top of page

Busar no CineGRI

122 itens encontrados para ""

  • Quanto Vale ou é por Quilo? CPI da COVID, corrupção e loteamento da vida pelo capital

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: no centro da foto: Nôemia (Ana Lúcia Torres), personagem do filme “Quanto vale ou é por Quilo?” (2005), rodeada de crianças carentes para uma foto de ação de marketing da sua empresa filantrópica Stiner empreendimentos. Fonte: https://tvbrasil.ebc.com.br/cinenacional/episodio/quanto-vale-ou-e-por-quilo Quanto Vale ou é por quilo é um filme dirigido pelo cineasta Sérgio Bianchi, lançado no Brasil no ano de 2005. A obra se constrói a partir de um viés crítico a respeito da lógica de expropriação dos recursos públicos pelo capital privado, protagonizada aqui pela empresa do terceiro setor chamada Stiner empreendimentos, que se utiliza de ações filantrópicas em comunidades carentes para enriquecer. No que tange ao enredo da filmografia, o autor se utiliza de cenas do Brasil colonial, especificamente da lógica de exploração escravista, para fazer um elo de continuidade nos tempos modernos (séc. XXI). Ele pauta uma espécie de “escravidão contemporânea” e mostra que o vilipêndio e a rapina sofridos pela população negra escravizada nos tempos do escravismo colonial ainda existem, agora numa lógica de exploração capitalista que usufrui dos corpos racializados para capitalizar bens públicos por meio das suas “boas ações”. Essa trama do filme pode nos levar a refletir sobre os últimos acontecimentos da política brasileira, sobretudo o escândalo envolvendo o superfaturamento de venda de vacinas por uma empresa do setor privado de medicamentos junto a membros do Ministério da Saúde. Esses fatos vieram à tona devido às investigações da comissão parlamentar de inquérito (CPI) [1], evidenciando ações predatórias do capital, que se utilizam inclusive de práticas como a corrupção e acúmulo de riqueza. Caminhamos rapidamente em direção a quase 600 mil mortes decorrentes da COVID-19 no Brasil, e, apesar do início da vacinação da população, a porta para saída da pandemia que perdura há mais de um ano no mundo todo ainda parece longe. Não bastasse o caráter grave que a própria doença tem, outros fatores sociais, econômicos e políticos colaboraram para que a letalidade da doença no país fosse tão grande. Falta coordenação a nível nacional para o controle da propagação da pandemia e sobra negacionismo científico por parte do governo federal, fazendo com que chegássemos a esse número trágico, e também, que uma comissão parlamentar de inquérito fosse instalada para investigar os supostos, e agora, evidentes crimes cometidos por parte do principal ente federativo da nação. Com o prosseguimento da CPI, descobriu-se que o governo federal realizava negociações a fim de superfaturar vacinas e insumos, engordando o lucro de farmacêuticas e terceiros dentro do Ministério da Saúde, de tal sorte que a mensagem que se anuncia é a seguinte: mesmo com a morte de mais de meio milhão de pessoas, o que deve ser priorizado é o lucro. Com um sorriso digno de filantrópicos, o capital privado dos medicamentos, tal qual na da obra de Sérgio Bianchi, esconde a frase dita em determinado trecho do filme “é a direita faturando em cima da permanência da miséria” e por que não acrescentar "e dos caixões". A corrupção é de fato um ato condenável, porém, não se deve fazer a crítica a essa ação somente por uma concepção moral. A corrupção, como aponta o historiador Benjamin Fogel, é um ato intrinsecamente político (FOGEL, 2021). Portanto, a anticorrupção também deve ser elevada para o campo do político, no qual está relacionada com as outras formas que estruturam nosso modo de produção: direito, economia e Estado. O que se materializa na disposição de corromper, no que tange às estruturas dos bens públicos, é o que o historiador Benjamin Fogel chama de “privatização da vida pública” (FOGEL, 2021). Ora, quando entes representantes do capital se utilizam das máquinas do Estado para acumular riqueza, esse subterfúgio se explica em sua totalidade pela própria característica da fase atual de acumulação do modo de produção capitalista e sua crise estrutural em sua fase neoliberal. “O neoliberalismo não é um desvio da acumulação, mas sua majoração. Formações sociais pós-fordistas (neoliberais) operam formas sociais capitalistas, sendo esta as determinantes daquelas. Qualquer constatação crítica que seja rigorosa cientificamente e fecunda só pode analisar a crise presente, exponenciada pela pandemia, tendo em vista que se trata de crise do capitalismo.” (MASCARO, 2020, p. 10) Assim sendo, a corrupção não seria portanto um desvio, e sim mais uma das engrenagens de acumulação do capital. Tendo isso em vista, as pautas de luta anticorrupção precisam ser incluídas dentro de um projeto de emancipação e superação das estruturas sociais criadas ao longo de mais de 300 anos de escravidão e de mais de 100 anos de uma rearticulação dessas opressões e super explorações que tem a classe, a raça e o gênero como elementos de subsunção dessa lógica de expropriação, como bem nos mostra Bianchi em sua obra. Por fim, resta fazer algumas perguntas: quanto vale a vida de 500 mil pessoas que se foram por uma doença para a qual já existe vacina? Quantos dólares valem o sufocamento de pretos e pretas sem medicamentos para intubação? Quanto vale a perda e a impossibilidade de enlutar entes queridos que perderam a vida nesses quase dois anos de pandemia? Quanto vale... ou é por quilo? Willian Marcos Antonio Silva Graduando em História pela USP Referências bibliográficas e nota: [1] CPI da Covid: Quem é quem no escândalo Covaxin - BBC News Brasil. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2021. ‌CPI da Covid: Quem é quem no escândalo Covaxin - BBC News Brasil. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2021. FOGEL, B. A corrupção é a maior instituição do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2021. MASCARO, Alysson. Crise e Pandemia. São Paulo: Boitempo, 2020.

  • A “mamata” acabou?

    #ParaTodosVerem [FOTOGRAFIA]: Boneco inflável gigante da imagem de Jair Bolsonaro, com a faixa presidencial. Do lado inferior direito há uma bandeira do Brasil, e algum cartaz ilegível. Ao redor desse cenário, há muitas árvores. "Dark Money" é um documentário estadunidense de 2018, dirigido por Kimberly Reed, sobre o grande papel do dinheiro corporativo nas eleições dos Estados Unidos. O filme explora uma decisão judicial no estado de Montana que permitia o livro financiamento de campanhas eleitorais por empresas e as implicações dessa decisão, tal como o privilégio de pessoas com dinheiro nas deliberações políticas, dado que aquele candidato eleito com o patrocínio de uma determinada empresa, durante o seu mandato, seguirá os desejos dessa corporação. No Brasil, a doação de empresas para candidatos é proibida desde 2018, o que não significa que a prática não aconteça. Durante a eleição presidencial de 2018, Jair Bolsonaro, sem partido, declarou 2,5 milhões de reais em doações, entretanto, uma reportagem do jornal Folha de São Paulo mostra que empresas compraram pacotes de disparos em massa de mensagens contendo fake news contra o Partido dos Trabalhadores, legenda do então maior adversário de Bolsonaro, Fernando Haddad, no WhatsApp. Os pacotes chegaram a custar 12 milhões de reais cada. Os valores, além de não terem sido declarados pela equipe de Bolsonaro, são ilegais [1]. Três anos depois, no 2021 pandêmico de Bolsonaro, eleito sob o lema de anticorrupção, mais denúncias surgem. Ao longo da pandemia, o governo federal gastou cerca de 23 milhões de reais com propaganda de tratamento comprovadamente ineficaz para Covid-19, com os medicamentos hidroxicloroquina e ivermectina, o chamado “kit Covid”, cuja movimentação no mercado aumentou 550%, cerca 550 milhões de reais. Entre as empresas que lucraram com o comércio está a Apsen, cujo dono é Ricardo Spallicci, bolsonarista convicto [2]. Mais recentemente, o nome de Bolsonaro também esteve envolvido no escândalo de corrupção nomeado “Rachadinha”, em que assessores de deputados devolviam seus salários aos participantes do esquema, no qual o presidente era responsável pela cobrança dos pagamentos ilegais [3]. Para completar, o governo federal também está envolvido em um plano de superfaturamento na compra de vacinas [4]. O brasileiro que assiste Dark Money (2018), é levado imediatamente à situação política atual, um verdadeiro espetáculo de corrupção. O atual presidente, que se vendeu como um exemplo de transparência e lealdade com o povo, é, na realidade, aliado de grandes corporações e visa apenas o próprio benefício. O filme, apesar de documental, poderia se confundir sem problemas com um suspense jornalístico e sua denúncia nunca esteve tão atual. #CORRUPÇÃO #POLÍTICA #EMPRESAS #BOLSONARO #CLOROQUINA Mariana Ramos Graduanda em Ciências Sociais (FFLCH – USP) e bolsista do Projeto CineGRI. Referências bibliográficas: [1] Quem financia e quanto custa a campanha de Bolsonaro no WhatsApp?. Carta Capital, 2018. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/empresarios-bancaram-campanha-anti-pt-pelo-whatsapp-diz-jornal/ Acesso em: 09.07.2021. [2] GUSSEN, Ana. O que há por trás do lobby de Bolsonaro pelo uso da cloroquina. Carta Capital, 2021. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/o-que-ha-por-tras-do-lobby-de-bolsonaro-pelo-uso-da-cloroquina/ Acesso em: 09.07.2021. [3] Corrupção provada: áudios mostram que Bolsonaro é o 01 do Rachadão. Site do PT, 2021. Disponível em: https://www.pt.org.br/corrupcao-provada-audios-mostram-que-bolsonaro-e-o-01-do-rachadao/ Acesso em: 09.07.2021. [4] "Estamos há dois anos e meio sem corrupção", afirma Bolsonaro. Correio Braziliense, 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4936260-estamos-ha-dois-anos-e-meio-sem-corrupcao-afirma-bolsonaro.html Acesso em: 09.07.2021

