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  • Pandemia, desemprego e saúde mental: dá pra se adaptar?

    #PraCegoVer: Acima, há duas imagens. À esquerda, há o casal do filme Os sentidos do amor, formado por um homem e uma mulher. Ambos se beijam, mas estão usando máscaras que cobrem nariz e boca. À direita, há uma fila cercada por grades com várias pessoas alinhadas. Não podemos ver onde ela termina. Uma placa na entrada diz "Fila mutirão do emprego". Fontes: http://blog.parperfeito.com.br/dicas/6-filmes-de-romance-para-te-inspirar/attachment/sentidos-do-amor/ e https://imagens.ebc.com.br/l0HFQU772Zt1CuIa5egPyYiYI2g=/1170x700/smart/https://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/default/files/thumbnails/image/img_0343.jpg?itok=LB1MZJG5. O filme Os sentidos do amor (David Mackenzie, 2011) muito tem em comum com o momento pelo qual estamos passando. Nele, uma epidemia desconhecida assola o mundo da noite para o dia. Ninguém conhece precedentes da doença, não há cura, os médicos não sabem como tratar, ela é contagiosa e, dentro de pouco tempo, está sendo espalhada por todo o planeta. As pessoas sentem emoções muito fortes e, quando isso passa, elas não têm mais um dos cinco sentidos. A primeira emoção é uma tristeza profunda: choro, desesperança, sensação intensa de vazio; pessoas tendo ataques de choro no meio da rua, gritando e desesperadas. Quando passa, todos os que tiveram os sintomas perdem o olfato. Isso acontece progressivamente até que todos os sentidos sejam eliminados. Mesmo assim, em meio ao caos, o filme tem uma mensagem positiva: um casal é o plano de fundo da narrativa e eles aprendem, a cada vez que perdem um sentido, a se adaptar. Há uma bela “moral da história” sobre adaptação e superação das adversidades. Entretanto, é necessário tomar cuidado com essa narrativa de que encontrar uma solução depende única e exclusivamente dos indivíduos — o famoso “dar um jeito”. Calma! Não é que não tenhamos que procurar alternativas às situações nas quais a pandemia nos colocou. Muito menos que não precisamos encontrar meios de contornar tudo o que está acontecendo. Mas precisamos pensar a quem é dada a oportunidade de adaptação, com cautela, a fim de não individualizar questões coletivas e de responsabilidade externa. Periodicamente, elegemos cidadãos para ocupar cargos de governança e gerir o país dentro de uma crise – seja ela financeira, de saúde ou qualquer outro tipo. O que essas pessoas estão fazendo? Um estudo realizado pela Pnad Covid-19 mostra que, em 4 meses, o desemprego cresceu 27,6% no Brasil [1]. Abaixo, podemos conferir os dados: Mesmo dentro dessa realidade, no dia 4 de novembro, foi votado no Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador) o aumento da quantidade de parcelas de pagamento do seguro-desemprego para quem foi demitido durante a pandemia [2]. O resultado? Negativo. Não apenas o Conselho votou pelo não pagamento de mais parcelas, como também colocou diversos trabalhadores em uma encruzilhada: quem foi demitido no início da pandemia usufruiu do seguro-desemprego, mas agora ficou sem, não pode mais solicitar o auxílio emergencial, pois o prazo terminou em julho. Não há assistência a esses trabalhadores e, mesmo assim, é pedido a eles que "se adaptem". Como se pode cobrar deles algum tipo de adaptação quando não há emprego e quando não se pode nem sair de casa de modo seguro para ganhar dinheiro em ocupações informais? Os impasses não acabam aí. Além do desemprego, a pandemia acarretou uma série de problemas emocionais que atingem as mais diversas pessoas, de diferentes classes, cores, idades e gêneros. Estresse, insatisfação, tristeza, mal estar e noites mal dormidas são apenas alguns dos sintomas que a população tem enfrentado nos últimos meses. Abaixo, temos informações mais detalhadas sobre isso: É perceptível que boa parte da ansiedade causada se dá pela preocupação com a instabilidade financeira gerada pelo contexto em que estamos inseridos – algo que podemos ver na série Distanciamento Social (Hilary Weisman Graham e Jenji Kohan, 2020, disponível na Netflix). No episódio “Poderíamos todos navegar juntos pelo oceano”, uma mãe, que é cuidadora de uma senhora, precisa continuar trabalhando. Entretanto, como as escolas estão fechadas, ela não tem com quem deixar sua filha. A solução encontrada é instalar câmeras dentro do apartamento e checar a menina constantemente pelo celular. Porém, em determinado momento, a clínica onde a senhora fica entra em quarentena — não será possível sair ou entrar durante duas semanas. A mãe se vê, então, na situação de precisar decidir entre seu trabalho, de cujo salário precisa, e ficar com a filha. A solução encontrada é deixar a menina com a filha da senhora, que é professora. O convívio das duas não começa muito bem — a mulher, que mantém bem sua figura de “independente e sem filhos”, não consegue lidar com uma criança interrompendo suas aulas, que já não iam bem devido à pouca colaboração e interesse dos alunos. Nesses 20 minutos de episódio, é possível identificar várias situações com as quais nos relacionamos: o medo do desemprego, ter que abrir mão do isolamento social seguro na sua própria casa porque seu trabalho não comporta home office, a dificuldade de dividir o mesmo espaço constantemente com as mesmas pessoas, as adversidades que tanto professores quanto alunos encontram no sistema remoto, dentre outros. Delas, fiquemos apenas com o desemprego. Se essa mãe não tivesse encontrado alguém para cuidar de sua filha, ela precisaria renunciar à sua única fonte de renda? Aqui, foi possível encontrar uma alternativa e se adaptar, mas e quando não dá? Como está a saúde mental dessa mãe longe da filha durante 2 semanas e como ficaria caso estivesse com a criança, mas desempregada? O Brasil passa por um delicado momento em sua história e, infelizmente, milhões de brasileiros estão abandonados à própria sorte. A crise não se vê apenas no aumento do desemprego ou no preço do dólar, mas também nas diversas pesquisas relacionadas à saúde mental apontando para um povo cansado, triste, estressado e sem esperança de melhora. Segundo pesquisa realizada pelo King’s College, há 17 anos, durante a pandemia de SARS, os casos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático aumentaram em 30% dentre os indivíduos que cumpriram quarentena na China, o país mais afetado. Não é apenas difícil falar em adaptação nesse cenário, mas também injusto e cruel com muitas pessoas. Muito se fala — merecidamente — no heroísmo de nossos médicos e enfermeiros nas linhas de frente, profissionais essenciais nesse momento. Mas e quem cuida dos nossos desempregados e depressivos? Nossas políticas e agendas públicas pendem sempre — e no cenário pandêmico mais ainda — para deixá-los sozinhos e desamparados. A eles restam somente o peso da culpa e o fardo da adaptação. Referências Bibliográficas [1] CAMPOS, Ana Cristina. Desemprego subiu 27,6% em quatro meses de pandemia. Dados são da pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE. Disponível em: Acesso: 08/11/2020 [2] Conselho rejeita parcelas extras do seguro-desemprego na pandemia: Apoiada por representantes sindicais, a proposta não contou com os votos dos empregadores e do governo. Disponível em: . Acesso: 08/11/2020. BIERNATH, André. A epidemia oculta: saúde mental na era da Covid-19. Na esteira do coronavírus e seus desdobramentos, transtornos psicológicos como ansiedade e depressão representarão uma segunda onda de estragos à saúde. Disponível em: . Acesso: 08/11/2020. HARTMANN, Paula Benevenuto. "Coronafobia": o impacto da pandemia de Covid-19 a saúde mental. Disponível em: Acesso: 08/11/2020.

