criados durante a guerra, brincam com armas de papelão muito bem detalhadas, dividem cigarros e falam sobre seus trabalhos. O brincar da criança é sua forma natural de desenvolver o cérebro, de entender e se apropriar do mundo e portanto, espelho dele. Veja a incompetência dos Estados e a ganância da parte mais privilegiada da sociedade para sanar essas questões que são direitos universais dos seres humanos, como comida, educação e moradia. O problema é claro, a desigualdade de distribuição de renda e a crise dos refugiados já é considerada a maior crise humanitária das últimas décadas, mas pouco se faz quanto a isso, pois a camada mais rica da população despreza a mínima existência dos seres incapazes de participarem ativamente do capitalismo. Parafraseando Orwell em seu livro “1984” (publicado em 1949), o constante “estado de guerra” permite aos governantes manter a população controlada por meio do pouco saneamento, emprego, comida, instrução e outras condições básicas de vida, assim, a sociedade entende que está passando por esses problemas por culpa da Guerra e não do Estado. O trecho mais marcante sobre isso ocorre quando Zain (Zain Al Rafeea) é iludido quanto a imigração para a Noruega, o falsificador de vistos e traficantes de crianças, diz ao garoto que só pode fazê-lo viajar se ele puder “provar que existe” e quando ele vai atrás de seus documentos descobre não só que não existem (seus pais nunca o registraram) como também descobre que Sahar (Cedra Izam) havia morrido por conta de uma gravidez e o hospital não a tinha deixado entrar por ela também não possuir documentação. Ou seja, um papel, uma burocracia, vale mais para o Estado e outras instituições do que a própria existência de ambas as crianças. Vale ressaltar que a realidade do filme conversa com a própria trajetória de vida da diretora e seu elenco. De acordo com a BBC (2019), Labaki só convida atores não profissionais para participarem de seus filmes e apenas graças à “Cafarnaum” que Zain Al Rafaeea e seus pais puderam se refugiar na Noruega, como também era o desejo de seu personagem no filme. Dito isso, é muito importante refletir e agir contra as realidades apresentadas na obra, ainda mais frente a atual situação da pandemia sanitária mundial. Se antes dessa, crianças como Zain já sofriam tanto, já se desenvolviam sem condições de vida digna, já eram exploradas, assediadas e vítimas do trabalho infantil e da falta de escolarização, se antes, garotas como a Sahar não tinham nem a oportunidade de serem atendidas por um pronto-socorro, pela simples falta de documentos, imaginem agora se elas têm direito à proteção básica e à imunização contra a covid-19. #cafarnaum, #infância, #refugiados ,#DesigualdadeSocial, #DireitosHumanos Juliana Mendes Santiago Graduanda em Biblioteconomia, na ECA - USP. Referências bibliográficas: CAFARNAUM. Direção de Nadine Labaki. Líbano: Mooz Films, 2018. CAFARNAUM. In: PRIBERAM, Dicionário de Língua Portuguesa Online. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2021 COMO vida de menino sírio mudou após filme que estrela ser indicado ao Oscar. BBC News Brasil. São Paulo. 22 fev. 2019. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2021. ORWELL. George. 1984. Rio de Janeiro: Antofágica, 2021.

  • Rosa e Momo (2020)