  • Confissões de um Capitão de Polícia...

    #Pracegover [FOTOGRAFIA]: Cena do Filme. Dois homens estão no terraço de um prédio. Ao fundo, prédios em construção, um guindaste, o céu cinzento e nublado. Um deles, em terno preto, ao centro olhando para o horizonte com as mãos nos bolsos, outro à direita, também em terno preto, olhando para baixo. Fonte: . “Um dia você vai abrir a torneira e a água correrá vermelha”, o capitão de polícia Bonavia (Martim Balsam) alerta o promotor de justiça Traini (Franco Nero). Os dois estão na cobertura de um prédio, rodeados por vários empreendimentos em construção que o prefeito da cidade se orgulha de estarem sendo levantados em sua gestão. Mas o progresso vem a alto custo; há uma rede de corrupção que envolve a máfia, empreiteiros, políticos (inclusive o prefeito) e oficiais envolvidos nessas construções. Depois de várias tentativas de indiciar os envolvidos e ver seus esforços minados, Bonavia decide que o caminho da lei não é suficiente para fazer justiça e resolve agir por conta própria, por meios escusos. Esse poderia ser um relato real, familiar, mas é o enredo do filme “Confissões de um Capitão de Polícia ao Procurador da República” (Dir. Damiano Damiani, 1971). A Itália e o Brasil são parecidos no aspecto político. Ambos são marcados pelo clientelismo e corrupção. Em ambos, a máquina do Estado foi se tornando cada vez maior para atender aos interesses dos quadros dos partidos e de seus aliados, gerando ainda mais incentivos para que outros atores buscassem lucrar por meio do Estado, seja por atividades rentistas ou pela própria corrupção, ao invés de investir energia e recursos em atividades produtivas que de fato promovam o progresso, a melhoria da vida das pessoas. O cinema de gênero italiano soube captar bem esses problemas em filmes que retratavam histórias de violência policial, crime, corrupção e decadência política, produções chamadas Poliziotteschi, muito populares nas décadas de 1960 e 1970. Em “Confissões de...”, Triani entende os perigos da busca por justiça a qualquer custo. Ao mesmo tempo, sua devoção à lei chega a ser paroquial, como quando declara que: “como homem da lei, não posso criticá-la, apenas aplicá-la”. Mas quando as evidências se tornam inquestionáveis, Triani se depara com uma difícil verdade: os agentes da justiça e da lei, e os políticos que foram eleitos para atender ao povo, usam o sistema para atenderem aos seus próprios interesses. Mais do que isso, é o próprio sistema político que cria os incentivos para a corrupção. Como impedi-la se é o próprio sistema político que faz com que seja quase impossível, mesmo para aquele mais honesto, florescer e prosperar sem troca de favores e sem certo clientelismo? Como impedir a corrupção policial se é o próprio sistema policial que posiciona alguns indivíduos como sendo “acima de qualquer suspeita” e outros, geralmente os mais vulneráveis, como culpados a priori? Damiani, o diretor de “Confissões de...” não oferece uma resposta a nenhuma dessas perguntas. Seu retrato da corrupção é frio e desanimador, pois embora Triani se mantenha fiel à lei e prometa se empenhar na busca por justiça, ele está praticamente sozinho. Ao mesmo tempo, sabe que se dobrar à justiça para fazer justiça ele pode se tornar aquilo que busca combater, e sua vitória seria pírrica; no mundo real, seria como a vitória da Operação Mãos Limpas na Itália ou da Operação Lava-Jato no Brasil. Ambas foram gigantescas, tiveram sucessos, revelaram casos de corrupção... e ambas definharam, seus heróis caíram e seus frutos amargaram. Podemos argumentar que Bonavia, assim como Sérgio Moro e Antonio Di Pietro no mundo real, buscavam justiça e construir uma sociedade em que a corrupção, que de fato custa vidas, não se torne a regra, mas seus meios foram tanto inadequados quanto ineficientes porque, além de questionáveis do ponto de vista legal, não tocam nos incentivos políticos e institucionais que alimentam a corrupção. Não apreendem questões estruturais e institucionais que fazem com que a corrupção seja o caminho mais fácil, mesmo para aqueles que não gostariam de se sujeitar a essa prática. Apontar a história dessas instituições e os incentivos que elas geram é a tarefa de todos aqueles preocupados não apenas com o combate à corrupção, mas também com a justiça social no sentido amplo. [NOTA] Agradeço a Caio Motta pela sugestão do filme. Laura Pimentel Barbosa, doutoranda em Ciência Política pela USP, Bacharel em Relações Internacionais pela Unesp e Mestre em Ciências Sociais pela mesma universidade. #corrupção #lava-jato #instituições #justiça Referências bibliográficas: Confessione di un commissario di polizia al procuratore della repubblica (Bra: Confissões de um Capitão de Polícia ao Procurador da República), Dir. Damiano Damiani, 1971. Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto (Bra: Investigações sobre um cidadão acima de qualquer suspeita), Dir. Elio Petri, 1970. Os intocáveis. Revista Piauí, [2016.]. Disponível em: . Acesso em: 7 jul. 2021.

  • Collective: quanto lucra um Estado com a imperícia?