  • A verdadeira família tradicional brasileira

    #PraCegoVer: Fotografia em preto e branco, quatro pessoas em pé em uma floresta. Menina guató no canto esquerdo, mulher e homem no centro e menino no canto direito. Todos estão descalços e encaram a câmera. Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guat%C3%B3 Através de cerâmicas e restos de alimentos encontrados em Poconé, no Mato-Grosso, um estudo estadunidense demonstrou que a comunidade indígena guató habita o sudoeste do Pantanal desde antes do século XI [1]. Nos anos 50, os guatós foram considerados extintos por doenças como gripe, varíola e tuberculose, por ataques de bandeirantes no século XVIII e o avanço da pecuária e do comércio na década de 1940. Entretanto, nos anos 70, após duas décadas sem qualquer auxílio governamental, foram “reencontrados” por missionários e seu status foi corrigido [2]. O longa-metragem “500 Almas” (2004), dirigido por Joel Pizzini, narra a sobrevivência do povo guató e, simultaneamente, a perda de sua identidade. O filme inicia no Museu de Berlim, onde estão expostos artefatos da cultura, e parte para imagens belíssimas da fauna e flora do Pantanal mato-grossense, abordando a relação íntima dos guatós, etnia canoeira, com a água. Ao longo do filme-ensaio, relatos dos indígenas expõem o desaparecimento da língua, práticas e costumes guató. Concomitantemente, outros relatos mostram a renovação da identidade desse povo, através da autodeclaração indígena. Apesar da impressionante resiliência guató, em 2020, sua existência se encontra novamente em risco: em meio à pandemia do novo coronavírus, o Pantanal passou por uma das queimadas mais severas de sua história, afetando biomas como o Pampa, a Caatinga, o Cerrado, a Amazônia e a Mata Atlântica e populações históricas [3]. Dentre tantas ameaças, infelizmente, o povo guató, e todas as comunidades indígenas, se encontram em incessante luta contra o próprio governo federal brasileiro, que não limita suas palavras e muito menos ações para demonstrar profundo desprezo pela causa indígena. Como uma de suas primeiras medidas tomadas, o governo decidiu pela transição da FUNAI do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos [4] e a mudança da responsabilidade da demarcação de terras para o Ministério da Agricultura [5]. Apesar das decisões não terem durado tanto tempo, elas expõem o posicionamento do atual governo e suas tentativas de comprometer a segurança da causa. "Vocês têm na primeira vez da história do Brasil um presidente que está honrando o que prometeu durante a campanha. Um presidente que acredita e valoriza a família.” Em agosto de 2019, durante a “Marcha para Jesus”, típica procissão evangélica, Jair Bolsonaro defendeu mais uma vez o que ele chama de “família tradicional brasileira” [6]. No início do ano seguinte, 2020, em uma transmissão ao vivo através de rede social, ofendeu novamente as comunidades indígenas: "Índio tá evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós”, ao anunciar Hamilton Mourão, vice-presidente, como chefe do Conselho da Amazônia, órgão voltado, ironicamente, para a proteção e desenvolvimento da Amazônia [7]. Os guatós, cultura de mais de dez séculos de história, são a definição mais literal de “família tradicional brasileira” e estão pela terceira vez em risco de extinção e, diferentemente das décadas de 1950 e 1960, quando não possuíam quaisquer auxílios governamentais, são alvos das políticas monstruosas de Bolsonaro e seus aliados. #PANTANAL #QUEIMADAS #GUATÓS #IDENTIDADE #BOLSONARO Mariana Ramos Graduanda em Ciências Sociais (FFLCH – USP) e bolsista do Projeto CineGRI. Referências bibliográficas [1] GUATÓS vivem no Pantanal há mil anos, revela teste. Folha de São Paulo, 1999. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq31089907.htm >. Acesso em: 3 de novembro de 2020. [2] VALENTE, Rubens. FILME narra história de índios tidos como extintos e que vivem na região do Pantanal. Folha de São Paulo, 1999. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq31089906.htm >. Acesso em: 3 de novembro de 2020. [3] PANTANAL teve 14% do bioma queimado apenas em setembro e área devastada já é recorde histórico, diz Inpe. Globo, 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/10/07/pantanal-bate-recorde-historico-de-numero-de-queimadas-em-setembro-desde-inicio-das-medicoes-do-inpe-com-mais-de-14-mil-focos-em-um-mes.ghtml >. Acesso em: 3 de novembro de 2020. [4] GESTÃO da Funai vai para Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Canal Rural, 2018. Disponível em: < https://www.canalrural.com.br/noticias/gestao-da-funai-vai-para-ministerio-da-mulher-familia-e-direitos-humanos/ >. Acesso em: 3 de novembro de 2020. [5] MINISTÉRIO da Agricultura será responsável pela demarcação de terras indígenas. UOL, 2019. Disponível em: < https://migalhas.uol.com.br/quentes/293643/ministerio-da-agricultura-sera-responsavel-pela-demarcacao-de-terras-indigenas >. Acesso em: 3 de novembro de 2020. [6] BOLSONARO defende "família tradicional" e chama ideologia de gênero de "coisa do capeta". Correio do Povo, 2019. Disponível em: < https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/bolsonaro-defende-fam%C3%ADlia-tradicional-e-chama-ideologia-de-g%C3%AAnero-de-coisa-do-capeta-1.357773 >. Acesso em: 3 de novembro de 2020. [7] "ÍNDIO tá evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós", diz Bolsonaro. UOL, 2020. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/01/23/indio-ta-evoluindo-cada-vez-mais-e-ser-humano-igual-a-nos-diz-bolsonaro.htm  >. Acesso em: 3 de novembro de 2020.

