top of page

Busar no CineGRI

122 itens encontrados para ""

  • Construir a Leva: Ocupar enquanto dever

    Fonte: Ponte Jornalismo #ParaCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, há uma criança em movimento à frente de uma faixa branca segurada por uma mulher com os dizeres “Não ao despejo da Mauá. Justiça Já!”. Ao fundo, barracas pretas completam o cenário. A drástica situação habitacional do Brasil é um fenômeno facilmente perceptível por qualquer olhar mais atento que observa as periferias e os grandes centros urbanos brasileiros. Desde o século XIX, com o curso do par industrialização/urbanização, a questão tem sido um reflexo - e um agravador - das desigualdades sociais, raciais e espaciais do país, se materializando, principalmente, na convivência nada harmoniosa entre os assentos habitacionais precários e as construções luxuosas das regiões abastadas. A importância do tema pode ser vislumbrada pela estatística: apenas na cidade de São Paulo, segundo dados da FGV e da ABRAINC (2018) [1], o déficit habitacional chega a 1,8 milhão de domicílios, sendo que, no centro da capital, há mais edifícios abandonados do que famílias sem-teto. Essa realidade não é exclusiva do Brasil, como nos mostra o documentário Push (2019), dirigido pelo cineasta sueco Fredrik Gertten. O problema é comum em todo o globo, incluindo naqueles países denominados ‘desenvolvidos’ - abstraindo-se aqui toda a problemática do termo - como EUA, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Japão, Suécia e França. Apresentado por Leilane Farha, uma relatora canadense de direito à moradia da ONU, Push denuncia a prática de táticas rentistas de multinacionais bilionárias para a extorsão de dinheiro de propriedades. O trabalho de Gertten mostra que aliadas à lavagem de dinheiro e relações corruptas com governos nacionais, essas táticas destróem comunidades locais tradicionais a partir de execuções hipotecárias responsáveis pela compra de propriedades baratas que, posteriormente, são vendidas por preços muito mais caros. É nesse sentido que espaços reservados para a moradia são transformados em ações de investimento. Como consequência, casas, loteamentos e apartamentos luxuosos no seio das áreas de maior valor social das cidades permanecem desocupados, enquanto o número de desabrigados aumenta. De caráter ainda mais perverso, no caso brasileiro, o próprio Estado tem contribuído e alimentado a manutenção e ampliação desse nefasto abismo social. Enquanto o poder público municipal ignora reiteradamente as noções estabelecidas pelo Plano Diretor e pelo Estatuto da Cidade, como no caso de São Paulo, a violência policial é utilizada como instrumento repressor de destruição da articulação popular e democrática das ocupações Ao mesmo tempo, o judiciário zela pela perpetuação da desigualdade ao se posicionar, via de regra, pelo despejo e pela invasão, autorizando o uso da força do Estado e vulnerabilizando, ainda mais, o ocupante. É exatamente nesse contexto que emerge Leva (2011), documentário dirigido pela dupla Juliana Vicente e Luiza Marques. Ao tecer uma rede de histórias múltiplas e comoventes sobre trajetórias que explanam a realidade urbana paulistana e brasileira, a obra descortina uma das maiores ocupações urbanas da América Latina e torna visível ao grande público uma poderosa e interessante rede coletiva de luta por dignidade e sobrevivência. O documentário, nessa esteira, se debruça sobre os processos decisórios que baseiam a articulação dos três grupos envolvidos na ocupação - FLM, MSTC e MMRC, os quais se manifestam como uma representação genuína da democracia verdadeiramente popular. Indo além, Vicente e Marques voltam um olhar delicado para demonstrar o senso de coletividade que emerge das paredes do Edifício Mauá. Os múltiplos relatos evidenciam a capacidade de transformação dos envolvidos não apenas enquanto coletivo ou leva, mas, também, na sua própria individualidade. A emancipação feminina (e feminista), a justiça social e a revolta perante a desigualdade socioespacial são temas que aparecem, em um primeiro momento, refletidos na conscientização individual para, em um segundo momento, fundamentar uma construção coletiva do movimento. Leva demonstra como o fazer político é capaz de conscientizar os envolvidos. A partir das imagens e dos relatos, percebe-se que a práxis cotidiano evoca aquilo que objetiva o movimento: uma organização social verdadeiramente igualitária, justa, popular e democrática para a (re)construção daquilo que se entende como direito à cidade. Ademais, Leva também tem uma função didática. A partir de uma linguagem simples, os tocantes e humanizados relatos ajudam a quebrar estereótipos preconceituosos sobre as ocupações impregnados no imaginário popular, estabelecendo um discurso muito coeso de defesa ao direito (ou dever) de se ocupar os espaços sem função social. Mais do que isso, Leva avança no debate, entendendo a luta das ocupações não apenas como um movimento de moradia, mas um movimento político de conscientização e transformação do espaço urbano e, consequentemente, de transformação de vidas. Moradia não se resume à propriedade física. O direito à moradia digna deve incluir o acesso aos serviços de segurança, saúde, transporte, lazer, cultura e educação, a convivência comunitária e a vida familiar. Moradia é apenas o primeiro passo, uma base fundamental para a dignidade, para todos os outros direitos. Leva é o sonho por uma outra cidade: justa, democrática e igualitária. Sonho este que não é apenas paulistano, brasileiro ou latino-americano. A ocupação do Edifício Mauá, assim como vários outras ao redor do mundo, é um exemplo a ser replicado e defendido por todos aqueles que defendem uma cidade mais humana e menos desigual. Em tempos tão caóticos como o que vivemos durante a pandemia do COVID-19, torna-se ainda mais urgente a defesa intransigente do direito à moradia digna e da democratização do espaço urbano. Não se pode, em nenhuma hipótese, esquecer-se do fundamental: Enquanto morar for um privilégio, ocupar não é apenas direito, é dever. Matheus Miranda Monteiro Graduando em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI ciclo 2019-2020. Referências: [1] Relatório completo disponível em: Breda, Tadeu. Por dentro do quotidiano dos sem-teto. Outras Palavras. 2012. Monteiro, A. Veras, Antonio. A questão habitacional no Brasil. Mercator, vol.16. Fortaleza, 2017. Nascimento, D. Braga, R. Déficit habitacional: um problema a ser resolvido ou uma lição a ser aprendida?. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. EESC-USP. 2009. #movimentosocial #ocupaçõesurbanas #desigualdade #direitoacidade #moradia