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Ao centro, uma mulher com queimaduras na pele realiza uma performance com um pano cobrindo o corpo, em um ambiente repleto de fumaça. Imagem feita por Alexander Nanau. Fonte: https://personaunesp.com.br/colectiv-critica/ O documentário romênio Collective, de 2017, dirigido por Alexander Nanau, foi uma das produções de cunho político mais bem aceitas nos circuitos de cinema dos últimos anos. Ambientado na própria Romênia, a equipe por trás do projeto procura entrevistar todas as pessoas envolvidas no incêndio ocorrido na boate “Colectiv”, em 2015. Em decorrência deste incêndio, faleceram 27 pessoas e 180 ficaram feridas, porém, curiosamente, um número significativo de pessoas faleceram nos dias que seguiram o ocorrido nos hospitais, desencadeando uma investigação extra-oficial sobre o motivo dessas mortes inesperadas. A narrativa nos mostra que, em um esquema encoberto pelo governo de Bucareste, onde ficava a boate, os hospitais públicos operavam com produtos de formação química totalmente inapropriados para o consumo hospitalar, principalmente na área de higienização. Devido às fragilidades e exposições graças às queimaduras, os sobreviventes dos incêndios que permaneciam nesses hospitais contraíram bactérias fortes que resultaram em casos graves encobertos pelo palco político da época. É claro como esse acontecimento nos parece familiar, se pensarmos no ocorrido da boate Kiss, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 2013, mas as infelizes semelhanças não param por aí. No contexto da boate “Colectiv”, descobrimos que o governo financiava alterações nos produtos de limpeza, lucrando com esses atos de imperícia relacionados à vida pública e acabando com as vidas de dezenas de jovens. Não muito distante, a realidade brasileira reproduz a arte documentada. Atualmente, no Brasil, a frente de investigação sobre desregulamentação no tratamento da epidemia de coronavírus lida com diversas hipóteses em que o governo federal lucrou, assim como o de Bucareste, com o sistema de saúde até então universal. A compra superfaturada de vacinas, a possibilidade de propina em cima de cada dose e a desregularidade programada para oferecê-las à população são nossas marcas nacionais de imperícia. Com a constatação dessas realidades muito opostas ao que se espera de um Estado democrático, resta pensar sobre quais aspectos as unidades de poder deste mesmo Estado estão oferecendo para a sua nação com a intenção de lucro próprio e não visando a qualidade de vida do seu público eleitor. Citando um outro documentário de cunho político direto, Democracia em Vertigem (Petra Costa, 2019) apresenta o cenário brasileiro como uma malha de relações interessadas em coisas além do bem-estar do indivíduo brasileiro. Ambos os documentários citados aqui ganharam visibilidade na imprensa e em circuitos de cinema, realizando no gênero documentário uma denúncia mundial sobre governos que nunca estiveram a par do que se imagina uma democracia. É importante ressaltar que a realização destes documentários só foi possível graças à existência de uma imprensa livre e que, embora recorrentemente atacada, pôde operar em busca de uma verdade por trás dos modos como o Estado apresenta a sua própria realidade. A exemplo do livro 1984, de George Orwell, no qual a imprensa só funciona para propagar ideias de interesse partidário, os meios de comunicação dos governos atuais atuam com uma falsa realidade, e só podemos confrontá-los com o jornalismo livre, defendendo a realização de investigações e opiniões fundamentadas em pesquisas. No documentário Collective, um dos entrevistados diz: "Quando a imprensa se curva às autoridades, as autoridades maltratam os cidadãos. Isso sempre aconteceu, em todo o mundo, e aconteceu conosco." Assim, a presença de documentários políticos que denunciam um circuito político, apesar da pressão hostil de seus governantes aos artistas, se mostra como forma alternativa de denúncias contemporâneas às irregularidades. A realização desta livre imprensa não só tem sido benéfica para atrair a atenção em larga escala para irregularidades governamentais, como também explicita o funcionamento dos governos “democráticos” que agem a partir de interesses muito particulares de um grupo pequeno e privilegiado de indivíduos que lucram com a irregularidade na saúde pública e o bem-estar do cidadão comum. #documentário #corrupção #CPI #colectiv #Collective Guilherme Cavalcante, estudante de Letras na Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Além de redator, é poeta e ensaísta, tendo publicado no último mês na revista Philia- UFRGS (https://seer.ufrgs.br/philia/article/view/109662) e na revista de arte Caxangá (https://revistacaxanga.files.wordpress.com/2021/07/caxanga-v3-n1.pdf). Referências Bibliográficas: Entenda a CPI da Covid e seus poderes e veja lista de senadores que compõem a comissão. Folha1, 2021. Disponível em: Documentário romeno ‘Collective’ revela descoberta de amplo sistema de corrupção. Isto É, 2021. Disponível em:

  • Filhos dos Massacres

    #PraCegoVer [Fotografia]: A fotografia mostra um centro comercial totalmente destruído após um bombardeio. Muitos destroços da construção estão espalhados pelo chão. O documentário "Filhos dos Massacres" (Mahmoud Kim, 2015), disponibilizado pela Al Jazeera Documentaries em 2015, um canal de documentários e filmes pan-árabes, mostra depoimentos de sobreviventes palestinos de alguns dos inúmeros massacres ocorridos nas décadas de 70, 80 e 90. Esses depoimentos trazem as tristes vivências pessoais de cada um dos entrevistados, descritas por imagens e situações que sofreram ao longo dos massacres promovidos por exércitos sionistas - movimento político que defende a autodeterminação dos povos judaicos e a criação de um Estado nacional independente onde existiu o antigo Reino de Israel - e que mudaram para sempre as vidas dos que sobreviveram. Abordando principalmente os massacres de Tal Al-Zaatar e Sabra e Chatila, ocorridos na região do Líbano contra refugiados palestinos, eles contam como perderam seus entes queridos e pessoas próximas, além de explicar como funcionavam os cercos. Para entender melhor o contexto dos massacres, é necessários termos um panorama geral do conflito entre Israel e Palestina. Durante o domínio Britânico na região da Palestina - causado pela dissolução do Império Otomano após sua derrota na Primeira Guerra Mundial, no ano de 1921, culminando em um mandato administrativo dos territórios palestinos delegado à Grã-Bretanha pela Liga das Nações - nas décadas de 20, 30 e 40, milhares de judeus migraram para a região da Palestina por conta do movimento político sionista que crescera ao longo da 1GM. Porém, após o Holocausto no ano de 45 e a criação do Estado Israelense no ano de 48 (após o fim do mandato britânico), a população judaica cresceu exponencialmente na região. Assim, todo o histórico de tensão entre os povos e a ocupação israelense na região culminou na Guerra dos Seis Dias (1967), considerada uma grande derrota ao povo árabe, tendo em vista que toda a superioridade militar de Israel foi convertida em território (Sinai e Cisjordânia). Desse modo, assentamentos israelenses, considerados ilegais pela ONU, foram construídos nas regiões ocupadas. Verdadeiros bairros judaicos protegidos por cercas e pelo exército de Israel acabaram restringindo a liberdade de movimento e desapropriando terras, que pertenciam antes aos habitantes palestinos. Por conta disso, em resposta à imposição de Israel dentro do território palestino, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) lançou diversas operações militares contra as forças armadas israelenses, desencadeando conflitos e massacres para ambos os lados, como a Guerra do Líbano em 1982 e os Massacres Sabra e Chatila (1982) e Tel al-Zaatar (1976), relatados no documentário. Tel AL-Zaatar (1976) Refugiados que deixaram a Palestina em 1948 em direção ao Líbano montaram um campo de refugiados para sobrevivência, com uma vida tranquila e simples ao norte de Beirute. Em resposta ao ataque em Damour promovido pela OPL, o exército sionista montou um cerco que durou 52 dias e é considerado como uma das piores páginas da Guerra Civil Libanesa, pois um grande extermínio de civis palestinos aconteceu. Sabra e Chatila (1982) As forças israelenses montaram um cerco em Sabra e Chatila, bloqueando a saída de moradores nos campos palestinos de Sabra, localizados no Sul de Beirute. É considerada como uma retaliação ao assassinato do Presidente Bachir Gemayel, que considerava os refugiados como população excedente do Líbano. O massacre foi condenado pela ONU como um ato de genocídio. É evidente que os diversos conflitos e massacres promovidos desde o início das tensões entre os dois lados da história são problemas persistentes até os dias atuais e estão longe de chegar ao fim, tendo em vista que mesmo com momentos de cessar-fogo entre as partes, basta uma pequena fagulha para reacender a guerra, que demonstra força armamentista muito maior para o Estado de Israel. Isso eleva constantemente o número de mortos e desalojados, principalmente para a população de palestinos, que busca sua legitimidade enquanto Estado da Palestina e a libertação do controle militar de Israel. Lucas Moreira Pinto Aluno de Sistemas de Informação (EACH-USP) e bolsista do CineGRI Ciclo 2020/2021 #Gaza #Israel #Palestina #Filme #ConflitoIsraelPalestina Referências Bibliográficas: Conflito entre Israel e palestinos: o que está acontecendo e mais 5 perguntas sobre a onda de violência. BBC, 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57149552 . Acesso em: Seis de Junho de 2021. ALZOUBI, Ahmad. Filhos dos Massacres. Monitor do Oriente, 2020. Disponível em: https://www.monitordooriente.com/20200915-filhos-dos-massacres/. Acesso em: Vinte de Junho de 2021. ALFARRA, Jehan. Relembrando a entrega de ‘uma Palestina, completa’. Monitor do Oriente, 2020. Disponível em: https://www.monitordooriente.com/20200630-relembrando-a-entrega-de-uma-palestina-completa/. Acesso em: Vinte de Junho de 2021. ALTMAN, Max. Hoje na História: 1982 - Massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila. Opera Mundi Uol, 2013. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/historia/31231/hoje-na-historia-1982-massacre-nos-campos-de-refugiados-palestinos-de-sabra-e-chatila/. Acesso em: Vinte de Junho de 2021. Massacre de Tel al-Zaatar. Google Arts and Culture. Disponível em: https://artsandculture.google.com/entity/m09880l?hl=pt/. Acesso em: Vinte de Junho de 2021.