  • Explicando o Coronavírus e o mito da pandemia democrática

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À direita da imagem estão dois agentes de saúde, inteiramente com roupa de proteção, carregando uma criança à esquerda, de forma pouco delicada e sem equipamentos para isso. Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/21/album/1429627341_379648.html Se há coisas impossíveis de evitarmos como seres humanos, essas são a morte, os impostos e as pandemias. É assim que Maryn McKenna, jornalista especialista em saúde pública introduz o episódio “A próxima pandemia” da série Explicando, exclusiva da Netflix. O episódio, quase que como uma premonição, fala sobre o nosso futuro incerto como humanidade e como devemos lidar com as próximas pandemias, antes mesmo de saber que o ano de 2020 seria marcado pelo COVID-19. No entanto, apesar de contextualizações corretas sobre os termos biológicos, o episódio apaga uma realidade importante dentro do contexto pandêmico: há regiões que adquirem mais sequelas que outras. A série aborda os princípios básicos para compreender o nascimento dos vírus responsáveis pelas pandemias, mas esquece de relatar que há diferenças entre os sistemas de saúde e poder aquisitivo dos países afetados por elas. O ecologista de doenças Peter Daszak expõe que os vírus nascem em regiões cujas populações convivem mais com animais silvestres, praticam mais caças e são submetidas a mercados abertos, sem meios adequados de socialização da comida. Além disso, esses países também são carentes de investimento em saúde pública, falta de acesso a saneamento básico e são economicamente incapazes de acessar recursos biotecnológicos para comprar vacinas com a rapidez com a qual países economicamente desenvolvidos, como Estados Unidos da América ou a Rússia, compram. Mas afinal, que países são esses? Estamos falando, majoritariamente, dos países com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), concentrados principalmente no sul global. Estima-se que, em 2019, a lista de países com menor IDH era composta por 80% de países da África, América latina e central, como Burundi, Haiti e Serra Leoa. Segundo a OMS, a lista de países mais pobres concentram 93% das doenças no mundo. Entre os fatores, está que tais países subdesenvolvidos contam com 52 milhões de pessoas sem acesso à água potável. Sabendo disso, fica mais difícil acreditar no discurso esperançoso de Bill Gates quando diz, na série, que a tecnologia tem feito avanços inimagináveis na luta contra doenças. Se tem feito, tem feito onde? E para quem? Pensando agora, no momento mais atual possível — a luta contra o vírus popularmente conhecido como Coronavírus — podemos ver as batalhas que os países subdesenvolvidos têm travado. O continente africano, por exemplo, mesmo com taxa de contágio baixa se comparado aos outros continentes, necessita de um financiamento superior a 1,2 trilhões de dólares para combater o Covid-19, como divulgou o FMI (Fundo Monetário Internacional). Outro exemplo, e desta vez não indo muito longe, está no próprio Brasil. Tomando a cidade de São Paulo como base, a realidade mostrou-nos que os bairros paulistanos mais pobres não só são centros maiores de disseminação do vírus, como também de mortes causadas por ele. Mais de 40% dos óbitos registrados ocorreram nos 20 bairros mais pobres, sobretudo pois os moradores dessas regiões não puderam ficar em casa no período de quarentena e também pela falta de leitos disponíveis por UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) em seus bairros, explica o colunista Rodrigo Gomes, da Rede Brasil Atual. É importante repensar, então, quão unidos estamos quando acontece uma epidemia mundial. Embora o comportamento otimista apresentado na série Explicando seja visando um avanço científico, é preciso encarar uma pandemia pelo que ela é: antidemocrática. É ingenuidade pensar que as classes são atingidas de forma equivalente e que o caminho para chegar até uma cura é contíguo, quando na verdade ainda lidamos com questões sociais mais antigas e de base no nosso próprio território. É difícil, em um país como o Brasil, onde 35% das cidades sofrem com falta de saneamento básico, acreditar que para assegurarmos a saúde basta alcançarmos uma vacina para a pandemia atual. Não temos só esta pedra no nosso caminho, temos todo um monumento a demolir. Guilherme Cavalcante Graduando em Letras Português / Alemão (FFCLH-USP), autor dos artigos “Memórias Inventadas”: uma viagem às memórias compartilhadas entre a população corumbaense e o poeta Manoel de Barros” (Instituto Acaia, 2018) e “O cinema português de Manoel de Oliveira: representações do amor e o mal-estar modernista” (Mosaico-UNESP, 2020). #Covid19 #Explicando #Epidemia #Saúde #Democracia Referências bibliográficas Explicando: A próxima pandemia (Ezra Klein, Joe Posner, 2019) CYMBALUK, Fernando. No Brasil, 35% das cidades sofrem com doenças ligadas a falta de saneamento. Notícias UOL, 2018. Disponível em: . Acesso em: 07, outubro de 2020. África precisa de financiamento para lutar contra a pandemia, diz FMI. Notícias UOL, 2020. Disponível em: . Acesso em: 09, outubro de 2020. SCHWARCZ, Lilia M. Quando acaba o século XX. São Paulo, Companhia das Letras, 2020.

  • Industrialização e trabalho

    Para inaugurar Cinema e Geopolítica para vestibulares, o CineGRI escolheu o filme Tempos Modernos (1936), dirigido por Charlie Chaplin, um clássico da história do cinema recomendado por vários professores do ensino médio. A obra de Chaplin é uma crítica às condições de vida e de trabalho na sociedade industrial capitalista. Nele observamos a dinâmica das relações de trabalho que estavam sendo estabelecidas durante o processo de industrialização e somos levados a profundas reflexões sobre os aspectos da vida urbana e os problemas gerados pelo avanço da industrialização. Na segunda metade do século XVII, a Europa passou por uma série de mudanças que transformaram completamente a estrutura da sociedade. Esse período ficou conhecido como Revolução Industrial que, iniciada na Inglaterra, foi responsável por consolidar o sistema capitalista, pondo fim à preponderância do capital mercantil sobre o industrial. Abaixo temos um infográfico com os principais acontecimentos do processo de industrialização. Tempos Modernos retrata o processo industrial na sua fase mais avançada, conhecido como linha de produção do sistema fordista. É na figura do personagem principal “Carlitos” (Charlie Chaplin), operário de uma fábrica que fica responsável por apertar parafusos, que observamos alguns aspectos da vida dos trabalhadores. No filme, a função desempenhada por Carlitos exigia produtividade e desempenho, pois era necessário gerar lucro para os donos das fábricas. Ainda que faça uso do humor, proporcionado pelas trapalhadas do personagem principal, é interessante notar a contradição do capital e do trabalho que está presente de forma explícita na produção cinematográfica. O patrão fica numa sala armando quebra-cabeças e lendo jornal, ao mesmo tempo em que de um monitor controla todos os movimentos dos operários e dita o ritmo de produção a ser executado. No decorrer da obra, observamos uma realidade difícil para sobreviver nas grandes zonas urbanas: a promessa de emprego não garantia qualidade de vida para essas pessoas, apenas mantinha recursos básicos para que sobrevivessem. #ParaCegoVer: Cena do filme em preto e branco do trabalho fabril. Na imagem temos esteira que pertence ao maquinário da fábrica; de frente para esteira temos quatro homens; e no centro está o ator Charlie Chaplin exercendo sua função de apertar parafusos. Fonte: https://www.pinterest.pt/pin/678917712551312641/ Segundo a matéria ‘Tempos Modernos’: trabalho alienado na Revolução Industrial, o filme custou a Chaplin uma série de perseguições, juntamente com a acusação de simpatias comunistas. Além disso, o ator havia recusado naturalizar-se norte-americano argumentando ser um “cidadão do mundo”, o que agravou ainda mais sua situação. Chaplin fazia parte da “lista negra” de Hollywood durante a perseguição macarthista, foi um movimento político norte-americano personificado pelo senador republicano Joseph McCarthy- daí o seu nome- de combate ao comunismo nos anos de 1950, o que tornou a situação de trabalho do diretor nos EUA insustentável (seus filmes eram proibidos), levando-o a abandonar definitivamente os EUA em 1952. No processo de industrialização, muitos trabalhadores se rebelaram contras as máquinas e as fábricas, como em Lancaster (1969) e no Lancashire (1779). Os proprietários de empresas e o governo criaram forças especiais de repressão para garantir a sobrevivência de suas fábricas. Por fim, os principais aspectos que devemos compreender sobre a Revolução Industrial e o filme Tempos Modernos, são as condições precárias de trabalho que colocavam em risco a vida e a saúde do trabalhador. A condição da classe trabalhadora acompanha outros momentos do processo industrial no mundo, trazendo novas discussões a respeito das condições do trabalho envolvendo o avanço tecnológico. Discussões essas que ainda estão presentes na contemporaneidade e que serão tratadas em nosso próximo texto. Referências bibliográficas: [1] PRIEB. M. A. Sérgio. Tempos Modernos: trabalho alienado na Revolução Industrial. Sul21. Disponível em: https://www.sul21.com.br/noticias/2012/02/os-tempos-modernos-de-chaplin-trabalho-e-alienacao-na-revolucao-industrial/. Acesso em 01/11/2020. ARRUDA, A. de Jobson José; PILETTI, Nelson. Toda a história: História geral e história do Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2010. BARROS, Fernando. O que foi o macarthismo?. Superinteressante. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-macarthismo/. Acesso em 03/11/2020.