  • Bruce Lee vs. Romênia: a luta por sobrevivência abaixo das ruas de Bucareste

    Fonte: Cineuropa.org #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem mostra um túnel com o homem conhecido como Bruce Lee encostado ao fundo, olhando para a câmera. O túnel é cercado por objetos domésticos, como colchões, micro-ondas, rádios, ventiladores, todos de forma desordenada. Há apenas uma lâmpada ao fundo, logo atrás de Bruce Lee, que ilumina o túnel. O que há de comum entre o ator Bruce Lee e a existência de crianças que vivem nos túneis subterrâneos de Bucareste? Absolutamente nada, além do nome que o conhecido ator asiático compartilha com o líder dessas crianças. O tema parece confuso, não? E é assim que o espectador se sente no início do filme Bruce Lee e o Fora-da-Lei (Bruce Lee and The Outlaw, 2018) do diretor e fotógrafo holandês Joost Vandebrug. Um excruciante documentário que revela a realidade de crianças em situação de rua em Bucareste, capital da Romênia, através de uma narrativa não-linear que confunde os desavisados, mas que faz sentido na construção do quebra-cabeça que o filme se propõe a ser na mesma medida que trata sobre a questão habitacional na Romênia – uma das mais problemáticas da Europa. Bruce Lee, famosa personalidade das ruas de Bucareste, é remanescente de orfanatos do final da década de 1980 – após o fim do regime comunista no país, os orfanatos foram desapropriados, deixando milhares de crianças sem lar – e acolheu algumas crianças na mesma situação, indo morar nos túneis subterrâneos com canos aquecidos, construídos para a calefação de moradias. Sujeitos do filme e não meros objetos de observação do diretor, essas crianças são conhecidas como “The Lost Boys” (Os Garotos Perdidos) e foram acompanhados por Vandebrug durante sete anos, gerando o documentário. Em paralelo à questão habitacional, o filme também explora a relação de paternidade construída entre Bruce Lee e o garoto Nicu (cujo apelido é o “Fora-da-Lei” adotado no título). Apesar de pouco desenvolver o historicismo que levou a essa situação, o filme faz um retrato fiel e cru da realidade dos túneis. Nicu, que ao final do filme tem dezessete anos, ainda tinha a aparência de um garoto de dez, revelando as precárias condições ao qual viveu com o passar dos anos. Contudo, as crianças não são os únicos presentes nesse espaço subterrâneo, como revela o próprio Bruce Lee: só nos túneis comandados por ele há pelo menos setenta pessoas sem moradias fixas. A precária vivência subterrânea evidencia graves problemas sociais da Romênia e questiona-se: país membro da União Europeia desde 2007 e com crescente Índice de Desenvolvimento Humano, que problemática justifica o massivo déficit habitacional do qual Nicu também é proveniente? Quando fazia parte da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a Romênia sob o regime comunista nacionalizou moradias e as direcionou para o uso dos trabalhadores estatais. Contudo, como eles se mudavam constantemente devido à demanda de trabalho, pessoas mais pobres – principalmente ciganos – se mudaram legalmente para os prédios no centro da cidade. Os ciganos (vulgo roma/romani), como o maior grupo de minoria étnica no país, têm grandes dificuldades de encontrar empregos, por estigma social e quando encontram, são de baixa renda. O fim do regime em 1989 trouxe consigo a problemática da restituição de posse dessas moradias aos donos originais, já que agora não pertenceriam mais ao Estado e teriam valor comercial no mercado. Diferente de outros países do leste europeu que lidaram com a mesma questão, o governo romeno não ofereceu indenizações, apenas o direito de reintegração das moradias, causando o despejo dessas inúmeras famílias que ali moravam. De acordo com Zamfirescu (2015), o governo tem cinco anos para realocar essas famílias, no entanto, a fila de espera para habitações sociais