  • Testemunhos de uma guerra

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Foto em preto e branco de uma criança com uma tiara na cabeça, olhando através de um buraco de tiro em uma vidraça. Fotografía de Jesús Abad Colorado. Fonte: https://www.prensa.com/mundo/lente-esperanza-jesus-abad-fotografia-colombia-periodismo_0_4586541323.html Disputas pela terra acontecem pelo mundo todo. A luta pelo direito à manutenção da vida através da subsistência contra o agronegócio sempre existiu, mas se intensificou a partir da Revolução Verde, que inicialmente foi pensada para acabar com a fome no mundo, através de insumos e da introdução da tecnologia no meio rural, aumentando a produtividade e visando menores perdas na safra. Enquanto muitos produtores rurais, em grande parte agricultores familiares, utilizam a terra para sobreviver com suas produções, os latifundiários almejam uma produção intensiva e extensiva da terra, com lucros exorbitantes e condições de trabalho exploratórias. Nesse cenário de luta pela posse da terra, na década de 1960, as forças militares colombianas passam a agir contra a população rural, em defesa dos interesses dos donos de terra. Assim, surgem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma guerrilha fundada por campesinos, de orientação marxista-leninista e anti-imperialista, que através da luta armada combate grandes empresários e políticos colombianos. #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Foto em preto e branco, do fotógrafo Jesús Abad Colorado, intitulada Matrimonio de Beatriz y Oscar Granada. Na foto temos uma mulher vestida de branco com um véu longo entrando em uma igreja, ao lado da entrada tem uma placa escrita em espanhol: La guerra, la perdemos todos ayudemos todos a construir un proceso de paz. (Na guerra, todos perdemos, vamos todos ajudar a construir um processo de paz” - tradução livre). Fonte: https://aldianews.com/es/articles/culture/las-fotografias-son-pulsaciones-del-alma-la-obra-de-jesus-abad-colorado/55706 O fotógrafo Jesús Abad Colorado, no filme Testemunha de um Conflito (El Testigo, 2018), nos conta a história dos Conflitos na Colômbia através de suas fotografias, revisitando sobreviventes de uma guerra que dura mais de 60 anos. A história de Jesús Abad, como a da maioria dos colombianos, também é marcada pela violência: teve parentes sequestrados e assassinados tanto pelas forças revolucionárias quanto pelo próprio Exército. A maioria das fotografias de Colorado são em preto em branco, em respeito à memória e à história das pessoas retratadas. Uma das personagens de suas fotos que Colorado encontra durante o longa é a jovem Camila que, motivada pela vingança, se juntou às FARC após seu pai ser morto. Cami, que ainda criança se tornou guerrilheira, ao ser questionada se apoia o processo de pacificação do país, se mostra totalmente a favor. Aos poucos as FARC foram perdendo o apoio popular devido a diversas mortes de civis, cerca de 180 mil mortos, resultado de atentados e confrontos com o exército colombiano. Após inúmeras tentativas de Acordos de Paz entre o Estado e as FARC, que passou a se chamar Força Alternativa Revolucionária do Comum, em 2016 foi firmado o fim do confronto. O Acordo conta com diversas obrigações de ambas partes e o então presidente Juan Manuel Santos ganhou um Nobel da Paz pela iniciativa, porém o governo não cumpriu parte de suas promessas, levando à morte de muitos ex-guerrilheiros. Com isso, parte das FARC voltaram à luta armada. A esse tenso cenário se acrescenta mais um conflito, que estourou durante a pandemia de COVID-19 e revela um movimento de um governo que não sabe dialogar com seu povo. Após uma tentativa de reforma tributária que visava diminuir os impactos econômicos do fechamento do comércio e a manutenção dos privilégios das classes altas, uma série de protestos estourou por toda Colômbia. O Presidente Ivan Duque voltou atrás com a proposta, mas devido à repressão extremamente violenta que fez dezenas de vítimas, as manifestações continuam, revelando que a insatisfação popular vai além desse problema. Assim, o povo, apesar do risco de contrair COVID-19, têm ido às ruas reivindicar seus direitos e, mesmo após anos de luta, segue sem previsão de paz. Gabriela Bucalo Estudante de Geografia e bolsista CineGRI #ConflitosnaColombia #FARC #JesúsAbadColorado #AméricaLatina Referências bibliográficas: ANGEL,Flor Mizrachi. El lente de la esperanza de Jesús Abad. Disponível em: Acesso em:12 de junho de 2021. BBC. Who are the Farc? Disponível em: Acesso em:12 de junho de 2021. CHAGAS, Rodrigo. Por que parte das Farc decidiu voltar à luta armada apesar de acordo de paz? Disponível em: Acesso em:12 de junho de 2021. LUÍSA, Maria. As FARC e o governo colombiano: entre a guerra e a paz. Disponível em: Acesso em: 12 de junho de 2021. QUESADA, Juan Diego. Um mês de protestos e mais de 50 mortos. A que se deve o mal-estar na Colômbia? Disponível em: Acesso em: 16 de junho de 2021.