    Foto publicada em 26 de outubro de 2020 |Copyright REGINE DE LAZZARIS AKA GRETA / Netflix. Fonte: https://br.web.img3.acsta.net/r_1920_1080/pictures/20/10/26/14/12/1822118.jpg #PraCegoVer [Fotografia]: a fotografia mostra ao fundo um grande lençol marrom e lençóis brancos, azuis e coloridos pendurados no varal e encharcados pela chuva. Mostra Momo (Ibrahima Gueye) e Rosa (Sophia Loren) parados na chuva, Rosa sentada e Momo em pé, curvado em sua direção. Momo usa um casaco camuflado e Rosa uma camiseta florida. “Dizem que tudo já está escrito e que não se pode mudar nada. Quero mudar tudo. Quero voltar ao início, quando nada tinha sido escrito.” — Momo Essa frase abre o filme e nos apresenta Momo (Ibrahima Gueye), um senegalês órfão que vive na Itália sob os cuidados de um velho médico e que por motivos fisicos se vê incapacitado de continuar com essa adoção. Momo então, passa a morar na casa de Madame Rosa ( Sophia Loren) que dá abrigo para filhos de prostitutas. O filme, dirigido por Edoardo Ponti, filmado na Itália, aborda temas complexos como a prostituição, a transexualidade, a infância perdida, o tráfico de drogas e os traumas deixados por Auschwitz. Temas pesados e sombrios vistos pela ótica de uma criança solitária. Momo é rebelde no início da obra e sofre atritos com Madame Rosa, que relutantemente o abriga em sua casa, mas incentivado pelo chefe do tráfico, Momo permanece com Rosa para não atrair atenção da polícia. Com o desenrolar, vemos Momo se envolvendo e crescendo no tráfico, sua felicidade é visível ao ser promovido dentro do sistema criminal e com o dinheiro recebido compra uma bicicleta, primeiro traço de infância apresentado. Rotulado como ladrão, marginal e criminoso, Momo é uma criança solitária que não teve exemplos a serem seguidos. Do outro lado, há Madame Rosa, uma típica matrona italiana, sobrevivente de Auschwitz e com traumas de infância que aos poucos a corroem. Em fato, Madame Rosa não fala diretamente para Momo que é uma sobrevivente, mas os códigos em seu braço deixam evidente ao telespectador e, em determinado momento, ela cita sua estadia no holocausto, ficando satisfeita por aquela palavra terrivel não siginificar nada a Momo. A obra é sensível, mostra as dificuldades enfrentadas por um órfão, negro, refugiado em um país estranho, completamente sozinho. A infância perdida é demonstrada na malandragem da rua e na exclusão sentida ao frequentar a escola, que deveria ser responsável pelo acolhimento, e o amadurecimento precoce de Momo ao ser consciente da maldade que existe no homem. “Sou jovem e tenho toda a vida pela frente. Eu sei disso. Mas não ligo muito para a felicidade. Se aparecer, ótimo. Se não… foda-se. Não somos da mesma raça.” — Momo Entretanto, mesmo com todas as mazelas e cicatrizes, Momo se identifica com Madame Rosa, criando uma relação de amizade e cumplicidade. “É quando se perde a esperança que coisas boas acontecem. É reconfortante” — Madame Rosa Forte, é a palavra que se associa a Rosa, lutando até o último minuto para se manter consciente. Rosa salva Momo de decisões ruins e Momo salva os últimos instantes de Rosa. Uma relação arrebatadora de confiança, amor e proteção. Rosa e Momo é uma releitura do livro "A vida pela frente”, de Romain Gary, assinando como Émile Ajar. Assim como no livro publicado em 1975, Madame Rosa (Sophia Loren) é judia e sobrevivente do Holocausto. Momo (Ibrahima Gueye) é um imigrante e órfão. A relação que nasce a partir de vivências mútuas de desespero e desamparo é surpreendente. É retratada as dificuldades dos refugiados, a infância desgarrada, os traumas perpétuos. Rosa e Momo é mais que uma ficção, é o retrato da inocência e brutalidade contidos no mundo. Filme disponível na Netflix. Julia Lopes Graduanda em Letras, na FFLCH - USP. #infância, #refugiado, #itália, #RosaeMomo, #BlackLivesMatter Referências bibliográficas: A vida pela frente (GARY, Romain) MILANI, Robledo. Rosa e Momo. Papo de Cinema, 2021. Disponível em: . Acesso em: 14/10/2021 A VIDA PELA FRENTE, Émile Ajar (Romain Gary). Todavia Livros, 2021. Disponível em: . Acesso em: 14/10/2021. ROSA E MOMO. Adoro Cinema, 2021. Disponível em: . Acesso em: 14/10/2021.

  • Um continente abalado: textos do CineGRI que te ajudam a estudar para o vestibular