passam de 10 anos, o que impossibilita o acolhimento nesses lugares. Ademais, o mercado residencial na Romênia tem os valores mais altos da Europa e após a crise de 2008, a situação piorou. A agenda neoliberal também causou inúmeros despejos provenientes de reformas do governo na cidade – número elevado com a entrada do país na União Europeia em 2007, pois os fundos do bloco econômico incentivou o boom de reformas arquitetônicas na cidade para responder a um padrão de capital europeia. Isso diz respeito a uma estratégia e projeto de longa-duração de higienização da cidade disfarçado como uma proposta de desenvolvimento urbano. Depois da crise imobiliária de 2008, o porcentual de romenos que sofrem com privação residencial é de 28,6%, comparado com uma taxa de 6% de todo o restante da Europa, denotando a discrepância entre a quantidade de pessoas que não tem moradia no país e o restante do continente [1]. E o que acontece com essa população durante a pandemia de covid-19, que teve seu primeiro caso no país em fevereiro de 2020? O governo aprovou multas às pessoas que não respeitassem o lockdown levando até à prisão, dependendo da gravidade do caso. Contudo, isso não pode se aplicar a população em situação de rua. Para eles, foram montados abrigos provisórios, contudo a distribuição de máscaras, artigos de higiene e alimentos ainda ficou atribuído às ONGs que já os assistiam, com baixo apoio governamental. Alina Constantin, moradora dos túneis, denunciou em entrevista ao jornal France 24 [2] o abandono por parte do governo, que os invisibiliza diante das necessidades da sociedade civil. Além disso, como mostrado no documentário, eles sofrem represálias pela população, que preconceituosamente os veem como ameaça, o que se intensificou com o vírus – como potenciais transmissores, há relatos de expulsões sofridas de dentro dos transportes públicos. Bruce Lee revela o seu sonho de comprar um hotel abandonado para que todas as pessoas dos túneis possam ter melhores condições de vida. Nicu, graças a Raluca – assistente social de uma ONG – é levado a um antigo abrigo de animais, moradia adaptada para algumas crianças, depois que sai do hospital, onde passou três meses desenganado de uma pneumonia, agravada pelo garoto ser soropositivo sem tratamento. Afinal, sobra a dúvida: quando o governo romeno – que reflete o de outros lugares – enxergará “Os Garotos Perdidos” como cidadãos-sujeitos fora do estigma social das baixas condições de sobrevivência da rua e os concederá direito à dignidade? Larissa Karoline Oliveira Graduanda em História (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #documentário #bucareste #bruceleeandtheoutlaw #direitoàmoradia #despejo Referências Bibliográficas [1] VRABIESCU, Ioana. Evictions and voluntary returns in Barcelona and Bucharest: practices of metropolitan governance. Intersections. EEJSP 2(1): 199-218. [2] Corona virus crisis hits Romania’s invisible homeless. Revista France 24. Disponível em: . Acesso em: 01. Jul. 2020. SHORT, John Rennie. The Unequal City: Urban Resurgence, Displacement and the Making of Inequality in Global Cities. Londres: Routledge, 2017. LANCIONE, Michele. Revitalising the uncanny: challenging inertia in the struggle against forced evictions. Environment and Planning D: Society and Space 0(0), 2017, pp. 1-21. DOI: 10.1177/0263775817701731. ZAMFIRESCU, Irina Maria. Housing eviction, displacement and the missing social housing of Bucharest. Calitatea Vietii, XXVI, nr. 2, 2015, p. 140–154. Bruce Lee and the Outlaw. Disponível em: . Acesso em 26 abr. 2020. The Lost Boy Found - WayBack Machine - Internet Archive. https://web.archive.org/web/20150509172555/http://joostvandebrug.com/index.php/project/essay/ Acesso em 26 abr. 2020. Joost Vandebrug: ‘Bruce Lee and The Outlaw’ was my life - an interview with the director. Disponível em: . Acesso em 25 abr. 2020.