  • Entre a justiça e o necrotério

    #PraCegoVer: Fotografia de um homem segurando um cartaz marrom escrito com tinta amarela, azul e vermelha (cores da bandeira da Colômbia), a seguinte frase: “Si un pueblo protesta y marcha en medio de una pandemia, es porque su gobierno es mas peligroso que el virus”. Em português: “Se um povo protesta e marcha em meio a uma pandemia, é porque seu governo é mais perigoso que o vírus” (tradução livre). Ao fundo, há muitos manifestantes. Fonte: https://pt.org.br/na-colombia-populacao-reage-nas-ruas-a-exploracao-neoliberal/ O mês de maio de 2021 foi marcado por manifestações na Colômbia. A apresentação de um projeto de reforma tributária do atual presidente Iván Duque ao Congresso foi o estopim para protestantes irem às ruas reivindicar essa ação. No entanto, eles foram recebidos com forte repressão da parte do governo, com muitos mortos e desaparecidos. Para entender a gravidade desta problemática, é de suma importância saber o que é a reforma tributária. A reforma tributária é uma reforma político-econômica que visa à mudança da estrutura legislativa de cobrança de impostos, taxas e outras contribuições vigentes em uma nação, de modo que o sistema de tributação se modernize para que sejam corrigidos problemas de natureza econômica e social. Os impostos sugeridos pelo governo de Iván Duque foram justificados sob o pretexto de "salvar" a economia do país dos efeitos da crise histórica, intensificada pela pandemia do coronavírus. Porém, a população mais pobre é quem de fato sofre os efeitos da taxação. Por isso, na tentativa de evitar esta ação, milhares de manifestantes foram às ruas pressionar o governo e acabaram fortemente reprimidos, como apresentam os dados abaixo: Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/05/28/colombia-completa-1-mes-de-paralisacao-nacional-com-60-mortos-e-120-desaparecidos Os tipos de repressões são diversas e possuem uma alta taxa quando são cometidas por policiais, pois, de 60 assassinatos, 43 “provavelmente” foram efetuados por esses. A partir daí, surge o questionamento sobre o servir e proteger que um PM deve oferecer à sociedade, pois as manifestações nas ruas que vêm ocorrendo nos últimos anos são fortemente reprimidas por quem na verdade está mais próximo de desamparar e espancar e, como consequência, tem-se números alarmantes de assassinatos não somente na Colômbia, mas em diversos países latino-americanos. A repressão em manifestação também ocorreu no mês de maio no Brasil. Um homem (que não participava do protesto), foi atingido no olho por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar de Pernambuco durante o protesto contra o presidente Bolsonaro, no Centro do Recife. A dor do luto da guerra civil da Colômbia é retratada no documentário da plataforma Netflix, “Testemunha de um conflito” (Kate Horne, 2018). A perda de muitas pessoas que até hoje não foram encontradas e identificadas, além de depoimentos de familiares que ainda não superaram a perda são retratados na obra. A guerra civil colombiana presente no documentário ocorreu entre 1948 e 1958, e agora, nas manifestações de 2021, muitas famílias partilham do mesmo sentimento da perda. É cabível dizer que as pessoas assassinadas possuíam majoritariamente o mesmo perfil socioeconômico de origem mais humilde. Afinal, a luta pela democracia está na mesma linha da justiça e da bala perdida que sempre encontra os mesmos corpos? O presidente do país desistiu da proposta, mas o preço pago foi de 60 vidas. Pâmela Vitória Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI. #Manifestação #Protesto #Colômbia #Políciais #Vítimas #Assassinatos Referências bibliográficas: HOFFMANN, Gleisi. Na Colômbia, população reage nas ruas à exploração neoliberal. https://pt.org.br/na-colombia-populacao-reage-nas-ruas-a-exploracao-neoliberal/ (Acesso: 11/06/2021) LARA, Rafaela. Colômbia: Entenda a crise e os motivos dos protestos nas ruas. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/05/06/colombia-entenda-a-crise-e-os-motivos-dos-protestos-nas-ruas (Acesso: 11/06/2021) DE MELLO, Michele. Colômbia completa 1 mês de paralisação nacional com 60 mortos e 120 desaparecidos. https://www.brasildefato.com.br/2021/05/28/colombia-completa-1-mes-de-paralisacao-nacional-com-60-mortos-e-120-desaparecidos (Acesso: 11/06/2021)

  • ‘5 câmeras quebradas’ e o retrato de um massacre

    #PraCegoVer [Fotografia]: cinco crianças estão uma ao lado da outra, em uma janela. A terceira segura uma bandeira da Palestina em haste. Ao redor da janela vemos uma uma parede bege, marcada por diversos furos de arma de fogo. Fonte: https://vermelho.org.br/2019/04/04/palestina-sangue-e-resistencia/ Gaza, 15 de maio de 2021. Um bombardeio do exército israelense mata oito crianças e duas mulheres, todos da mesma família. As vítimas se encontravam no interior de suas residências, no campo de refugiados de Al-Shati. A tragédia descrita é apenas a amostra de um conflito sangrento que atinge milhares de cidadãos palestinos todos os anos. A luta pelo controle do território Palestino tem um longo histórico conflituoso. Parte das disputas surgiram a partir da criação do estado de Israel, no ano de 1948, após a primeira guerra mundial. A fundação da nação fez com que os palestinos fossem obrigados a se abrigar nas regiões da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Desde então, intensos embates diplomáticos, políticos e econômicos foram travados. Ainda que a independência da Palestina tenha sido conquistada em 1988, alguns países, como Estados Unidos e Israel, seguem sem reconhecer a legitimidade do Estado. As constantes anexações de Israel sobre o território palestino, através das construções de assentamentos ilegais, geram reações contrárias por parte da comunidade internacional. A Organização das Nações Unidas, a União Europeia e até mesmo a Corte Suprema de Israel já atestaram a ilegalidade desta prática que fere inúmeros direitos básicos universais, sobretudo, por seu violento caráter imperialista. Entretanto, nenhuma medida ou sanção importante foi aplicada e famílias palestinas seguem tendo todos os seus direitos humanos absolutamente violados. O documentário “5 Câmeras Quebradas” (Emad Burnat e Guy Davidi) aborda muitas dessas questões, contando a história de Emad, palestino de Bil’in, na região da Cisjordânia, que em 2005 compra uma câmera para registrar o crescimento de seu filho, Gibreel. O início das gravações coincide com a construção de uma barreira entre o vilarejo e um assentamento de colonos judeus, fato que dá início a uma escalada de tensões e conflitos com o exército israelense. A capacidade que Emad tem de registrar com perfeição e riqueza de detalhes todo o contexto de disputas faz com que sejamos transportados para o centro dos conflitos. Os abusos e violência do exército de Israel são todos evidenciados, ainda que, por diversas vezes, a própria integridade física do diretor seja ameaçada. Todas as cinco câmeras utilizadas ao longo da produção são destruídas por tiros, bombas e ataques sofridos em protestos. Prisões arbitrárias, abuso de poder, torturas e assassinatos de civis mostram que a lei e a justiça não são conceitos importantes para Israel quando se trata da relação com a Palestina. Em meio a todo o caos e destruição, podemos acompanhar o crescimento do pequeno Gibreel. O sentimento de impotência de um pai que observa a infância de seu filho ser absolutamente roubada pela dureza de um conflito interminável comove e desperta indignação. Nem mesmo as crianças são poupadas pela fúria da violência constante. O assassinato de jovens civis inocentes atestam a urgência de uma intervenção que seja capaz de parar esse massacre promovido por Israel. Um relatório publicado em abril de 2021 pela Human Rights Watch, organização internacional de defesa dos direitos humanos, afirmou que o controle militar de Israel sobre a Palestina pode levar a uma situação similar ao apartheid, regime de segregação promovido por anos na África do Sul. É fundamental que os posicionamentos diplomáticos que condenam a violência de estado israelense se tornem ações práticas para garantia dos direitos humanos fundamentais palestinos. Os conflitos entre Israel e Hamas não podem mais ceifar tantas vidas inocentes. É indispensável desconstruir o discurso predominantemente disseminado de que estamos presenciando um embate igualmente letal entre ambas as nações. Essa falsa simetria dificulta o debate e constrói uma narrativa parcial, que distorce os fatos. Reconhecer a legitimidade do estado Palestino e garantir a independência de suas terras é um passo essencial para cessar os conflitos e resguardadar o direito fundamental à vida. Yan Carvalho - Ciências Sociais (FFLCH/USP) #palestina #resistencia #gaza #israel #luta Referências Bibliográficas: Bombardeio israelense mata 8 crianças e 2 mulheres da mesma família em Gaza. Disponível em: . Acesso em: 01 de junho de 2021. BALBINO, Leda. Por que tantas crianças e jovens morrem nos conflitos entre Israel e Hamas? Disponível em: . Acesso em: 01 de junho de 2021. Comissária da ONU afirma que anexações de Israel são ilegais. Disponível em: . Acesso em: 01 de junho de 2021. Israel comete ‘apartheid’ contra palestinos, aponta Human Rights Watch. Disponível em: . Acesso em: 01 de junho de 2021.