    Durante a pandemia de COVID-19, que teve início no final de 2019, os países da América Latina — e da América, de forma geral, se levarmos em conta os protestos Black Lives Matter e Stop Asian Hate — viram diversas insatisfações populares explodirem em suas ruas. Para além da desigualdade existente no continente em termos de vacina — enquanto o Chile já está na terceira dose, o Haiti vacinou 341 pessoas [1] —, a população enfrenta crises políticas e econômicas que dificultam cada vez mais sua sobrevivência. Abaixo, apresentamos quatro países que passaram e ainda estão passando por “lutas pandêmicas” — tema da nossa atual edição da Revista Cinestesia. Alguns tópicos já foram abordados no Blog do CineGRI mais detalhadamente e estarão indicados, com os devidos links, para que o leitor possa se aprofundar nas questões que mais chamarem sua atenção. BRASIL #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Imagem da ex-presidente Dilma Rousseff. A foto mostra a mulher do pescoço para cima. Ela usa uma blusa de gola quadriculada na cor azul marinho, com detalhes bordados em um tom próximo ao bege. Dilma tem os lábios contraídos, fazendo com que seus traços estejam bem marcados, e a sobrancelha arqueada. Ela olha para o lado. Fonte: https://i.ytimg.com/vi/vwZ5m10y1rQ/maxresdefault.jpg Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um período de grande turbulência política. O impeachment de Dilma Rousseff, retratado em parte do documentário indicado ao Oscar, Democracia em Vertigem, de Petra Costa, configura um marco dessa instabilidade. Os eventos de 2016 (que já vinham acontecendo desde antes desse fatídico ano) culminaram na saída da presidente, na posse de Michel Temer e na posterior eleição de Jair Messias Bolsonaro. O presidente atual governa durante um período crítico da nossa história, tendo o desafio de enfrentar a maior crise sanitária do século. Entretanto, a gestão negacionista, com um discurso anti-ciência e diversas denúncias de corrupção pouco tem colaborado para que superemos esse momento. Além disso, o governo tem apresentado grande retrocesso quanto às questões ambientais e aos direitos dos povos indígenas, dentre outras pautas que são constantemente ameaçadas. O Brasil, desde o começo de 2019, já presenciou diversas manifestações que levam, em sua maioria, o slogan “vacina no braço, comida no prato”, fazendo referência à falta de vacinas, à alta de preços de alimentos, bem como ao desemprego, que diminuiu o poder de compra da população e chegou a 14,7% no trimestre fechado em março [2]. Somam-se a isso os diversos pedidos de impeachment, que surgem nas vozes que estão nas ruas, são ouvidos e protocolados por diversos partidos políticos e terminam engavetados por Rodrigo Maia e Arthur Lira. No blog do CineGRI, você pode ler mais sobre A Geopolítica da Vacina, os casos de Corrupção, a questão ambiental, a causa indígena e a negligência com as regiões Norte e Nordeste do país, explicitada pelo apagão que ocorreu no Amapá em 2020, em meio a uma pandemia. COLÔMBIA Em abril de 2021, a Colômbia vivenciou uma onda de protestos que viraram notícia nos principais canais de comunicação do mundo. A população foi às ruas contra o aumento de impostos proposto pelo governo de Iván Duque, medida que atingiria os mais pobres. As manifestações foram duramente reprimidas pela polícia e, semanas após o ocorrido, diversas imagens de corpos começaram a circular pela mídia, evidenciando a violência praticada contra o povo. Mesmo após o governo recuar em relação à medida econômica, os protestos continuaram, com ameaças de greve e grande insatisfação popular. A demanda passou a ser por “ações para combater a pobreza, a violência policial denunciada por manifestantes, entre outras questões importantes para os colombianos, como saúde e educação” [5]. Isso é reflexo do crescimento da pobreza no país, que chegou a atingir 42,5% da população em 2020, durante a pandemia [6]. No blog do CineGRI, é possível ler mais sobre esse acontecimento e sobre o passado de luta colombiana. ESTADOS UNIDOS Com a troca presidencial de 2021, os Estados Unidos presenciaram uma tentativa de ameaça à democracia, com a invasão ao Capitólio. Tal tentativa não se concretizou, mas foi uma demonstração de recusa por parte dos seguidores de Donald Trump em aceitar a derrota nas urnas. Uma das consequências visíveis disso é o baixo número de vacinados em estados majoritariamente republicanos. Joe Biden adotou uma postura pró-vacinação à qual os adversários se opõem veementemente [3]. Essa atitude tem atrapalhado o desempenho dos Estados Unidos contra o vírus. Após uma reabertura quase total carregada de esperança de volta à normalidade, o país voltou a ter uma alta de casos e mortes impulsionadas pelo surgimento da variante delta aliado à falta de avanço na vacinação da população [4]. Além disso, o país viveu dois momentos muito marcantes durante a pandemia: o assassinato de George Floyd e de seis mulheres asiáticas em uma casa de massagem (além de outras duas pessoas não-asiáticas). Esses acontecimentos impulsionaram ondas de protestos, como o Black Lives Matter e o Stop Asian Hate, evidenciando o grave problema de racismo e xenofobia que o país em questão enfrenta. DICA EXTRA: HAITI O Haiti é um país que está em chamas desde 2019, quando começou uma onda de protestos pela deposição do presidente Jovenel Moïse e seu governo. Estes eram acusados de desviar bilhões de dólares do Petrocaribe [7], um programa de cooperação com a Venezuela que já estava em crise devido às sanções norte-americanas [8]. O presidente respondeu aos protestos suspendendo a atividade parlamentar em 2020, governando somente por decreto em meio à pandemia. O caos na ilha foi ainda mais agravado pelo assassinato de Moïse em julho deste ano, em circunstâncias ainda pouco esclarecidas [9], e pelo terremoto que atingiu o sul do país no dia 14 de agosto. Crises se acumulam e não se resolvem numa república que, ainda por cima, foi a última a iniciar sua vacinação nas Américas. As lutas pandêmicas vão desde o grito por vacina a disputas políticas internas, passando por apelo de populações que passam fome, vítimas de desemprego, desastres naturais, péssimo gerenciamento durante a pandemia, imperialismo, dentre tantos outros males que assolam a América Latina — além do racismo e xenofobia presentes no continente americano inteiro. Tais temas são retratados nos links que disponibilizamos acima, na edição atual da revista Cinestesia e encerram o ciclo 2020-2021 do CineGRI. Julia Salazar Graduanda em Letras, na FFLCH - USP. #vestibular #américa #américalatina #cinegri #temasvestibular Referências Bibliográficas: [1] NITAHARA, A. Opas: América Latina avança devagar na vacinação contra covid-19. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [2] ALVARENGA, D; SILVEIRA, D. Desemprego mantém recorde de 14,7% e atinge 14,8 milhões de brasileiros no trimestre encerrado em abril. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [3] ALVES, A. R. Com baixa taxa de vacinação e alta de casos, Sul dos EUA vira o 'cinturão da Covid'. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [4] Variante delta faz casos de Covid dispararem em vários países. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [5] LARA, F. Colômbia: Entenda a crise e os motivos dos protestos nas ruas. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [6] LARA, F. Colômbia: Entenda a crise e os motivos dos protestos nas ruas. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [7] ESTER, B. Haiti: Protestos infindáveis em uma república esquecida. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [8] RIVARA, L. Análise | Haiti: a comunidade imperial e a guerra contra a Petrocaribe. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021. [9] GOUDARD, J. Três conclusões tiradas das investigações sobre a morte de Jovenel Moïse no Haiti. Disponível em: Acesso em: 27 de agosto de 2021.