  • Habitar é um direito, viver depende disso

    Fonte: El País #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem mostra uma rua de frente para uma passarela com um arco grande, nessa rua há uma van ao fundo e dois homens andando na frente da imagem. Na rua que passa sob a passarela, ao fundo da imagem passa um ônibus e há cerca de oito pessoas espalhadas em diferentes partes da rua ao fundo da imagem. Atrás da passarela é possível ver um morro coberto por vegetação do lado esquerdo e um edifício alto do lado direito. A poesia urbana que narra o longa-metragem argentino Medianeras: Buenos Aires na era do amor Virtual (TARETTO, 2011) comenta sobre a falta de critérios estéticos em Buenos Aires quando o assunto é a construção de novos edifícios na cidade. Nas grandes metrópoles brasileiras a situação não é diferente, no Rio de Janeiro, por exemplo, acontece algo parecido. Na capital fluminense, diversos edifícios violaram o ‘skyline’(linha do horizonte) e ultrapassaram a altura permitida por lei, sobrepondo-se à natureza da cidade, ocultando do campo de visão das pessoas as belas paisagens que definem a cidade como maravilhosa. No entanto, pouco ou nada se fala sobre esses prédios quando o assunto é reforma urbana. Na verdade o que sempre esteve em mira do poder público foram as favelas, a pobreza sempre foi um grande empecilho estético para a cidade. Contudo, o que não é considerado quando se fala dessas políticas urbanas, é que as favelas expressam na verdade o problema urgente do déficit habitacional das grandes cidades. No Rio de Janeiro, a favelização teve início após as inúmeras tentativas de destruição dos cortiços onde habitavam 25% da população do então Distrito Federal, no fim do século XIX. Na gestão de Barata Ribeiro (1892-1893), os argumentos eram de os cortiços representavam a síntese do crime e da falta de higiene. Já em fins da década de 1920, não longe desse discurso, Alfred Agache, arquiteto contratado para fazer a reestruturação urbana da cidade, fez referência às favelas como sendo povoadas por uma população variável e avessa à higiene. Ou seja, apesar de as favelas e habitações coletivas representarem a problemática da falta de habitação adequada para a população pobre, elas nunca foram vistas como de fato um problema em si, mas sim uma ameaça ao restante da população. Encarando o problema dessa forma, não é de se surpreender que as favelas aumentassem na capital: em 1960, os habitantes das áreas favelizadas representavam 11% do total de habitantes da cidade, hoje esse valor aumentou para 22% do total. Apesar de parecer um tema distante, do “século passado”, os projetos de remoção ainda ocorrem na cidade maravilhosa. As pessoas são expulsas dos locais que vivem há anos, como se não fossem pertencentes ao território que habitam ou sujeitos de si mesmas. O curta documentário Casas Marcadas (MOREIRA et al., 2012) mostra as desapropriações feitas no Morro da Providência durante as transformações que ocorreram na cidade para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Assim como as remoções que sobrevieram durante a ditadura militar, as aplicadas durante a gestão de Eduardo Paes (2008-2016), devido a inúmeras violações de direitos, indenizações de danos e caráter injusto, foram também caracterizadas como “remoções forçadas”. O “legado” dos Jogos para a população favelada foi basicamente esse, mais de 20 mil famílias removidas de suas casas entre os anos de 2009 e 2013, além das que não foram contabilizadas. Fora a questão das remoções, há ainda uma outra medida sistemática do poder público que cerceia o direito à habitação da população pobre: as ações policiais. No documentário Boca do Mato (MÍDIA 1508, 2017) é retratado um cenário constante das favelas cariocas: a indignação de moradores diante do assassinato de pessoas inocentes por parte dessas ações, nesse caso, uma criança de 10 anos. Apesar de a ONU declarar que moradia é um dos direitos humanos e deve ser entendida como um local que, dentre outras condições mínimas à sobrevivência, seja seguro, não há o menor nível de segurança dentro das favelas. Como afirmado em um artigo do grupo Movimentos, “A guerra às drogas afeta diretamente o cotidiano das favelas e das periferias.” (SANTIAGO et al., 2018). O que ocorre na verdade é uma criminalização da pobreza, em outras palavras, como é afirmado ao fim do documentário, "Não existe guerra às drogas. O que existe é guerra aos pobres." (2017). Hoje em dia, assim como ocorria nos antigos cortiços, “O pobre aparece não como aquele que deve ser protegido, mas como aquele de quem se deve ser protegido.” (BAHIA, 2012). Se por um lado o que sempre esteve como base dos argumentos contra os cortiços e favelas era a questão higiênica e da criminalidade, por outro nunca foi investido de fato em saneamento básico e segurança para os moradores. No atual cenário de pandemia, movimentos sociais das favelas cobraram do governador Wilson Witzel que as remoções, despejos e operações policiais fossem suspendidos. Entretanto, apesar de inclusive ter sido proibida a realização de operações policiais em comunidades do Rio durante o período, as ações continuam ocorrendo em inúmeras favelas da cidade. Ou seja, nem mesmo em cenário de completo caos, é permitido à população periférica os direitos de viver e habitar. Victoria Freitas Graduanda em Letras, Português/Espanhol (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. REFERÊNCIAS: AROUCA, Luna; TELLES, Ana Clara; SANTIAGO, Raull. Do #vidasnasfavelasimportam ao #nóspornós: a juventude periférica no centro do debate sobre política de drogas. Boletim de Análise Político-Institucional. Rio de Janeiro, IPEA, n. 18, dezembro de 2018. Acesso em: 03 de julho de 2020. BAHIA, R. QUANDO A POBREZA TOMA CORPO: ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE O CORTIÇO, DE ALUÍZIO AZEVEDO. BALEIA NA REDE (Cessada), v. 1, n. 9, 2012. BARREIRA, Gabriel. Ministro do STF proíbe operações em favelas do Rio durante a pandemia. G1 Rio, 2020. Disponível em: . Acesso em: 03 jul. 2020. DAFLON, Rogério. Os prédios que violaram o skyline do Rio. Agência Pública, 2017. Disponível em: . Acesso em: 02 de julho de 2020. FENIZOLA, Luisa. Soluções que Vêm das Favelas: Como Moradores Estão Agindo e Cobrando Diante da Pandemia. Rioonwatch, 2020. Disponível em: . Acesso em 03 de julho em 2020. MERELES, Carla. DIREITO À MORADIA: TODOS TÊM DIREITO A UM LAR.Politize, 2017. Disponível em: . Acesso em: 02 de maio de 2020. PETTI, Daniela. Remoções de favelas no Rio de Janeiro. Wiki Favelas, 2020. Disponível em: . Acesso em: 03 de Junho de 2020. Poesia urbana (filme "Medianeras"). Youtube, 2013. Disponível em: . Acesso em: 23 de abril de 2020. ROD, Juan Luis. Favela da Rocinha: além do tráfico. El País, 2019. Disponível em: . Acesso em: 24 de abril de 2020. RODRIGUES, A. E. M.; OAKIM, J. As reformas urbanas na cidade do rio de janeiro: uma história de contrastes. Acervo - Revista do Arquivo Nacional, v. 28, n. 1, p. 19-53, 2015. Disponível em: . Acesso em: 03 julho de 2020. #vidasnasfavelasimportam #remoções #favelas #coronavírus #RioDeJaneiro #fluminense #carioca