  • Eles matam mulheres

    #PraCegoVer [Ilustração]: A ilustração minimalista mostra 5 mulheres (uma menina (criança), três mulheres adultas e uma senhora) lado a lado se apoiando com os braços, como uma forma de união ou apoio. Fonte: https://www.ifad.org/documents/38714174/41498996/gender_violence_story.jpg/0238 73a5-a466-34fa-4c4e-17a1a9088182?t=1606236260000 O documentário Eles Matam Mulheres, produzido e distribuído pela TV Cultura, tem um grande papel ao romper o silêncio e estabelecer uma importante discussão acerca do tema: Violência contra Mulheres. A produção é direcionada a mostrar os quase 40 anos de luta em prol da vida das mulheres a partir das histórias de 13 delas. Além disso, traz destaque para alguns dos casos que mais chocaram a população brasileira, veiculados nas grandes mídias, como os de Eliza Samúdio e Mércia Nakashima, mulheres que tiveram suas vidas arrancadas pelos agressores. Antes de mais nada, para estabelecermos questionamentos a respeito desse tema, é importante contextualizar e destacar que sociedades modernas foram construídas com base na estrutura patriarcal, ou seja, homens fazem a manutenção do poder primário e predominam em funções de liderança, além de serem vistos como a figura de autoridade dentro das famílias. Então, o Brasil não está distante dessa realidade machista que é completamente enraizada na nossa cultura. O combate a essa estrutura, a fim de que mulheres tenham direitos básicos, sempre foi um processo longo e muito difícil, pois absurdos eram legislados pelo Código Civil. Um grande exemplo disso está no Código Civil de 1916, no qual mulheres casadas só podiam trabalhar fora se o marido permitisse, além de que essa autorização poderia ser revogada a qualquer momento. Então, se as mulheres não tinham nem o direito básico ao trabalho, conseguir liberdade para falar sobre suas vontades, necessidades e escolhas foi ainda mais complicado. Assim, a construção social de muitas mulheres, até os dias atuais - desde pequenas são induzidas à romantização por grandes obras cinematográficas e literárias -, parte do princípio de que sua "missão de vida", muitas vezes atrelada à religião, consiste em ter filhos, cuidar do marido e lutar pelo seu casamento, enquanto se tem a ideia de que o homem é o detentor da renda financeira da família e deve buscar trabalho. Com isso, a mulher passa a ser considerada uma propriedade pelo marido, perdendo sua voz, sua autonomia e sendo inferiorizada. Muitas vezes, é a partir desse ponto que se inicia a violência, apresentada em diferentes formas. “Por que as mulheres e meninas não enxergam a violência? Porque se associa violência com agressão física, soco no olho, mas na verdade a violência é um caminho de se controlar, isolar e dominar uma mulher. Esses atos de controle são percebidos como se fosse um cuidado, um gesto de amor.” Eles Matam Mulheres (Vanessa Lorenzini, 2020) O ciclo da violência Estudando comportamentos agressivos dentro dos relacionamentos amorosos, mesmo que esses apresentem singularidades e múltiplas formas de opressão, a psicóloga norte-americana Lerone Walker observou padrões entre as agressões cometidas e um ciclo que se repetia constantemente e o definiu como O ciclo da violência, dividido em 3 Fases: Fase 1 – Aumento da Tensão O agressor começa a ficar tenso e irritado com qualquer situação, qualquer coisa o incomoda. Inferioriza a vítima e a humilha, fazendo ameaças e possivelmente destruindo objetos. A vítima tenta “acalmar” o agressor mudando seu comportamento para não provocá-lo de alguma forma. Muitas vezes, a vítima nega que está passando por essa situação pois ninguém quer falar para as pessoas que conhece que passa por um relacionamento abusivo. Fase 2 – Ato de violência Aqui, o agressor explode, não consegue mais se controlar e chega ao ato definitivo de violência. Há uma materialização de toda a tensão acumulada na Fase 1. A mulher, mesmo sabendo que está passando por um problema, muitas vezes não tem reação e fica impossibilitada de agir. Ela pode tomar decisões a respeito do agressor, acaba se afastando mas não o larga definitivamente. Fase 3 – Arrependimento e Comportamento Carinhoso O agressor se arrepende do que fez e volta a ser amável para uma possível reconciliação do casal. A mulher abre mão dos seus direitos e recursos por considerar que o parceiro vai mudar de comportamento. Por fim, o ciclo é retomado para a Fase 1. Muitas vezes, mulheres só saem desse ciclo quando são mortas pelo agressor. A Lei Maria da Penha O documentário apresenta uma entrevista exclusiva com Maria da Penha contando sua luta após ser vítima de uma dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros, seu marido na época. Infelizmente, sua luta apenas se iniciava, pois na época do crime não existia nem uma Delegacia da Mulher no país. Além disso, mesmo o agressor sendo sentenciado a 15 anos de prisão em seu primeiro julgamento no ano de 1991, saiu em liberdade do fórum após solicitações da defesa. Após o acontecimento, Maria da Penha continuou lutando por justiça e em 1996 um segundo julgamento foi realizado, porém seu ex-marido não cumpriu a pena por alegações de irregularidades processuais. Então, depois de ganhar notoriedade internacional e intervenções de um grande movimento legislativo, o Estado foi responsabilizado por negligência e tolerância à violência contra a mulher, em relação ao seu gênero. Assim, uma grande conquista para os direitos das mulheres no Brasil surgia, tendo em vista que muitas vezes as agressões que ficavam entre quatro paredes começaram a serem mostradas para a sociedade, órgãos públicos e entidades de defesa e apoio, fazendo com que aquela mulher que sofria dentro do ciclo de violência conseguisse se livrar do seu agressor. O fato de sofrer agressão em razão de seu gênero ganhou espaço na luta por direitos, inclusive com a alteração do código penal para a lei do Feminicídio em 2015. Sendo assim, é possível identificar que o Brasil conquistou como nação uma legislação avançada, que tem um poder enorme para salvar as vidas das mulheres que correm perigo, mas infelizmente o nível de impunidade é bastante alto, tendo em vista a quantidade de casos televisionados diariamente nos quais os autores dos crimes têm penas brandas ou muitas vezes não são nem condenados. A violência contra as mulheres é um problema enraizado na nossa história e precisa ser combatido com mais atenção desde a infância, invertendo os valores consumados pela estrutura social entre meninos e meninas, para que haja uma saída de valorização e liberdade das mulheres. Lucas Moreira Pinto Aluno de Sistemas de Informação (EACH-USP) e bolsista do CineGRI Ciclo 2020/2021 #RomperOSilencio #ElesMatamMulheres #ONUMulheres #SOSMulheres #Denuncie Referências Bibliográficas: Ciclo da Violência. Instituto Maria da Penha. Disponível em: . Acesso em: 19 de Maio de 2021. CUNHA, Ana. Cinco Fatos Sobre Direitos das Mulheres no Brasil. Aos Fatos, 2019. Disponível em: . Acesso em: 19 de Maio de 2021. TV Cultura apresenta documentário sobre feminicídio com casos de Eliza Samudio e Mércia Nakashima. Cultura Uol, 2020. Disponível em: Acesso em: 19 de Maio de 2021.