  • América Latina, crises e lutas políticas

    No filme Memórias do Subdesenvolvimento (1968), dirigido por Tomás Gutiérrez, temos uma obra que discute a situação de Cuba logo após a Revolução Socialista. Essa discussão acontece através do olhar do personagem Sergio, um cubano pequeno-burguês que decide permanecer e acompanhar as transformações após a queda do governo de Fulgêncio Batista. O personagem busca compreender as mudanças pelas quais passou o seu país, ao mesmo tempo que vivencia o processo de “revolução de massas”. Essa situação gera um conflito psicológico no personagem, pois ele representa a classe média intelectualizada que vive em um país subdesenvolvido. Além disso, o contexto do filme também nos mostra características do processo político e social, elementos fundamentais para pensar as crises e lutas políticas que perpassam os países da América Latina. #Pracegover: Diversas pessoas caminhando pela calçada no espaço urbanizado, com lojas, carros e uma avenida. Fonte: https://issocompensa.com/cinema/tomas-gutierrez-alea Nos últimos anos, acompanhamos uma onda de manifestações e crises políticas na América Latina. Desde 2019, foram registradas inúmeras insatisfações populares que foram as ruas no Chile, Bolívia, Equador, Venezuela, Paraguai, Peru e Argentina. Essas crises balançaram os governos desses países ou, pelo menos, os deixaram bastante abalados. Com a pandemia e o agravamento dela, também tivemos turbulências no campo econômico. Foi na madrugada do dia 07 de julho de 2021 que o presidente haitiano Jovenel Moïse foi assassinado a tiros em sua casa em Porto Príncipe. Uma notícia que trouxe grandes preocupações para os países vizinhos. Além disso, no dia 11 de Julho de 2021, os cubanos saíram às ruas com uma lista de reivindicações populares, no que já é considerada uma das maiores ondas de protestos do país. Mesmo com a taxa alta de mortes causadas pela Covid-19, países como Brasil, Colômbia, Argentina, Chile e Peru não têm deixado de levar as suas insatisfações populares para as ruas. Essas manifestações revelam, principalmente, as péssimas condições que a classe trabalhadora da América Latina está enfrentando nos últimos tempos. Isso não é uma novidade para nós: podemos observar essa linha histórica de exploração econômica na obra As veias abertas da América Latina, do autor Eduardo Galeano: o livro faz uma análise histórica da América Latina sob o ponto de vista da exploração econômica e da dominação política, desde a colonização europeia até a contemporaneidade da época em que foi lançado. Na introdução da obra o autor chama a atenção para o seguinte fato: A divisão internacional do trabalho significa que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca no mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precária: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se aventuraram pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta. (2010, p.17) #Pracegover: Manifestante atira coquetel molotov contra forças de segurança no Equador. Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/10/23/america-do-sul-em-turbulencia-veja-em-resumo-os-protestos-e-crises-politicas-na-regiao.ghtml Eduardo Galeano nos deixa uma reflexão muito importante quando pensamos o contexto histórico da América Latina, esse processo de ganhos e perdas ainda é muito expressivo quando pensamos nas ondas de protestos que revelam as crises econômicas e as lutas populares. Amanda Escobar Costa Graduanda em História e bolsista do Projeto CineGRI. #cinegri #memóriasdosubdesenvolvimento #crisespolíticas #americalatina #manifestações Referências Bibliográficas: GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Tradução de Sergio Faraco. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. MELLO, Michele. América Latina: pandemia não impediu protestos em todo o continente em 2020. Acesso em: 28/08/2021: https://www.brasildefato.com.br/2020/12/30/america-latina-pandemia-nao-impediu-protestos-em-todo-continente-em-2020 OLIVEIRA, Washington. Memórias do subdesenvolvimento. Acesso em? 28/08/2021: http://www.coisadecinema.com.br/coisadecinema/criticas/Entradas/2011/12/25_Memorias_do_Subdesenvolvimento.html VICENT, Mauricio. O ‘fator Estados Unidos’ irrompe na crise cubana após os protestos contra o Governo. Acesso em: 28/08/2021: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-24/o-fator-estados-unidos-irrompe-na-crise-cubana-apos-os-protestos-contra-o-governo.html BBC NEWS BRASIL. Protestos em Cuba: por que parte dos cubanos continua a apoiar governo. Acesso em: 28/08/2021: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57832440 GARCÍA, Jacobo. Presidente do Haiti, Jovenel Moïse, é assassinado a tiros em sua casa em Porto Príncipe. Acesso em: 28/08/2021: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-07/presidente-de-haiti-jovenel-moise-e-assassinado-a-tiros-em-sua-casa.html GIRO LATINO. Cuba: morte, fake news e corte à internet após protestos. Acesso em: 28/08/2021: https://girolatino.substack.com/p/cuba-morte-fake-news-e-corte-a-internet