  • A exploração da miséria pelo marketing social

    A analogia entre o regime escravagista e o marketing social pela classe dominante no Filme “Quanto Vale ou é Por Quilo?”, de Sérgio Bianchi Fonte: G1 #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem há uma mulher rodeada por crianças pobres. Ela está dando as mãos para duas delas e o fundo é composto por casas de periferia. “Quanto Vale ou é Por Quilo?” (Sérgio Bianchi, 2005), que possui caráter jornalístico, faz uso de documentos e fatos históricos para compor uma narrativa em que costura o Brasil colonial com o contemporâneo, denunciando os impactos que a escravidão gerou em nosso país e como se manifestam na atuação de entidades do Terceiro Setor. O recorte principal é o princípio de exploração da miséria humana presente no marketing social das ONGs que constroem uma imagem de “salvadoras das classes mais desfavorecidas” através da exposição de suas condições, que em muitos casos possuem esquemas de lavagem de dinheiro, caixa dois, projetos falidos, uso de laranjas e outras formas de corrupção. Bianchi faz um paralelo entre diversas práticas, como por exemplo a “troca de favores”. No filme, usa o registro de uma escrava (Odelair Rodrigues) que conseguiu comprar a própria alforria por meio de um acordo feito com uma mulher branca (Ana Lúcia Torre) que ele descreve (até com certo tom de ironia) como a sua amiga. A escrava trabalhava por anos e nunca conseguia juntar o dinheiro para pagar a sua alforria ao seu dono Senhor Caetano Pereira Cardoso. Então ela fez um acordo com esta sua amiga, que a compraria dele e em troca ela trabalharia durante um ano para devolver o valor com juros. No entanto, a escrava só conseguiu juntar o dinheiro em três anos e pagando juros muito maiores. E assim conseguiu comprar a sua tão desejada alforria. O diretor traz essa situação para um contexto atual exemplificando com “personagens” que se tratam de duas amigas. Uma era dona (Ana Lúcia Torre) de uma ONG e a outra voluntária (Cláudia Mello). A voluntária precisava de dinheiro para pagar a festa de casamento do filho e a dona emprestou. Quando surgiu a necessidade de transferir alguém para fazer trabalhos em lugares mais longes, ela mandou a amiga argumentando que “fazia tanto por ela”. A amiga acabou mandando uma outra moça mais jovem, que era negra e estava precisando. O filme também aborda as contradições presentes em situações do próprio sistema atual. Donos de ONGs beneficentes explorando funcionárias idosas e as fazendo de laranja dentro da própria empresa, aproveitando-se de sua situação de vulnerabilidade; computadores superfaturados enviados para escolas públicas através de doações; entre outras situações, que desmascaram a exploração disfarçada de solidariedade da classe dominante. Bianchi faz outras analogias entre a escravidão e as relações contemporâneas como a do capitão do mato no regime escravagista, que capturava outros negros que eram escravos fugitivos em busca de prestígio social e condições de vida melhores com a relação “negro contra negro” de hoje, usando como o exemplo o matador de aluguel do filme. Desta forma, por meio de analogias e relações com documentos históricos, Bianchi constrói um argumento apontando que a escravidão ainda prevalece nos dias de hoje, mas em diferentes moldes e escalas. Trabalhadores continuam a ser explorados, membros de uma mesma classe ainda são jogados uns contra os outros, corpos são reduzidos à máquinas e a miséria ainda é usada para gerar lucro. O filme traça um importante panorama sobre as consequências da escravidão e como este sistema repercutiu na vida e realidade das pessoas negras até os dias de hoje, que ainda são parte da população mais explorada no Brasil. Nathalia Barreto Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #escravidao #escravidaomoderna #exploracaodecorpos #marketingsocial #exploracao