  • “Bela Vingança” e a cultura do estupro

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Mulher loira deitada em uma cama olhando diretamente para a câmera, veste uma camisa desabotoada e um blazer preto, é possível ver seu sutiã. Fonte: https://www.minhavisaodocinema.com.br/2021/03/critica-bela-vinganca-2020-de-emerald.html Em fevereiro de 2012, cinco mulheres foram estupradas por dez homens na Paraíba [1]. Em maio de 2015, quatro adolescentes foram estupradas por cinco homens [2]. Em maio de 2016, uma jovem de dezesseis anos foi estuprada por trinta e três homens no Rio de Janeiro [3] Em dezembro de 2018, Mariana Ferrer foi estuprada por um homem em Santa Catarina [4]. Com frequência, noticiários brasileiros divulgam estupros contra mulheres e adolescentes, relatam a crueldade dos agressores e a recorrente impunidade dos crimes. Essa realidade pode gerar um sentimento de revolta e desejo por vingança. Cassie (Carrey Mulligan) em “Bela Vingança” (2020, Emerald Fennell) é a personalização desse sentimento. Cassie era amiga de Nina, uma universitária que foi estuprada em uma festa por seu colega de turma e se suicidou após o responsável ter sido absolvido. A trama do filme gira em torno do plano vingativo de Cassie: atrair homens potencialmente abusadores enquanto finge estar bebâda. Os alvos perpassam diferentes “tipos” de homens: aqueles assumidamente machistas, aqueles que se consideram oprimidos pelo padrão de beleza da sociedade e excluídos e aqueles autointitulados “caras legais”. O que todos possuem em comum? Todos reproduzem a chamada “cultura do estupro”, isto é, reforçam com suas ações e pensamentos a ideia de que a violência sexual contra a mulher é causada pelas circunstâncias nas quais a vítima de encontrava (suas roupas, o lugar em que estava, as pessoas com quem estava). Em outras palavras, esses homens continuamente banalizam o crime, culpam a vítima e diminuem ou anulam a responsabilidade do agressor. Então, a mensagem de “Bela Vingança” é que todos os homens são inerentemente maus? Longe disso, o longa-metragem mostra também esse mesmo discurso sendo propagado por mulheres e expõe como a cultura do estupro está presente na sociedade como um todo e não apenas nas atitudes masculinas. Na mesma linha de pensamento vingativo de Cassie, em 2013, o então deputado Jair Bolsonaro apresentou um projeto de lei que propunha a castração química como punição a estupradores [5]. No entanto, mesmo que sexualmente impotentes, o estupro não é impossibilitado, dado que órgão sexual não é única forma de cometer o delito. Ainda, o “tratamento” proposto não diminui libido ou o pensamento dos agressores. A raiz da cultura do estupro está na educação que ensina aos homens que mulheres são frágeis e suas inferiores e não no desejo sexual. Ao decorrer do filme, o plano de Cassie se dirige diretamente aos responsáveis pelo estupro contra sua amiga e o telespectador acompanha o crescimento da expectativa do encontro da tão esperada “justiça”. Essa catarse nunca é entregue ao público e o que resta é a frustração e o dever de procurar formas de destruir aquilo que causou o estupro e não aqueles que o fizeram. Mariana Ramos Graduanda em Ciências Sociais (FFLCH – USP) e bolsista do Projeto CineGRI. #CulturaDoEstupro #BelaVingança #Justiça #Machismo Referências bibliográficas: [1] MONTEIRO, Isabella. Estupro coletivo e assassinatos em Queimadas. Compromisso e atitude, 2014. Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/estupro-coletivo-e-assassinatos-em-queimadas/ Acesso em: 15.05.2021 [2] BRANDINO, Jéssica. Estupros coletivos e feminicídio: O Caso de Castelo do Piauí. Compromisso e atitude, 2015. Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/estupros-coletivos-e-feminicidio-o-caso-de-castelo-do-piaui/ Acesso em: 15.05.2021 [3] Menina estuprada por 33 homens no Rio agradece apoio: 'Não dói o útero e sim a alma'. Correio 24 Horas, 2016. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/menina-estuprada-por-33-homens-no-rio-agradece-apoio-nao-doi-o-utero-e-sim-a-alma/ Acesso em: 15.05.2021 [4] BARDELLA, Ana. Mari Ferrer: entenda a cronologia do caso, a denúncia e a sentença. UOL, 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/11/10/caso-mari-ferrer.htm Acesso em: 15.05.2021 [5] MARQUES, Maria. A castração química impede estupradores? Entenda como o tratamento funciona. UOL, 2016. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2016/06/17/a-castracao-quimica-impede-estupradores-entenda-como-o-processo-funciona.htm Acesso em: 15.05.2021

  • Olhos que condenam do norte ao sul da América

    No dia 20 de abril, o ex-policial Derek Chauvin foi condenado pela morte de George Floyd. [1] A notícia movimentou as redes sociais e, entre comemorações e posts falando sobre justiça, um debate se destacou: o que essa prisão realmente significa para o sistema racista que motivou a morte de Floyd? Serão as prisões a solução? A discussão não é nova. Abolicionistas penais analisam a questão desde 1970, chamando atenção para o grande crescimento do número de presos atrelado ao lucro das empresas que estão à frente de prisões privadas, os vários casos de condenações incorretas, a cor e nacionalidade dos detentos, dentre outros tópicos que podem ser lidos na matéria “O que defendem os abolicionistas penais”, do Portal Geledés. [2] Os Estados Unidos e o Brasil são centrais nessa análise. Ambos ocupam o primeiro e terceiro lugar, respectivamente, na lista de países com mais presos no mundo. Dos 812 mil presos brasileiros, 63% declaram ser negros. [3] Já entre os estadunidenses, ambas raça e etnia são fatores relevantes – negros e latinos são 30% da população do país e representam 60% da população carcerária. [4] #PraCegoVer [Fotografia]: Na foto, há cinco jovens em uma sala branca com três bancos cinzas e duas janelas que não abrem (há somente vidro). Um jovem negro está encostado na parede e olhando para baixo; outro está em pé no fundo da sala, também olhando para baixo. Três estão sentados, um em cada banco – o primeiro olha para o colega encostado na parede; o segundo está de costas, olhando para a parede; o último está inclinado, olhando para o chão. A “maior democracia do mundo” chama atenção não apenas pelos 2 milhões de presos, mas pela situação na qual são colocados, muitas vezes vítimas de um sistema judiciário falho. Sem direito à defesa e a um julgamento justo, dezenas de homens são culpados por crimes que não cometeram. A série “Olhos que condenam” (Ava DuVernay, 2019) retrata isso. Na narrativa baseada na história real dos Cinco do Central Park, cinco jovens são coagidos a assumirem a culpa pelo estupro de uma mulher branca. No caso real, seis foram indiciados – quatro afro-americanos e dois latino-americanos. Cinco foram condenados a passar entre 10 e 15 anos na prisão por um crime que não cometeram; o sexto réu foi condenado por crimes menores e ficou menos tempo encarcerado. Casos como esse não são raros nos Estados Unidos, que não apenas prende e condena injustamente negros e latinos, mas também os mata. A pena de morte existe em alguns lugares do país e é aplicada de tal forma que, por falta de drogas de injeções letais, a Câmara Estadual da Carolina do Norte aprovou um projeto de lei que permite a volta do pelotão de fuzilamento para cumprir essas penas. [5] Ledell Lee é um dos homens que foi condenado à morte nos EUA. Durante 22 anos ele afirmou que era inocente no assassinato de uma mulher de 26 anos, entretanto, em 2017, foi morto com o uso de drogas letais. Algumas semanas atrás, em maio de 2021, um teste de DNA – que havia sido recusado quando o réu ainda estava vivo – foi realizado na arma do crime e provou que o material genético era de outro homem. Lee era inocente. [6] Essa realidade pode parecer distante ao brasileiro em um primeiro momento, entretanto, não o é. Inspirado na série Olhos que condenam, o Jornal da Cultura realizou uma série de reportagens chamada “Os Olhos que Condenam no Brasil”, contando a história de homens que cumpriram pena por crimes que não cometeram e desenvolveram traumas por conta disso, mostrando que nosso sistema judiciário também está contaminado pelo racismo e por práticas condenatórias que nada resolvem. É aí que entram os abolicionistas, como o professor Luciano Goés, ao defender que “o direito penal não serve como instrumento para impedir crimes”. [7] A prisão não diminui o número de ocorrências e enquanto isso não for compreendido, insistiremos no erro. Ambas as sociedades estadunidenses e brasileiras são punitivistas e racistas, o que se reflete nas políticas públicas de encarceramento adotadas. É necessário debater quem lucra com esse encarceramento, especialmente tendo em vista que prisões privadas estadunidenses movimentam aproximadamente 5 bilhões de dólares ao ano. [8] É necessário debater nossas práticas de punição corporal. É necessário debater o que é “justiça” e como ela é aplicada em cada caso – o que uma pessoa que teve seu celular furtado quer? O que uma mãe que perdeu seu filho quer? É necessário sair da bolha de conservadorismo acerca do tema e começar a repensar práticas que até hoje não funcionam e são utilizadas para incriminar inocentes em sua maioria pobres, negros, amarelos e latinos. O abolicionismo penal já existe para quem pode pagar e para quem nunca é visto pela sociedade como criminoso. Julia Salazar Estudante de Letras na FFLCH e bolsista no CineGRI ciclo 2020-2021. #encarceramento #prisões #sistemajudiciáriobrasileiro #sistemajudiciárioestadunidense #olhosquecondenam Referências Bibliográficas: [1] MANZANO, F; VIDIGAL, L. Júri declara ex-policial Derek Chauvin culpado pela morte de George Floyd. Disponível em: Acesso em: 17 de maio de 2021. [2] Pelo fim do sistema criminal: entenda o que defendem os abolicionistas penais. Disponível em: Acesso em: 18 de maio de 2021. [3] Pelo fim do sistema criminal: entenda o que defendem os abolicionistas penais. Disponível em: Acesso em: 18 de maio de 2021. [4] Examining race and mass incarceration in the United States. Disponível em: < https://hbswk.hbs.edu/item/cold-call-examining-race-and-mass-incarceration-in-the-united-states> Acesso em: 18 de maio de 2021. [5] Estado americano quer volta do pelotão de fuzilamento para condenados à morte. Disponível em: . Acesso em: 17 de maio de 2021. [6] 4 Years After an Execution, a Different Man’s DNA Is Found on the Murder Weapon. Disponível em: Acesso em 18 de maio de 2021. [7] Pelo fim do sistema criminal: entenda o que defendem os abolicionistas penais. Disponível em: Acesso em: 18 de maio de 2021. [8] Nos EUA, penitenciárias privadas estão lucrando mesmo com a queda de detentos. Disponível em: Acesso em: 18 de maio de 2021.