  • Sócrates e a encruzilhada da masculinidade do homem negro gay

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: no centro da foto: Sócrates (Christian Malheiros) olhando para frente, com os lábios cerrados. Fundo da foto desfocado. Fonte: . Sócrates é um filme dirigido pelo cineasta Alex Moratto, cujo protagonista homônimo é interpretado pelo ator Christian Malheiros. Após perder sua mãe, o jovem Sócrates, que foi criado somente por ela, agora precisa sobreviver sozinho, lidando com a miséria, a falta de emprego e de renda, além de ter que enfrentar preconceito devido sua orientação sexual. A trama da obra se constrói justamente nesses intermináveis ciclos dignos da Divina Comédia de Dante Alighieri, de sobreviver no inferno em um país tão desigual, racista e homofóbico como o Brasil. As tentativas frustradas de arrumar emprego sendo ainda um jovem menor de idade, de um afeto não correspondido devido aos padrões normativos de sexualidade da sociedade, além do preconceito dentro do seio da sua própria família guiam os caminhos de Sócrates, ou melhor, os seus descaminhos. O filme segue um roteiro que busca problematizar os padrões de masculinidade vigentes dentro de uma sociedade constituída somente para reconhecer, dentro de uma lógica de reprodução social, uma perspectiva dual de gênero cis e heteronormativa: homem e mulher. Na obra de Alex Moratto, percebe-se que quando essa “norma” social não é “respeitada” (como é o caso de Sócrates, por ser um homem gay) pelos corpos que compõem essa sociedade, uma punição deve ser imposta. Tal opressão se enraíza nas estruturas histórica e socialmente constituídas. A respeito disso, Sherry Wolf diz que: A opressão contra lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans, travestis e mulheres transexuais (LGBT) nem sempre existiu, como também nem sempre existiram pessoas LGBT como um segmento específico da população. A opressão de todas as minorias sexuais é uma das inúmeras contradições do capitalismo moderno. O capitalismo cria as condições materiais para que homens e mulheres levem vidas sexuais autônomas, mas, simultaneamente, procura impor normas heterossexuais na sociedade para garantir a manutenção da ordem econômica, social e sexual. (WOLF, 2021) Entretanto, para pensar gênero dentro das especificidades de um país como o Brasil, é necessário observar quais serão os corpos que serão introduzidos dentro dessa imposição dicotômica (homem cis e mulher cis), e como as opressões dos corpos que não se normatizam a esses padrões podem se intensificar a partir de sua raça e classe. É pensando nisso que Sócrates torna-se muito pertinente ao exemplificar o que pode ser a experiência de um jovem da comunidade LGBTQIA+, membro da classe trabalhadora e homem negro no Brasil. O rapaz é rejeitado por grande parte da família e pela sociedade, em primeiro lugar, por não atender um padrão de masculinidade; em segundo lugar, por se distanciar do imaginário de masculinidade negra (homem viril e hipersexualizado). Portanto, é duplamente excluído por não atender a um padrão máximo de universalidade de humanidade construída pelo colonialismo a partir da branquitude (FANON, 2008). E ao mesmo tempo, é excluído por não adotar um padrão de gênero normativo imposto pela sociedade capitalista, que em seu fim último visa a reprodução social. O que essa obra nos traz é o exemplo da necessidade de compreender a realidade da população LGBTQIA+ a partir de sua totalidade, partindo de uma visão de raça, classe e gênero. Essas opressões se coadunam como dispositivos e bases das estruturas do capital, causando impacto objetivo (desemprego, falta de moradia etc.) e subjetivo (saúde mental) para todes esses corpos rebeldes. O Negro Drama de Sócrates nos demonstra a realidade cruel que é a procura da fórmula mágica da paz, sobretudo para aquelas masculinidades cindidas entre o que é ser humano (universal branco) e o que é ser homem (cis e hétero), enquanto só se vê uma estrela meio longe e ofuscada (e aqui encerro minha analogia com os Racionais Mc’s). A paz dentro do sistema capitalista, que busca vigiar e punir os que não se submetem seus corpos a ele, nunca existiu. #masculinidades #sócrates #LGBTQIA+ Willian Marcos Antonio Silva Graduando em História pela USP Referências Bibliográficas: RIBEIRO, A. A. M.; FAUSTINO, D. M. Negro Tema, Negro Vida, Negro Drama: Estudos Sobre Masculinidades Negras Na Diáspora. Revista TransVersos, v. 0, n. 10, 14 ago. 2017. FANON, Franz. Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. WOLF, S. As raízes da opressão LGBT. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2021. Pesquisa da UFMG e Unicamp aponta que população LGBT está mais vulnerável ao desemprego e à depressão por causa da pandemia. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2021.