  • Feito escravo e mantido assim

    Fonte: Pinterest Brasil #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No canto inferior esquerdo da imagem se encontra um banquete, vários pães e bolos sobre uma mesa coberta por uma toalha branca. No centro da imagem uma fila de crianças negras de ambos os gêneros, com as mãos e os pescoços presas por cordas e acorrentadas umas às outras, vestidas com roupas esfarrapadas do século XXVII. Ao fundo se encontra uma grande construção que se assemelha a uma estufa. “Quanto vale ou é por quilo?” é um filme de 2005 dirigido, roteirizado e produzido por Sérgio Bianchi. Tem como temática central as heranças do passado escravista no Brasil, brincando com a linearidade da narrativa alternando constantemente entre passado e presente de modo a evidenciar as permanências dos interesses de classe, do racismo, e o trabalho escravo. No Brasil pós-abolição o negro se mantém impedido de ser livre. As dívidas para comprar a própria alforria eram altíssimas e levavam a trabalhos degradantes de gerações para que o tão almejado título fosse comprado. Essa cena é retratada inúmeras vezes no filme. O feito escravo, lutando por sua liberdade, trabalhando mais do que já trabalhava para render mais lucros para o seu patrão, para quem sabe um dia ser dono do seu próprio destino. Avançando para os dias de hoje, o filme retrata uma senhora (Miriam Píres), de aproximadamente 70 anos se vendo obrigada a trabalhar para conseguir, minimamente, condições de sobrevivência. A necessidade a impele a conseguir um emprego de faxineira. O salário é a substituição de um direito que ela deveria ter. Sua alforria ainda não foi comprada, para isso lhe cabe a aposentadoria que ainda não veio. Assim, a escravidão é atualizada, um trabalho degradante, em condições deploráveis para que se mantenha o mínimo de dignidade. Os paralelos são claros. A necessidade, independentemente da época, faz com que os mais pobres se vejam obrigados a conseguir qualquer trabalho, por mais indigno que ele seja. Vemos o capitão-do-mato, negro alforriado que perseguia negros em busca de liberdade, refletido assim, na polícia que persegue aqueles que deveria proteger. Portanto, a miséria e a exploração são benéficas por seus fomentadores. Trabalha-se muito para gerar o máximo de renda, mas recebendo o mínimo para que não pare de produzir. Nessa realidade sobreviver é o norte a ser seguido a todo custo. A revolta pelos injustiçados é um caminho que parece natural, porém, as personagens do filme, as feito escravas e as escravas contemporâneas, quando a buscam se vêem perseguidas e roubadas do pouco que conseguiram. Portanto, a permanência da situação não se dá por quem a vive, mas por quem tem o poder de mudá-la mas não quer. Edson Kayaki Jr Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #TrabalhoEscravo #Escravidão #Exploração

  • Ecos de um passado não resolvido

    Fonte: Flickr.com #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem apresenta uma menina sentada em uma cama, com o rosto inclinado para cima. Ela possui batom vermelho nos lábios e uma expressão séria na face. Sua blusa azul está desatada, deixando duas alças recaídas a frente de seu corpo. Os dedos das mãos, virados para cima, estão sujos de sangue. Ela também veste uma mini saia rosa desbotada. Desde a antiguidade, diferentes povos ao redor do globo praticavam a escravidão. Prisioneiros de guerra e pessoas endividadas foram os principais alvos desse sistema em civilizações como a romana, onde o trabalho compulsório não possuía restrições étnicas, diferindo da prática posteriormente adotada pelo sistema colonial. Neste, a lógica mercantilista que visava o acúmulo de capital pelos estados nacionais usou a questão racial como justificativa para a escravidão africana e teve como pano de fundo o rentável tráfico de nativos do continente pelo Atlântico. Entretanto, mesmo que em 1948 a