  • O claro enigma do uso político da ciência

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, Benedict Cumberbatch, que interpreta o personagem Alan Turing, está digitando em uma máquina. Ao seu redor, estão uma mulher e outros três homens, todos vestidos com roupas do século XX. O fundo da imagem se assemelha a um galpão. Fonte: https://acreandoporai.wordpress.com/2015/03/30/joan-clarker-e-o-jogo-da-imitacao/ De acordo com o dicionário, “enigma” significa mistério, pergunta de difícil interpretação ou aquilo que não se compreende. Entretanto, durante a Segunda Guerra Mundial, essa palavra era muito mais do que apenas um verbete no dicionário. Enigma era o nome da máquina utilizada pelos alemães para enviar mensagens militares criptografadas, aparentemente indecifráveis. A partir dessa máquina, é possível notar como a ciência pode ser instrumentalizada para fins políticos, revelando a linha tênue entre integridade e conhecimento. É justamente esse o tema de O Jogo da Imitação (Morten Tyldum, 2014). O filme mostra como o governo britânico contou com a ajuda dos melhores cientistas do mundo para desvendar a Enigma e vencer a guerra. Liderada pelo famoso Alan Turing (Benedict Cumberbatch), a equipe conseguiu criar uma máquina capaz de decodificar as mensagens alemãs, vencendo a ciência com a própria ciência. De acordo com historiadores, esse feito foi capaz de encurtar o conflito em mais de 2 anos, salvando cerca de 14 milhões de vidas. Assim, é possível perceber que “o conhecimento é em si mesmo um poder” (Francis Bacon), cabendo aos indivíduos decidir o que fazer com esse poder. Embora a Segunda Guerra tenha acabado há 75 anos, a estreita relação entre ciência e política ainda se faz sentir no presente. As chamadas Fake News são um claro exemplo disso: apresentadas ao público como verdadeiras, as notícias são utilizadas para espalhar desinformação e moldar o pensamento dos indivíduos. Repetidas milhares de vezes, o que antes era mentira passa a ser entendido como verdade, anulando o esforço de pesquisadores e estudiosos para produzir conhecimento de qualidade. Esse fenômeno se assemelha ao duplipensamento presente na obra 1984 (ORWELL, George), conceito que se caracteriza pela capacidade de dizer mentiras deliberadas e, ao mesmo tempo, acreditar sinceramente nelas. Para que a sociedade não alcance o nível de alienação ilustrado no livro de Orwell, o primeiro passo é reconhecer que o conhecimento acaba sendo – de fato – desvirtuado a favor de interesses políticos e ideológicos, influenciando tanto na vida pessoal quanto no convívio coletivo. #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À esquerda, são encontradas duas máquinas grandes com fiação vermelha. À direita, Benedict Cumberbatch, que interpreta o personagem Alan Turing, olha para a câmera. Ele veste blusa social listrada, gravata de poá azul e suspensório. Na sua mão esquerda, é possível encontrar uma folha de papel. Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/e-tudo-historia/cura-gay-e-ponto-real-e-cruel-do-filme-o-jogo-da-imitacao/ Desse modo, o questionamento que resta é como fazer a política atuar a serviço da ciência (e não o contrário). Segundo Mariana Barbosa, “Botões de curtidas e compartilhamento viraram armas, usadas para viralizar mentiras, influenciar políticas e conquistar poder” [1]. Assim como no filme O Jogo da Imitação o personagem principal entendeu que, para vencer uma máquina, era necessário outra máquina, a sociedade atual também precisa se armar com as mesmas ferramentas do adversário. É fundamental fazer a Ciência circular para além dos meios acadêmicos, promovendo um diálogo mais aberto com a sociedade em geral. A pesquisadora Natália Pasternak, posicionando-se acerca do corte de verbas para a atividade científica, declarou: “Enquanto nós não fizermos um esforço para esclarecer à população e aos representantes eleitos que Ciência é um bem essencial, talvez a gente perca essa batalha. É muito importante investir nesse momento em uma comunicação transparente e honesta com a sociedade e pedir o apoio dos representantes eleitos para que a Ciência seja financiada e mantida de forma contínua, e que seja considerada um bem tão essencial quanto saúde e educação – porque, inclusive, não existe saúde e educação sem investimento em Ciência.” [2] Em uma época tão conturbada quanto a atual, em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19, a Ciência se mostra cada vez mais indissociável da vida social e política, sendo necessário ficar atento para o uso que se faz dela. Enquanto a Ciência pode descobrir a cura para o coronavírus, ela também pode ser manipulada para espalhar inverdades e preconceito. Em conclusão, deve ser mantida em mente a frase proferida por Samuel Johnson: “Integridade sem conhecimento é fraca e inútil, mas conhecimento sem integridade é perigoso e horrível”. Júlia Cristina Buzzi Graduanda em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020/2021. #Ciência #Política #FakeNews #Conhecimento #Poder Referências bibliográficas: [1] SINGER, Peter Warren. Entrevista “Guerra de likes”: Precisamos dominar as ferramentas e fazer a verdade viralizar. Em M. Barbosa (Org.), Pós-Verdade e Fake News: Reflexões sobre a Guerra de Narrativas (p. 97-107). Rio de Janeiro: Editora de Livros Cobogó, 2019. [2] O PL 529 PREJUDICA A CIÊNCIA PAULISTA. Jornal da USP, 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/universidade/o-pl-529-prejudica-a-ciencia-paulista/ Acesso em: 30/09/2020

  • Negacionismo: o avanço da desinformação

    #ParaCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, há um homem caminhando de cabeça baixa, enquanto no fundo há um grafite com a frase: “Qual lado da corda você tá?”. Entre a frase, de um lado dois profissionais da saúde (um deles utiliza uma capa de super-herói) e do outro o presidente Jair Messias Bolsonaro e um “homem vírus”. Fonte: https://www.instagram.com/p/CB3vs5QnT0R/?utm_source=ig_web_button_share_ Do francês (négationnisme), o negacionismo trata-se da negação da realidade e cientificamente é definido como a rejeição de conceitos básicos incontestáveis. Esse arranjo conversa com a situação brasileira de pandemia, pois diariamente a população é bombardeada por fake news e discursos controversos partidos de autoridades. Historicamente, essa onda negacionista teve diversas marcas que vão desde holocausto até a aids. O problema dessa atitude de rejeitar o incontestável é o seu impacto na sociedade: a desinformação. No filme Negação (2017), dirigido por Mick Jackson, aborda-se uma história real em que uma historiadora (Deborah Lipstad) precisou provar na corte a existência do holocausto contra um biógrafo de Hitler (David Irving). Por mais emblemática que seja a narrativa, é de suma importância deslocar o olhar para o papel da mídia no enredo e como esses aspectos se espelham atualmente. Para isso, é possível usar como referência a cena em que, após o primeiro dia de julgamento, há um display de chão em frente à uma loja, com a seguinte frase: “sem buracos, sem holocausto”, após o veredicto o mesmo muda para “Veredito do caso Irving: ele mentiu”. A batalha judicial da historiadora Deborah Lipstadt — especialista americana no Holocausto —, cujas afirmações foram questionadas por David Irving, — um sujeito sem qualquer formação acadêmica —, mas bastante arrogante, nos ajudam a entender a cena citada anteriormente, tendo em vista a forma que por muitas vezes a mídia age dando visibilidade a informações falsas e favorecendo um lado. O problema de dar ênfase à frente que está “ganhando” é que, por vezes, esta não é sinônimo de veracidade, o que ocorre justamente com a primeira notícia. Fora das telas, esse impasse também se implica a diversas esferas da sociedade brasileira que são autênticas, como a ciência. O conhecimento baseado no método científico é a base para diversos avanços na área da saúde, alimentação e principalmente qualidade de vida. No entanto, essa narrativa que deveria estar à frente em momentos de instabilidade, como o de pandemia, fica em segundo plano dando espaço ao negacionismo que se fortaleceu com discursos e conspirações que não possuem fundamento e muito menos sustentação. As grandes massas que deveriam dar palco à estabilização, a coloca em segundo plano e consequentemente o negacionismo vai à frente, deixando a população confusa, dividida e desinformada. Além do mais, outro fato atual que contribui para a alta do negacionismo científico é que, nos últimos anos, as universidades sofreram uma série de cortes de verbas e bolsas de estudos. Esse fato contribuiu para que a sociedade duvidasse da produção científica nas instituições. Edison Bueno, médico sanitarista e chefe do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em entrevista para o site Uol [1], declarou: "Mesmo compreendendo que devemos ter autonomia para tomar decisões, não cabe aceitar atitudes ou posicionamentos que vão contra o bem-estar ou, pior, colocam em risco a vida de todos", essa afirmação é importante porque o ceticismo generalizado parte de achismos particulares e colocam-se à frente de verdades públicas, atingindo a ciência e acarretando a desinformação. Assim, a ciência acaba sendo uma corda puxada de um lado para o outro, por dois lados diferentes, que, uma hora, acaba se arrebentando. Pâmela Vitória Graduanda em Letras (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021. #Negacionismo #Ciência #Desinformação #Negação #Sociedade Referências bibliográficas [1] TESTONI, Macelo. Negacionismo prejudica não só a saúde como conquistas e avanços na medicina: Disponível: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/21/negacionismo-prejudica-nao-so-a-saude-como-conquistas-e-avancos-da-medicina.htm Acesso em: 21/05/2020, 04:00. SOUKI, Nádia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. Belo Horizonte: Ed. UFMG,1998.