  • Livre pra Poder Voar

    Podem prender nosso corpo, jamais nosso pensamento (LIVRES, 2017) #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A foto retrata uma cena da série Irmandade (2019), dirigida por Pedro Morelli. Ao centro, o personagem Edson (Seu Jorge) se encontra de braços cruzados. Ele veste uma calça bege e está sem camisa. Ao seu redor, diversos detentos levantam o braço com o punho cerrado. No fundo da imagem, é possível observar uma parte das celas do presídio. Fonte: https://kondzilla.com/m/a-serie-irmandade-retrata-a-guerra-vivida-dentro-do-sistema-penitenciario-brasileiro Segundo o dicionário, “irmandade” significa parentesco entre irmãos, união ou intimidade fraternal. Na série Irmandade (2019), entretanto, o termo adquire uma nova simbologia ao designar uma facção em ascensão. Dirigido por Pedro Morelli, o seriado relata a história da advogada Cristina Ferreira (Naruna Costa), a qual descobre que seu irmão Edson (Seu Jorge) está preso e lidera uma facção. Após uma tentativa falha de ajudá-lo, Cristina acaba sendo coagida pela polícia a se infiltrar na Irmandade e revelar o seu funcionamento. Além da qualidade da produção, Irmandade (2019) também se destaca por oferecer um panorama do sistema prisional brasileiro. Embora seja ambientada em São Paulo nos anos 1990, a denúncia de violação aos direitos humanos em presídios e penitenciárias permanece muito relevante na atualidade. O estado do Pará, por exemplo, vivencia uma situação dramática nos últimos anos. Em julho de 2019, uma rebelião no Centro de Recuperação Regional de Altamira (PA) resultou na morte de 62 pessoas, tornando-se o segundo episódio de violência com maior número de mortes em presídios brasileiros, atrás apenas do massacre do Carandiru em 1992. Segundo denúncias de órgãos fiscalizadores e ativistas dos direitos humanos, a repressão e a humilhação só aumentaram nas prisões paraenses após essa revolta. Ao redor do estado, são registrados casos de tortura, agressão verbal, espancamento, corte de remédios e alimentos. Portanto, a atual crise carcerária exige uma discussão sobre direitos humanos e falhas da justiça brasileira. Entre os diversos problemas enfrentados pelos indivíduos privados de liberdade, encontra-se a superlotação das celas. De acordo com a 14ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o total de pessoas encarceradas sofreu uma variação de 224,5% entre 2000 e 2019. Essa grande evolução da população prisional veio acompanhada por uma escassez no número de vagas: em 2019, o déficit chegava a 312 925 vagas (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2020). Em virtude dessa situação, detentos precisam cumprir suas penas em celas que excedem a capacidade máxima de lotação, o que impacta diretamente o bem-estar desses indivíduos. No atual contexto de emergência sanitária, esses ambientes se tornaram propícios para a disseminação do vírus da covid-19, por causa da grande aglomeração de pessoas e da ventilação escassa. Portanto, além das diversas complicações trazidas pela superlotação, os internos ainda precisam lidar com o risco de contágio do SARS-Cov-2. Além disso, a pandemia dificulta o contato entre detentos e seus familiares, o que abre margem ao agravamento da violência dentro dos presídios. Um outro fator importante se refere à questão racial. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020), indivíduos negros [1] compunham cerca de 67% da população prisional brasileira em 2019. O encarceramento proporcionalmente maior de pessoas negras está atrelado ao racismo presente na sociedade e às políticas de extermínio do Estado. Segundo o filósofo camaronês Achille Mbembe, “[...] a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer” (MBEMBE, 2016, p. 123, grifo nosso). Segundo essa perspectiva, algumas vidas são mais valorosas do que outras e – portanto – as agressões impostas a pessoas em situação de vulnerabilidade se tornam socialmente “toleráveis”. Consequentemente, grupos sociais privilegiados não apresentam incentivos para promover o desencarceramento de indivíduos negros. Seria exaustivo listar todas as falhas do sistema prisional brasileiro em um único texto. Entretanto, é possível afirmar que elas afetam um aspecto essencial do cumprimento de pena: a ressocialização. Após a reinserção na vida social, os indivíduos precisam lidar com a falta de assistência do Estado e com o preconceito. Além disso, os traumas psicológicos sofridos durante o período de reclusão têm impactos duradouros. Nesse sentido, a arte pode ajudar nesse processo de transição. Por meio do docudrama Livres (2017), por exemplo, ex-detentos utilizam a arte como instrumento de denúncia. Dirigido por Patrick Granja, o filme retrata a realidade das cadeias brasileiras sob o ponto de vista daqueles que passaram pelo sistema. Além disso, a história do ator Leonardo Campos se apresenta como outro exemplo positivo do papel transformador da arte. Poucos meses após ser liberado da Penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos, Leonardo foi escalado para fazer o personagem Lindão na série Sintonia (2019), dos criadores KondZilla, Guilherme Quintella e Felipe Braga. Essa oportunidade proporcionou novas perspectivas para o artista, amenizando (ao menos em parte) as adversidades da vida após a prisão. Dessa forma, é possível concluir que o sistema prisional brasileiro tem muito a evoluir. Primordialmente, os indivíduos privados de liberdade devem ter seus direitos respeitados como qualquer outro cidadão brasileiro. Antes que esse propósito seja alcançado, debates otimistas sobre os possíveis sentidos para o cárcere no Brasil se tornam indispensáveis. Júlia Cristina Buzzi Graduanda em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020/2021. #DireitosHumanos #SistemaPrisional #CriseCarcerária #Irmandade Notas e referências bibliográficas [1] Considera os valores informados para presos de cor negra e parda. AMADO, Guilherme. Peritos federais relatam tortura em prisões no Pará sob intervenção do Ministério da Justiça. Revista Época, 2019. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. ANDRADE, Paula. O encarceramento tem cor, diz especialista. Agência CNJ de Notícias, 2020. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. BARBOSA, Catarina. Após série de denúncias de tortura, Justiça proíbe OAB de entrar em presídios do Pará. Brasil de Fato, 2019. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. BARBOSA, Catarina. Um ano do massacre de Altamira: denúncias de tortura e presídios sem fiscalização. Brasil de Fato, 2020. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. BARROS, Betina Warmling; SANTOS, Amanda Laysi Pimentel dos. As prisões no Brasil: espaços cada vez mais destinados à população negra do país. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo, ano 14, p. 306-307, 2020. Anual. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. FERREIRA, Gabriela. Novos talentos contam como foi participar de “Sintonia”. Kondzilla, 2019. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2021. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 14. ed. São Paulo, 2020. 332 p. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, v. 32, p. 123-151, dez. 2016. Tradução de Renata Santini. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021. NASCIMENTO, Caio; TUCHLINSKI, Camila. ‘O teatro salvou a minha vida’, diz ex-detento que atuou em ‘Sintonia’. Estadão, 2019. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2021. POTTER, Hyury. Moro diz que não há tortura em presídios no Pará. Presas obrigadas a sentar em formigueiro discordam. The Intercept Brasil, 2019. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2021.

bottom of page