Organização das Nações Unidas tenha proclamado no artigo IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos a proibição mundial de qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão, mais uma vez o escravismo adquiriu novos moldes e foi implantado por diversos setores das economias do século XX. Mas o alvo continuou sendo o mesmo, as populações em vulnerabilidade social. Sendo assim, no Haiti é muito comum ouvir falar das Restavek, crianças que são enviadas por seus pais para trabalhar em outros países em busca de melhores condições de vida. Em determinadas regiões do Brasil existem aplicações muito comuns a essa, como por exemplo os casos onde algum familiar ‘pega uma sobrinha para criar’ mas essa criança não passa a possuir as mesmas condições de vida que possuem os outros filhos do mesmo, sendo muitas vezes transformada em escrava doméstica. Fato parecido é retratado no filme Anjos do sol, 2006, dirigido por Rudi Lagemann, que conta a história da menina Maria (Fernanda Carvalho), de apenas 12 anos de idade, que é vendida pela família para um caixeiro viajante, pois assim poderia buscar uma vida com maiores oportunidades. Segundo o pensamento da mãe da protagonista, o homem poderia lhe arrumar um emprego em uma casa, o que talvez possibilitaria um encontro com uma de suas irmãs que teve o mesmo destino. Mas ela não encontra a irmã, afinal, foi levada para ser explorada sexualmente por uma rede de sucessivos criminosos. Uma das cenas mais chocantes do filme remete a um leilão onde garotas menores de idade são ofertadas como produtos para homens mais velhos e poderosos. A partir daqui, uma série de atrocidades passam a envolvem a vida de Maria, que é comprada por um fazendeiro para tirar a virgindade do filho, violentada por ele e mandada para um bordel em Socorro onde, como é típico da escravidão contemporânea, ela acumula dívidas pelo seu quarto, roupas e comida, consequentemente não recebendo pagamento. Logo, muitas das crianças e adolescentes exploradas no mundo, além de serem vendidas ou abandonadas pelos pais e o estado, também podem ter sido obrigadas a largar a escola para trabalhar. É o que retrata o filme Sueco-dinamarquês de 2002 dirigido por Lukas Moodysson Lilya 4ever, que faz duras críticas tanto ao capitalismo e seu incentivo ao consumismo em massa quanto ao decadente socialismo russo, ambos internamente ligados ao tráfico humano. Dessa maneira, temos Lilya (Oksana Akinshina), uma adolescente de 16 anos que mora em uma região bastante afetada pela pobreza na Rússia. Ela e a mãe sonham com dias melhores nos Estados Unidos após a promessa que seu padrasto faz de levá-las para lá. Contudo, ele muda de ideia e pede que apenas a mãe vá. Assim, a jovem é deixada com uma tia e pouco dinheiro. Quando se viu sem comida e nem luz ela resolveu entrar para o mundo da prostituição. Em um dos programas foi agredida e socorrida por um rapaz que a viu caminhando na rua. Depois de um tempo, os dois passam a ter uma relação mais íntima e ele a convida para trabalhar na Suécia. Ela aceita e assim que chega no país tem seu passaporte retido por um homem que a tranca em um apartamento, saindo apenas quando é obrigada a se prostituir, gerando ganhos ao cafetão. Ambos os filmes denunciam a indústria de exploração sexual, que semelhante a outras formas de escravidão tem como alvo as partes de uma nação a margem dos planos políticos, que vem a ser obrigadas a se contentar com subempregos desumanos e o não exercício do seu direito de cidadão. São frutos de Lei Áureas mal resolvidas ou nem ao menos criadas pelo mundo afora, de estratégias das iniciativas privadas ligadas a presidentes que tentam apagar da lei o desconforto do verossímil e inviável economicamente. Kelly Barbosa Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #EscravidãoContemporânea #IndústriaDeExploraçãoSexual #TráficoHumano #Escravismo #ViolaçãoDosDireitosHumanos