  • Quem tem medo da ciência?

    #PraCegoVer [Fotografia]: Ao fundo, uma biblioteca com diversos pergaminhos organizados em prateleiras de mármore escuro; ao centro, a atriz Rachel Weisz, que interpreta a Filósofa, Matemática e Astrônoma Hipátia, vestindo uma túnica de tons claros enquanto segura alguns dos pergaminhos, com os olhos arregalados e a boca entreaberta. Fonte: https://www.theguardian.com/books/2019/dec/19/the-tenth-muse-catherine-chung-review O ataque e desvalorização das ciências, principalmente das ciências humanas, tem ganhado força nos últimos tempos. Além de enfrentar os diversos cortes nos auxílios para pesquisadores, na era digital, o conhecimento científico precisa encarar seu mais novo inimigo: as Fake News. A velocidade e a facilidade com que se espalham já ajudou a eleger governos e principalmente a “viralizar” o medo. Tornou-se comum se deparar com notícias falsas nas redes sociais e nos grupos de Whatsapp e, a fim de combatê-las, pesquisadores, especialistas e cientistas precisam constantemente desmenti-las, tarefa que está se tornando mais difícil a cada dia. Um levantamento publicado em julho de 2019 verificou que, entre os brasileiros, 73% desconfiam da ciência e 23% consideram que a produção científica pouco contribui para o desenvolvimento econômico e social do país [1]. Não apenas a população acredita nisso, como também é incentivada a fazê-lo, e como resultado temos cada vez mais cortes na educação e pesquisa das universidades públicas. O filme Ágora (Alejandro Amenábar, 2009), que se passa entre os séculos IV e V depois de Cristo, conta a história de Hipátia de Alexandria, matemática, filósofa e astrônoma que foi perseguida e morta brutalmente por cristãos, sendo acusada de bruxaria e ateísmo. Ela é uma das primeiras mulheres da ciência sobre a qual temos conhecimento, mas infelizmente nenhum dos seus trabalhos originais sobreviveu: toda a sua obra foi apagada numa tentativa de que sua vida caísse em esquecimento. Hipátia possuía grande influência na política e era muito respeitada por todos. #PraCegoVer [Ilustração]: Imagem em preto e branco, datada do século 19 na França, intitulada “Morte da Filósofa Hipátia” (título traduzido, em tradução livre). À esquerda da imagem, temos um cavalo amarrado à uma biga; ao fundo, diversos homens com apontam para a direita, enquanto outros carregam pedras e as atiram contra uma mulher jogada no chão, que é arrastada na direção apontada por eles. Fonte: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/artigo/2019/04/25/tres-faces-de-hipatia-de-alexandria O assassinato de Hipátia não foi uma consequência apenas de sua produção científica, mas também de não aceitar se converter à religião católica, bem como não se conformar com o papel de submissão e com o silêncio feminino imposto pela Igreja. A filósofa representava tudo o que o catolicismo condenava, uma mulher de grande influência que, diferente de muitos de sua época, não aceitou a imposição da fé cristã e se manteve fiel à busca pela verdade através da ciência. O anti-intelectualismo e o ataque à verdade, segundo o professor Jason Stanley [2] seriam uma tentativa de silenciar os estudos que evidenciam as desigualdades e as universidades, onde esses questionamentos têm origem. Stanley aponta essa prática como um dos pilares das políticas fascistas em ascensão ao redor do mundo. A desvalorização, cortes nas bolsas de pesquisa e permanência, a desmoralização e até mesmo uma certa “demonização” tanto da ciência quanto dos cientistas abrem espaço para que as chamadas “pseudociências” se disseminem e ganhem cada vez mais adeptos. Não é raro encontrar canais no Youtube que criam e defendem teorias da conspiração que servem como fonte de informação para diversas pessoas, como por exemplo a teoria da Terra plana. Nos tempos de pandemia, a mais nova fake news que circula é sobre termômetros com sensor infravermelho causarem morte dos neurônios e interferirem na glândula pineal, responsável pela produção e regulação de diversos hormônios. Mesmo com todos os esforços dos órgãos públicos de vigilância sanitária e de saúde em desmentir essa notícia, muitos estabelecimentos passaram a medir a temperatura de seus clientes pelo pulso. Por mais absurdos que sejam, esses conteúdos são muito mais compartilhados e chegam com mais facilidade na população do que tudo o que é discutido e produzido dentro dos muros da universidade. Os projetos de extensão e a democratização das ciências são de extrema importância para que o conhecimento chegue o mais longe possível. A valorização da ciência e da educação são de extrema importância para o combate da ignorância e do medo e devem ser incentivados, assim como fez Hipátia. Gabriela Bucalo Graduanda em Geografia (FFLCH) e bolsista no Projeto CineGRI, ciclo 2020-2021. #Hipatia #Ágora #MulheresNaCiência #Ciência #FakeNews Referências bibliográficas: [1] RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE. Resistência à ciência. Pesquisa FAPESP, Edição 284, Páginas 17-21, outubro 2019. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/resistencia-a-ciencia/. Acesso: 02 de outubro de 2020. [2] PEZZO, Mari. Conhecimento sob ataque. Disponível em: https://www.labi.ufscar.br/2019/05/02/conhecimento-sob-ataque/ Acesso em: 02 de outubro de 2020. MELO, Amanda Soares de. As várias faces de Hipátia de Alexandria. Disponível em: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/artigo/2019/04/25/tres-faces-de-hipatia-de-alexandria/ Acesso em: 02 de outubro de 2020.

  • É só querer?