  • Infâmia

    #PRACEGOVER Fotografia em preto e branco. Imagem do filme “The Children’s Hour” (1961). Em um quarto, à esquerda, uma mulher usando um vestido longo e sapatilhas, os braços rentes ao corpo, olhando para outra mulher à direita, está sentada numa poltrona em frente à janela com os olhos fechados e a luz do sol refletindo em seu rosto. Fonte: “Estou inalteravelmente oposto à produção dessa peça”, disse o então prefeito de Boston, Frederick W. Mansfield, em dezembro de 1935. “O tema gira em torno da homossexualidade, e por isso nada pode ser feito para salvá-la”, adicionou à declaração, banindo a primeira peça daquela que se tornaria uma das maiores dramaturgas e roteiristas americanas do século XX, Lillian Hellman. Baseada numa história real, a peça “The Children’s Hour” estreou na Broadway em 1935 sob aclamação da crítica, no entanto, fora do circuito de Nova York, Hellman enfrentou muita resistência, tanto do público quanto da crítica. Após uma adaptação que alterou profundamente o sentido da peça, a oportunidade para retratá-la no cinema novamente surgiu apenas em 1961, sob a direção do prestigioso William Wyler, contando com duas atrizes muito populares: Audrey Hepburn, que no mesmo ano estrelaria o filme “Breakfast at Tiffany's" (“Bonequinha de Luxo”, dir. Blake Edwards), e Shirley MacLaine, a protagonista de “The Apartment” (“Se meu apartamento falasse”, dir. Billy Wilder) lançado em 1960 . No filme, Martha Dobie (MacLaine) e Karen Wright (Audrey Hepburn), são duas professoras de um internato para garotas em uma pequena, porém rica cidadezinha nos Estados Unidos. Apesar de Karen ser noiva de um médico, Dr. Joe Cardin, há anos ela adia o casamento para poder se dedicar à escola, mas também a Martha, recusando-se a abandoná-la. Em certa ocasião, Martha repreende e proíbe uma aluna, Mary, de participar de um evento escolar em razão de seu comportamento (Mary havia roubado um bracelete de uma colega). Para se vingar, Mary então sugere para a avó, uma influente mulher na cidade, que viu Martha e Karen se engajando em atos “antinaturais”. Esse rumor é suficiente para destruir a reputação da escola e isolar Karen e Martha. Quando Joe Cardin pede que Karen abandone Martha, ele então recebe uma negativa e a abandona. Wyler sabia o quanto o tema seria sensível para a audiência da época, por isso promoveu o filme como uma história sobre como rumores e acusações podem destruir as vidas de qualquer pessoa, por mais admirada e respeitada que ela seja. Por décadas, o diretor nunca admitiu se tratar de um filme cujo tema central é o amor entre duas mulheres. Mas é justamente aí que Wyler, Michael Hayes (roteiro) e Hellman (adaptação) desafiam a audiência da época. No processo de conhecer as duas mulheres e testemunhar seu amor uma pela outra, a audiência entende que não deveria ser permitido que as vidas de duas pessoas sejam destruídas dessa forma, em razão do ódio. Apesar de se sustentar em insinuações, o filme não deixa dúvidas quanto ao amor entre ambas; em uma das primeiras cenas em que explicitamente uma mulher assume seu amor por outra na tela, Martha declara: “[M]as eu te amo, eu te amo como eles dizem que eu te amo!”. E Karen, por seu turno, convida Martha para “começar de novo em outro lugar”. Ao final, o destino de Martha é o mesmo que tantas vezes se repetiu no cinema em filmes que lidam com a homossexualidade, o suicídio. Mas a audiência não vê Karen se reunir com seu noivo. Não há “final feliz”, o que fica é a reflexão sobre o que acabou de assistir. No limite, o que Wyler e Hellman denunciam não é apenas as consequências dos rumores, mas o quanto o ódio e o preconceito são perversos e destrutivos. Em uma sociedade que busca manter as aparências de respeito e civilidade, a incapacidade de admitir a possibilidade do amor entre duas mulheres trouxe à tona o pior nas pessoas. O final da personagem de Hepburn é uma declarada não concessão para aqueles que querem acreditar que se tratava de um amor não correspondido, e por isso criticaram o filme, alegando imoralidade. Nesse sentido, ao desafiar as convenções e denunciar o ódio e o preconceito como os verdadeiros crimes cometidos, The Children’s Hour é, embora contido, uma das mais robustas condenações à homofobia do cinema americano, e continua relevante 60 anos depois. #LGBTQIA+ #preconceito #amor #cinema Laura Pimentel Barbosa é Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Relações Internacionais pela UNESP e Mestre em Ciências Sociais pela mesma universidade. Referências bibliográficas: Filme: The Children’s Hour (Infâmia), Dir. William Wyler, EUA, 1961. The New York Times. Children’s Hour Banned in Boston (1935). Disponível em: . Acesso em 11 de agosto, 2021. Russo, Vito. The Celluloid Closet: homossexuality in movies. Nova York: Harper & Row, 1987.