    #PraCegoVer: [Fotografia]: À esquerda, um céu aberto azul com poucas nuvens brancas. À direita, a parte superior de um moinho em tons de bege e um menino negro se segurando na estrutura, construída com árvores, e olhando para baixo. Fonte: https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/01/5e3075e675695/trip-menino-descobriu-vento-materia3.jpg No início dos anos 2000, a combinação de inundações e um terrível período de seca posterior a elas deu origem a uma crise alimentícia em países africanos, especialmente no Malawi, onde cerca de 300 pessoas morreram de fome [1]. É nesse contexto que se passa a história da família de William Kamkwamba, contada no filme O menino que descobriu o vento (Chiwetel Ejiofor, 2019, Netflix). Moradores de uma vila no Malawi, a família e os vizinhos de William tinham como sustento o plantio de grãos. Preocupados em investir no futuro dos filhos, seus pais o enviaram para a escola, mas, com a seca e, consequentemente, sem sua principal fonte de renda, tiveram de tirá-lo. Entretanto, William, que sempre fora curioso, continuou frequentando ilegalmente a biblioteca da escola, até encontrar um livro chamado “Usando a Energia”. Ali, ele leu sobre a tecnologia do moinho que, gerando energia eólica, poderia, com o uso de uma bateria, bombear água e distribuí-la através de toda a plantação. Seu objetivo passa a ser construí-lo, o que faz com a ajuda do livro, baterias de ferro velho e uma bicicleta. Assim, a vila pode voltar a plantar, mesmo sem chuva. A história é baseada na vida do verdadeiro William Kamkwamba, que, após salvar sua vila da fome aos 14 anos, ganhou uma bolsa de estudos em uma escola da capital de Malawi, na African Leadership Academy e no Dartmouth College (EUA). A trajetória de Kamkwamba é um retrato da dificuldade da obtenção e produção de conhecimento longe dos grandes centros. Ele foi muito bem sucedido em salvar sua comunidade, mas, a fim de continuar seus estudos, teve que migrar, primeiro para a capital do país e, posteriormente, para outro continente – situação muito comum no Sul Global. Tomemos o Brasil como exemplo. De 2011 a 2018, houve um aumento de 184% no número de pessoas que saíram do país para dar continuidade aos seus estudos [2]. Esse número se refere a pessoas em busca de mestrado ou doutorado e o motivo principal é a falta de estrutura, investimento e valorização da pesquisa no Brasil [3]. Quando olhamos para os números de alunos que estão entrando na graduação, 10% migram para outro estado para poder cursar faculdade [4]. Esse número, em 2010, era de 25%: muitos deixam de ir devido ao alto custo de moradia associado a um auxílio baixíssimo dado pelo governo; tantos outros sequer chegam a cursar o ensino superior, pois não podem pagar e não foram aprovados em uma instituição pública [5]. Nos ensinos médio e fundamental, não faltam relatos de alunos que precisam ir à outra cidade para estudar ou andar 10 km todos os dias por não terem acesso ao transporte público [6]. A realidade é que, devido à falta de políticas públicas para todas as etapas da educação em nosso país, a combinação entre distância e baixa renda é impeditiva à educação de boa parte das pessoas. Como alternativa a essa situação, têm crescido o número de cursinhos populares, casas de cultura periféricas, saraus e outros modelos informais de ensino. Muitas vezes organizados pelos poucos moradores daquela comunidade que chegaram ao ensino superior, cursinhos como a Rede Emancipa e o FASE têm papel fundamental na aprovação dos jovens. Alternativas virtuais, como o Univirr, em Roraima, também existem. Os centros de promoção cultural de papel formativo, como o CAPSArtes e o Pagode da 27, no Grajaú (SP), promovem debates e organizam bibliotecas comunitárias [7]. William Kamkwamba é um desses jovens que conseguiram seguir o curso formal da educação e voltaram para sua comunidade a fim de ajudá-la de maneiras informais. Na vila, ele instalou painéis solares para que os alunos pudessem ter computadores e projetores, patrocinou um time de futebol e quer criar um centro de inovação para que as pessoas tenham a oportunidade de desenvolver seus próprios projetos — de modo que histórias como a sua não sejam só exceção. Kamkwamba tem uma inspiradora trajetória que, distanciando-se muito de um discurso meritocrático, mostra que o que faltam são oportunidades e, que, a despeito da falta de ajuda do governo, elas estão sendo proporcionadas por aqueles que, depois de irem, voltam e as constroem para a próxima geração. Em suas palavras: “Talento é universal, mas oportunidade ainda não é” [8]. Julia Salazar Graduanda em Letras (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021. #OMeninoQueDescobriuOVento #AcessoÀEducação #Educação #CentroPeriferia #Migração Referências bibliográficas [1] Pelo menos 2,6 milhões de pessoas passam fome na África austral. Uol Notícias, 2002. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [2] SILVEIRA, Everaldo da. Fuga de cérebros: os doutores que preferiram deixar o Brasil para continuar pesquisas em outro país. BBC News Brasil, 2020. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [3] GARCIA, Janaina. Cientistas em fuga: Forçados a deixar o país por oportunidades, eles refletem sobre a carreira no exterior e o futuro do Brasil. Ecoa, 2020. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [4] PALHARES, Isabela. Nas faculdades federais, só 10% optam por estudar fora do Estado de origem. Folha de SP, 2018. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [5] Pesquisa: maior parte dos alunos não ingressa na universidade por falta de dinheiro. O Globo, 2017. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [6] Crianças caminham 11,6 km para ir à escola em novo bairro de São Carlos. G1, 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2016/05/criancas-caminham-116-km-para-ir-escola-em-novo-bairro-de-sao-carlos.html Acesso em: 26/09/2020. [7] SOUZA, Gabriel. Cursinhos populares são aliados para estudantes das periferias. Portal Aprendiz UOL, 2019. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [8] CARNEVALLI, Érica. Ele construiu um moinho a partir do lixo para levar energia e água para sua vila na África: William Kamkwamba conta como aprendeu sozinho, por meio de livros, a criar um sistema elétrico que mudou a sua comunidade. Época, 2019. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020.

  • A onda negacionista

    #ParaTodosVerem [Fotografia]: No primeiro plano da imagem, temos um cartaz escrito “Ditadura nunca mais” levantado por um homem de costas. Do lado superior direito, há uma bandeira do Brasil, capturada em movimento. No fundo, temos uma multidão costas e cartazes desfocados. Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/brasil-multidao-amontoado-democracia-8280027/ A frase “Nunca houve ditadura no Brasil” parecia inimaginável para as Ciências Humanas e para aqueles que perderam seus familiares e amigos durante a ditadura militar de 1964 a 1985. Entretanto, com a efervescência do debate nas redes sociais causada pela polarização política no Brasil, alguns fatos científicos que pareciam já aceitos pela nossa sociedade começaram a ser negados e revisados. A questão é que o negacionismo e o ‘revisionismo ideológico’ não são fenômenos recentes: a diferença é que, hoje, vivemos na era de interações pela Internet, um recurso que oferece circulação rápida, perigosa e estratégica para quem pretende disseminar notícias mentirosas. O filme Negação (Mick Jackson, 2017) é baseado em fatos reais e retrata uma disputa judicial que aconteceu na Inglaterra entre uma historiadora e um negacionista. O caso da historiadora americana Deborah Lipstadt ganhou repercussão após a publicação de seu livro “Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory” (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória). Nessa obra, a historiadora usa o método científico da historiografia para fazer uma análise sobre o Holocausto e comprova que a interpretação de que as “as câmaras de gás nunca funcionaram para exterminar judeus", feita por David Irving, o negacionista, estava errada. Por esse motivo, Irving abriu um processo contra Lipstadt por difamação. A obra de Mick Jackson centraliza a disputa judicial. Nela, David Irving (Timothy Spall) recorre a fatos e processos históricos para encobrir os crimes praticados pelo Nazismo, um comportamento recorrente dos negacionistas, que se difere do ‘revisionismo ideológico’. Esse último não nega consensos factuais, mas busca interpretá-los de forma distorcida e carregada por valores ideológicos [1] — inclusive manipulando fontes e distorcendo recursos metodológicos —, como pode ser visto através das diversas frases e ideias propagadas na internet e alimentadas por figuras importantes para o país sobre a ditadura militar no Brasil, como “ditadura nunca existiu” e “ditadura matou pouco”. Tais declarações são resultado de um revisionismo sem base científica. Essa ideia contraditória também está presente no filme, pois David Irving construiu uma onda de seguidores que acreditavam em suas teorias, mas falhou ao tentar comprovar a sua tese no tribunal. Os discursos negacionistas e a circulação de notícias mentirosas nos mostram algumas das consequências da distância entre a ciência e a sociedade. Um exemplo disso é o ensino de História durante a vida escolar, que, muitas vezes, passa a impressão de que a disciplina é uma grande narrativa de causa e efeito, enquanto em um curso universitário de História, são ensinados os critérios científicos e modo como interpretar documentos, argumentar, criticar e respeitar as fontes. Esse tipo de aprendizagem, somado a uma rede de interação rápida — que é o universo da Internet — leva às armadilhas da disseminação e crença em notícias mentirosas. Em tempos de pandemia de COVID-19, é preciso ter cuidado com os discursos negacionistas, que não são frutos de mentes “inocentes”, mas fazem parte de grandes interesses mercadológicos e internacionais escondidos na máscara da negação. O filme retrata a importância da defesa científica em tempos de negacionismo e revisionistas históricos. Um debate atual que é intensificado no espaço da Internet e gera preocupações para as ciências, pois um dos maiores desafios é trazer essas discussões para além dos muros universitários. Amanda Escobar Costa Graduanda em História (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021. #ciência #ditaduranuncamais #negacionismocientífico Referências bibliográficas: [1] BOECHAT, Jacqueline. Combate ao negacionismo historiográfico confronta o obscurantismo que ameaça a democracia, diz historiador. Fundação Oswaldo Cruz, 2020. Disponível em: . Acesso em 04/10/2020. PIVA, Dal Juliana. Como uma pesquisadora foi parar no tribunal para provar que o holocausto aconteceu. O Globo, 2018. Disponível em: < https://epoca.globo.com/como-uma-pesquisadora-foi-parar-no-tribunal-para-provar-que-holocausto-aconteceu-23086662>. Acesso em 05/10/2020.