  • A experiência da AIDS e o cinema político em "Buddies"

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Recorte de uma lista com nomes de vítimas da pandemia global de AIDS e, ao lado, as datas de suas respectivas mortes. Sobreposto à lista, está escrito o título do filme “Buddies”. Imagem feita por Arthur J. Bressan Jr. Fonte: https://moviebloke.com/ “Buddies”, filme dirigido, produzido, roteirizado e editado por Arthur J. Bressan Jr., acompanha a história de Geoff, um jovem homem homossexual vítima do vírus HIV que desenvolve a doença da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) na década de 1980, nos Estados Unidos. Enquanto toda a sociedade se recusava a ajudar vítimas da tal doença, David, com a mesma idade, decide ser voluntário de uma ONG que cuidava dos seus irmãos de comunidade infectados na pandemia de HIV. A história pode parecer mais uma tragédia romântica, na qual as sutilezas de um amor são interrompidas por uma morte iminente, mas vai muito além disso. O filme, lançado em 1985, ficou conhecido como primeiro longa-metragem a tratar abertamente da pandemia de HIV e, além disso, ainda coloca ao centro um personagem em estado terminal que nos conta abertamente sobre como era a vida solitária e desesperançosa de um portador do vírus. O diretor deixa claro como a doença, que previamente foi conhecida como “praga gay” ou “câncer gay”, foi um retrocesso não apenas para a sociedade como um todo, mas especialmente para a comunidade LGBTQIA+, que conquistou e desfrutava de uma liberdade sexual nos centros cosmopolitas durante os anos 1950, 1960 e até 1970. A chegada da doença, que foi atrelada em primeiro momento somente aos gays, fez com que estes corpos "recuassem para os seus armários". Enquanto a família "tradicional", formada por uma mulher, homem e seus filhos pudessem usufruir dos espaços, a comunidade LGBTQIA+ carregaria uma marca de vergonha e não pertencimento. O filme se tornou importante por transmitir algumas mensagens: primeiro, sobre como o sistema de saúde ou qualquer outro de ajuda social é construído para atender a um padrão de pessoas; segundo, como a história de movimentos sociais é totalmente silenciada a todo momento possível por um grupo que detém os privilégios. No caso do longa, apesar de ser reconhecido hoje em dia , houve um apagamento de sua relevância na época do lançamento. “Buddies” teve um baixo orçamento e baixa repercussão no seu tempo, muito disso devido ao grande estigma que era falar abertamente sobre HIV/AIDS. Mas, além disso, há também o fato de ser um filme de baixo orçamento e independente, pois era impossível tratar do assunto polêmico em alguma produtora, já que todas se negavam a atrelar seus nomes à comunidade LGBTQIA+. Seu sucesso foi tardio: o filme foi homenageado nas últimas décadas por instituições recentes, como o Berlin International Film Festival, o Outfest: Los Angeles Gay & Lesbian Film Festival e também o Queer Lisboa. Essa ascensão pode representar uma pequena chama de esperança, sendo uma mensagem de que este grupo finalmente reconstruiu espaços possíveis de celebração da arte queer, que sempre existiu. Imagem de divulgação da remasterização do filme, lançado em festivais, como no 22º Festival de Cinema do Rio, em 2018. Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/en/films/buddies Longe de mera encenação, o longa foi feito com muita experiência pessoal do diretor. Dois anos após o lançamento, Arthur J. Bressan Jr. faleceu de complicações com o vírus HIV, da mesma forma que o protagonista do filme, Robert Willow. O roteiro, que em primeiro momento parecia simples, se tornou um discurso entoado por todos que vivenciaram a perda de alguém próximo e a luta contra o Estado para assegurar direitos básicos de sobrevivência. Além disso, o longa foi pioneiro no segmento da arte queer que relatou os difíceis anos da pandemia de HIV para a comunidade LGBTQIA+. Essa arte, que teve contribuição de muitos artistas latino-americanos, como Leonilson, no Brasil da década de 80, cumpriu brilhantemente o papel de nos comunicar, hoje e até quando forem acessíveis, sobre estas histórias que, além de apagadas dos livros de história, contam muito sobre como foi construído o preconceito aos LGBTQIA+ e, acima de tudo, como a sociedade operou para hostilizá-los em um passado ainda muito recente. #Buddies #LGBTQ+ #AIDS #HIV #Queer Guilherme Cavalcante, estudante de Letras na Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Além de redator, é poeta e ensaísta, tendo publicado recentemente na revista Philia- UFRGS (https://seer.ufrgs.br/philia/article/view/109662) e na revista de arte Caxangá (https://revistacaxanga.files.wordpress.com/2021/07/caxanga-v3-n1.pdf).

  • A vida (e a morte) de Marsha P. Johnson e o protagonismo questionado

    #PraCegoVer [Fotografia]: No centro da imagem está Marsha P. Johnson, importante ativista para o movimento LGBTQIA+. Ela usa um vestido rosa, colares e uma tiara com flores, segurando uma taça com a mão esquerda. Ao fundo da imagem, uma mesa com uma taça, uma garrafa e um armário com utensílios de cozinha. Fonte: https://revistahibrida.com.br/content/uploads/2018/09/life-and-death-marsha-p-johnsonw710h4732x-1200x799.jpg A vida (e a morte) de Marsha P. Johnson é um documentário dirigido pelo repórter investigativo e cineasta americano David France, lançado em 6 de Outubro de 2017 e disponibilizado pela plataforma Netflix. A obra nos convida a conhecer mais profundamente a história da ativista do movimento LGBTQIA+ Marsha P. Johnson e seu protagonismo nas revoltas de Stonewall no final dos anos 1960, além de paralelamente trazer uma linha investigativa sobre sua morte em 1992, que segue sem uma conclusão. No documentário, somos guiados por Victoria Cruz, conselheira do Anti-Violence Project, organização de Nova York dedicada a auxiliar e defender os interesses de pessoas LGBTQIA+ em casos de violência. Contemporânea de Marsha, apesar de não terem se conhecido, Victoria tem o objetivo de tentar trazer mais clareza para o falecimento de sua irmã de luta com a reabertura do caso em 2017, pois as circunstâncias de sua morte, como inúmeros casos de violência contra transexuais, nunca foram totalmente esclarecidas ou investigadas. Amigos próximos de Marsha na época contestaram a versão de “suicídio” entregue pela polícia local e protestaram pelas ruas de Nova York exigindo respostas, pois ela poderia ter sido vítima de um homicídio. No decorrer da investigação, fica evidente que qualquer passo de Victoria para tentar levantar provas sobre o caso sempre é acompanhado de empecilhos por parte do estado e da polícia de Nova York, como quando ela tenta entrar em contato com delegados que atuaram no caso e eles se recusam a prestar depoimento, ou quando pede detalhes da autópsia para o IML de Nova York e as documentações estão desaparecidas. Negra, prostituta e ativista, Marsha P. Johnson é considerada uma lenda na comunidade LGBTQIA+ nova iorquina. Atuante nas linhas de frente das revoltas de Stonewall, fundou a Gay Liberation Front (Frente de Libertação Gay), um dos movimentos pioneiros contra a perseguição aos LGBT marginalizados. Porém, apesar do progresso conquistado a partir de 1969, viu homens cis gays e mulheres cis lésbicas protagonizarem a causa, questionando o seu papel e o papel das pessoas trans em geral. Assim, juntamente com Sylvia Rivera, criaram a STAR (Street Transvestite Action Revolutionaries, ou Ação Revolucionária de Travestis de Rua) para oferecer suporte, moradia, comida e roupas às pessoas trans desabrigadas nas ruas de Greenwich Village. “Marsha se transforma em um símbolo para “todas” pessoas queers – mas esse “todas” quase sempre significa as experiências universalizadas de homossexuais brancos. A dor específica de Marsha, seu sofrimento, fica em segundo plano. É por isso que conhecemos o sorriso da ativista, mas não os pensamentos que passavam por sua cabeça. É por isso que lembramos Johnson como mártir, mas pouco falamos sobre as causas pelas quais ela lutou” Hugh Ryan sobre Marsha para revista OUT. Além desse caso, o documentário dedica alguns minutos ao caso de Islan Nettles, transexual espancada até a morte por James Dixon, que foi condenado a 12 anos de prisão – nem metade da pena máxima de 25 anos – mostrando que mesmo quando casos são solucionados, os agressores pegam penas mais brandas. No Brasil, não é diferente: segundo dados da organização Transgender Europe, em 2020, tivemos mais de 175 assassinatos de pessoas transexuais, sendo todas as vítimas mulheres trans/travestis, alcançando um triste recorde para o gênero desde que os dossiês começaram a ser divulgados. Mesmo com um grande ganho de espaço e visibilidade, faltam políticas públicas na área da saúde e na segurança pública para o movimento LGBTQIA+, principalmente para corpos transexuais. A sigla T luta contra a violência, carregando a luta diária pela própria vida e existência. #MarshaPJohnson #LGBTQIA+ #STAR #Stonewall #TransRights Lucas Moreira Pinto Aluno de Sistemas de Informação (EACH-USP) e bolsista do CineGRI Ciclo 2020/2021 Referências Bibliográficas CARVALHO, Diana. O ativismo de Marsha P. Johnson foi central na luta por direitos trans. Uol. Disponível em: < https://www.uol.com.br/ecoa/amp-stories/fizeram-historia-marsha-p-johnson/>. Acesso em: 08 de agosto de 2021. VALENTE, Anghel. Marsha P. Johnson, de Stonewall ao fundo do Rio Holland. Revista Híbrida, 2018. Disponível em: < https://revistahibrida.com.br/2018/09/20/a-historia-de-marsha-p-johnson-de-stonewall-ao-fundo-do-rio-holland/ >. Acesso em: 08 de agosto de 2021. SUDRÉ, Lu. Assassinatos de pessoas trans aumentaram 41% em 2020. Brasil de Fato, 2021. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2021/01/29/assassinatos-de-pessoas-trans-aumentaram-41-em-2020>. Acesso em: 08 de agosto de 2021. OLIVEIRA, Luciana de. Associação aponta que 175 pessoas transexuais foram mortas no Brasil em 2020 e denuncia subnotificação. G1, 2021. Disponível em: . Acesso em: 08 de agosto de 2021.

bottom of page