  • A indústria alimentícia como obstáculo da preservação ambiental

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, Tilda Swinton, que interpreta a personagem Lucy Mirando, está olhando diretamente para a câmera. Uma mão à esquerda, perto do seu rosto, está indo maquiá-la, enquanto uma mulher atrás, à direita, ajeita seu cabelo. Fonte: https://www.comunidadeculturaearte.com/tilda-swinton-a-netflix-foi-o-unico-estudio-que-aprovou-o-projeto-okja/#. Durante muito tempo, a indústria de peças, os meios de transporte por combustíveis fósseis e a produção de energia foram classificados como os maiores problemas para o aumento de gases do efeito estufa. Entretanto, a pecuária possui um impacto enorme na ocorrência das mudanças climáticas. Além das substâncias liberadas pelo gado, deve-se destacar as queimadas e os desmatamentos. Estes mecanismos têm a intenção de fazer novos espaços campos para criação dos animais, ou para a plantação de seus alimentos. Somado a essa questão, entra o debate ético proposto por movimentos veganos acerca das condições que estes animais são criados, além de indagar se seria necessário matá-los para poder consumir mais carne, pois existem alimentos alternativos suficientes para garantir nossa alimentação. Estreado em 2017, Okja, filme dirigido pelo cineasta sul-coreano Bong Joon-ho, está inserido neste debate. O longa inicia com Lucy Mirando (Tilda Swinton) revelando uma nova descoberta, uma espécie de superporco para ajudar a enfrentar a fome mundial. Filhotes de superporco são dados a fazendeiros por todo o mundo e o melhor seria premiado e apresentado ao público em um grande evento, que se daria dez anos depois de suas doações. É nesse momento que conhecemos a protagonista Mija (An Seo Hyun) e sua superporca e amiga, que se chama Okja, estas convivem juntas desde pequenas. Passados os dez anos, Okja ganha a competição e agora deve ser levada para Nova Iorque. Mija não consegue impedir, partindo de sua casa para tentar recuperar Okja da empresa e da futura morte. É durante este caminho que a garota encontra a Frente pela Libertação Animal, que a ajuda no resgate. Um dos objetivos torna-se evidenciar mundialmente as barbaridades cometidas pela empresa Mirando, esta que pode facilmente representar parte da indústria alimentícia que abate animais para o consumo humano. #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À esquerda, temos a personagem Mija, interpretada por Seo-Hyun Ahn, tocando com a mão direita o rosto de Okja, à direita. As duas estão com os rostos próximos e a imagem amplia o olho da superporca, que parece observar Mija. Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/okja/ Bong Joon-ho preocupa-se em demonstrar de maneira real como seria o abatedouro dos superporcos. As cenas finais conseguem recriar bem um cenário onde o gado fica concentrado, além disso, o filme apresenta realisticamente a crueldade pelas quais passam os animais. O longa, portanto, vai se transformando em uma narrativa que busca questionar as estruturas que orientam nosso consumo de alimentos no cotidiano. Quando vamos ao mercado, dificilmente temos a real dimensão do processo pelo qual originou aquela carne que queremos comprar. Esta distância nos afasta da preocupação de como está sendo o processo de criação destes animais de abate, além dos outros danos ecológicos envolvidos. Alguns estudos têm demonstrado como a pecuária e sua indústria estão sendo responsáveis por emitir ao menos 32 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, chegando a atingir 51% de todas as emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. Estima-se, ainda, que a pecuária também é responsável por 65% de todas as emissões humanas relacionadas com o óxido nitroso, este que é outro gás que contribui enormemente para o efeito estufa, cerca de 296 vezes mais o potencial de aquecimento global representado pelo dióxido de carbono, permanecendo na atmosfera por cerca de 150 anos.[1] Ao assistir Okja, além de se dar conta da importância de construir uma alternativa mais ecológica aos nossos modelos de produção, como promover políticas públicas que facilitem ainda mais o acesso a nossa variedade de alimentos vegetais que podem substituir o consumo da proteína de origem animal, também entendemos a necessidade do nosso atual momento histórico, que pede uma ação rápida ao sofrimento animal e o grande impacto no meio ambiente exercido pela pecuária, como Leonardo Boff ressalta que "a situação atual se encontra, social e ecologicamente, tão degradada que a continuidade da forma de habitar a Terra, de produzir, de distribuir e de consumir, desenvolvida nos últimos séculos, não nos oferece condições de salvar a nossa civilização e, talvez até, a própria espécie humana; daí que imperiosamente se impõe um novo começo, com novos conceitos, novas visões e novos sonhos, não excluídos os instrumentos científicos e técnicos indispensáveis; trata-se sem mais nem menos, de refundar o pacto social entre os humanos e o pacto natural com a natureza e a Mãe Terra."[2] Rafael Bento Graduando em Ciências Sociais (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #Okja #MudançasClimáticas #Veganismo #Pecuária #AquecimentoGlobal Referências bibliográficas [1] CHIAPETA, Marina. Muito além da exploração animal: criação de gado promove consumo de recursos naturais e danos ambientais em escala estratosférica. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/component/content/article/63-meio-ambiente/3908-muito-alem-da-exploracao-animal-criacao-gado-promove-gastos-recursos-naturais-danos-ambientais-em-escala-estratosferica-emissoes-gases-uso-agua-terra-alimento-desmatamento-pastagem-residuos-contaminacao-exploracao-excessiva-fome-pesticidas-pegada.html/ Acesso em: 26 de agosto de 2020. [2] BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

  • A verdade inconveniente do aquecimento global

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À esquerda da imagem, uma projeção em 3D do planeta terra, com os continentes em verde, as partes com gelo em azul claro e o mar em azul escuro. À direita, está o ex vice-presidente do EUA, Al Gore, em pé, vestindo um terno preto e uma camisa social azul clara. As alterações climáticas referem-se à variação do clima em escala regional ou global da Terra ao longo do tempo. Dizem respeito a mudanças de temperatura, precipitação, nebulosidade e outros fenômenos climáticos em comparação aos dados de médias históricas. Com o advento da primeira Revolução Industrial, o processo de mecanização foi massificado em nível global, o que elevou os níveis de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis, dentre eles o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso. Esse aumento faz com que a radiação incidente na terra não saia (visto que parte do calor deve ser dissipado para fora do planeta); então, os gases concentram-se na camada de ozônio, acirrando o fenômeno chamado de efeito estufa e aumentando a temperatura do planeta. Isto causa o evento a que convencionou-se chamar de aquecimento global, que leva ao degelo das calotas polares e ao aumento do nível dos mares, influenciando diretamente no equilíbrio dinâmico da natureza. Levando em consideração o fato de que a arte imita a vida, seja no cinema, na pintura e na literatura, é comum que estas manifestações tragam problemáticas da sociedade, espelhando os problemas existentes na realidade. Isto não seria diferente em relação à influência da industrialização intensiva, do desmatamento e dos impactos de ambos na natureza, especialmente no aquecimento da atmosfera. O documentário Uma verdade inconveniente (2007), dirigido Davis Guggenheim e apresentado pelo ambientalista e ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América Al Gore, retrata de forma realista as consequências do aquecimento global no século XXI, mostrando os mitos e equívocos existentes em torno do tema e também possíveis saídas para que o planeta não passe por uma catástrofe climática. Para isso, Al Gore utiliza um discurso tipicamente informativo, elaborado a partir de palestras realizadas em vários lugares do mundo. O apresentador aborda de maneira precisa como a temperatura do planeta terra se intensifica, tendo como causa os impactos ambientais de ações antrópicas, relativas às que o ser humano vem cometendo contra o próprio meio em que vive. O derretimento das geleiras nas mais diversas partes do planeta, por exemplo, é resultado destas ações - devido ao aumento massivo dos gases do efeito estufa e os impactos climáticos do desmatamento e das queimadas. Embora os dados divulgados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) chamem a atenção sobre a relação intrínseca entre o aumento da temperatura e a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, a ocorrência desses fenômenos vem se intensificando cada vez mais, como é notável pelas enchentes, as secas e os furacões. O sumário executivo do IPCC aponta para a importância de combater o desmatamento, promover recuperação florestal, mudar práticas agrícolas e frear a degradação das terras no mundo inteiro como medidas capazes tanto de combater a mudança do clima quanto de promover a adaptação da sociedade a elas. A redução do desmatamento e da degradação tem o potencial de mitigar até 5,8 bilhões de toneladas de CO2 por ano no mundo. Al Gore aponta diversas catástrofes relacionadas ao aquecimento global, dentre elas o furacão Katrina nos Estados Unidos, as intensas ondas de calor na Europa, as inundações na China e o derretimento das geleiras do Monte Kilimanjaro. O ambientalista ressalta que sempre foi considerada quase impossível a formação de furacões no Atlântico Sul, porém, em 2004, o Brasil foi atingido pelo furacão Catarina. É importante ter em mente que a intenção de Al Gore não é escandalizar e assustar as pessoas ao apresentar estes dados, mas reiterar que o nosso planeta é um recurso finito, embora nosso sistema econômico priorize o lucro em detrimento da natureza. Diante deste cenário, é necessário realizar a mudança de postura, consciência, hábitos e principalmente de produção, a fim de que as empresas adotem um modo de criação mais sustentável. Que isso seja feito enquanto possível, para que não se faça valer o provérbio indígena utilizado como um aviso ao mundo pelo Greenpeace: "Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come.” A chance de mudar o amanhã está no hoje. Karolina da Silva Ávila Graduanda em Geografia (FFLCH/USP) e bolsista do projeto CineGRI 2019/2020. #Sustentabilidade, #Aquecimentoglobal, #Efeitoestufa, #Meioambiente, #conscientização, #Algorenobeldapaz Referências bibliográficas Climate change and IPCC special report on climate change, desertification, land degradation and greenhouse gas fluxes in territorial ecosystems, IPCC, 2019, disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar5/wg1/ Acesso em: 27/08/2020

  • Da questão da moradia à questão social

    "(...) embora individualmente o capitalista lamente a escassez de moradia, dificilmente mexerá um dedo para dissimular mesmo que superficialmente suas consequências mais terríveis, e o capitalista global, o Estado, também não fará mais do que isso" (ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia, p. 100) Fonte: Direito à moradia - FAU/USP #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Imagem do alto mostrando uma enorme quantidade de casas e, mais ao horizonte, diversos prédios e arranha-céus. Quase não há áreas verdes. Leva é o termo que caracteriza um ajuntamento de pessoas e é também o nome do documentário de Juliana Vicente e Luiza Marques [1] que retrata uma ocupação no centro de São Paulo. A obra mostra o ambiente da ocupação, composto por pessoas que, em sua maioria, vieram de outras regiões do país e quando chegaram a São Paulo, se depararam com o ônus excessivo do aluguel. A trama ajuda a compreender o porquê as pessoas ocupam e ao mesmo tempo denuncia o fato de que apesar do número de pessoas sem-teto que vivem nas ruas, há um número ainda maior de imóveis vazios nas grandes metrópoles. O déficit habitacional é um dos indicadores que nos ajuda a ter dimensão da quantidade de pessoas residentes em moradias construídas com materiais não duráveis ou improvisados, ou que vivem em locais que não foram arquitetados com o objetivo de serem habitados por uma família e/ou que possuem um número excessivo de pessoas vivendo em um pequeno espaço. Em suma, nos ajuda a ter uma noção da quantidade de pessoas que não possuem uma moradia “digna”, adequada para viver e ter lazer. Segundo a pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, o Brasil possui um déficit de 7,78 milhões de moradores [2]. Além deste número, conforme alguns dados indicam, temos ainda 4 milhões de famílias em domicílios sem banheiro; 35 milhões vivendo sem acesso a água tratada e 100 milhões sem rede de esgoto. No mais, são cerca de 7 milhões de imóveis vagos, dos quais 6,3 milhões possivelmente teriam condições de serem convertidos em moradia [3]. Para termos uma dimensão estrutural da questão, basta olharmos para o Reino Unido, nascedouro do capitalismo industrial, e veremos que a situação lá não é muito diferente da encontrada aqui no Brasil [4]. O caso do RU é ilustrativo porque representa uma região do primeiro mundo e que possui um quadro semelhante ao do Brasil em relação à questão da moradia. Na verdade, no mundo todo a situação não é das melhores, e uma previsão feita pela ONU mostrou que em 2030 cerca de 3 bilhões de pessoas sofrerão com o déficit habitacional, das quais 2 bilhões estarão em áreas invadidas ou em favelas [5]. Os indicadores de déficit habitacional sobre o cenário atual nos levam a questionar como, para esses milhões, bilhões de pessoas mundo afora, adotar as medidas recomendadas pela OMS, tanto de isolamento social quanto de higienização? Ou, indo na raiz da questão: por que tanta gente sem casa e tanta casa sem gente? Do déficit habitacional, chegamos numa questão um pouco mais ampla, a saber: a questão da moradia. Porém, como interpretar os dados que trouxemos na nossa análise? Um ponto de partida interessante talvez seja as obras do marxista Friedrich Engels (1820-1895): A situação da classe trabalhadora da Inglaterra [6] e Sobre a questão da moradia [7]. Sobretudo nesta última, Engels mostra como a questão da moradia é tratada dentro do sistema capitalista e como as soluções dadas por dentro desse sistema são insuficientes e limitadas pela própria dinâmica que a sociedade capitalista possui de gerar cada vez mais riqueza de um lado, e cada vez mais pobreza e miséria de outro. Mas talvez a contribuição mais importante de Engels esteja na relação que ele estabelece entre a questão da moradia (na qual o déficit habitacional está incluso) e a questão social, isto é, a questão daqueles que produzem a riqueza da sociedade poderem desfrutar dessa riqueza. Conforme Engels, "não é a solução da questão da moradia que leva simultaneamente à solução da questão social, mas é pela solução da questão social, isto é, pela abolição do modo de produção capitalista que se viabiliza concomitantemente a solução da questão da moradia" (grifos nossos, [9]). Rennan Valeriano Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. NOTAS: [1] Leva (Juliana Vicente e Luiza Marques, Brasil, 2012, 55 min) [2] https://www.abrainc.org.br/noticias/2019/01/07/deficit-habitacional-e-recorde-no-pais/ <>. [3] https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/A-pandemia-da-desigualdade-de-olho-num-outro-futuro. <> [4] http://www.labcidade.fau.usp.br/a-crise-de-moradia-no-reino-unido-so-piora/. <>. [5] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1309200521.htm. <>. [6] ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Boitempo, 2008. [7] ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo, Boitempo, 2015. [8] ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo, Boitempo, 2015, p. 71 [9] ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo, Boitempo, 2015, p. 80 #DéficitHabitacional #Marxismo #QuestãoSocial

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