  • Quem são os verdadeiros parasitas? Ou a situação da classe trabalhadora no século XXI

    Fontes: Estado de Minas e Portal T5, respectivamente. #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Duas imagens separadas por uma linha branca. Na primeira temos família Kim, filho, pai, mulher e irmã. Atrás deles, pilhas de caixas de pizzas verde e amarelas. Os quatros estão olhando para o celular no chão, assistindo a um vídeo onde se ensina a dobrar caixas de pizza de maneira mais ágil. Já na segunda, temos uma rua alagada até os joelhos com água misturada com barro e esgoto. Ao centro, um entregador informal de aplicativo de entrega de comida vestido com conjunto de roupa de chuva para motociclistas. Na mão direita, está segurando uma espécie de cajado e nas costas está com uma mochila vermelha de entregador escrita “iFood”. Apesar das correntes ou senzalas terem deixado de figurar o padrão normal das relações humanas há alguns bons anos, hoje são inúmeros os relatos de pessoas em condições de trabalho que remetem a uma escravidão contemporânea. O filme Parasita (2019), do diretor Bong Joon Ho, recente vencedor do Oscar-2020 na categoria de melhor filme, pode nos ajudar a compreender melhor o porquê desse fenômeno. Logo no começo do filme, nos deparamos com a seguinte cena: a família Kim busca um sinal de WiFi de graça para acessar à Internet e receber o sinal positivo da pizzaria contratante dos seus serviços de “dobradores de caixas de pizzas”. Seus salários variam em função da quantidade e da qualidade de caixas que entregam e estão sujeitos a cortes salariais arbitrários caso não correspondam ao esperado pela pizzaria. Como precisam alimentar-se, vestir-se, beberem e se abrigarem, os Kim sujeitam-se ao precário serviço que lhes é oferecido, sob as condições precárias que lhes são postas, sem deixar, jamais, de agradecer ao “WiFi generoso” pelo pão de cada dia. Ao longo do filme, conhecemos mais da situação da família Kim. Eles moram num semi-porão sem condições mínimas de higiene. Quando, já na condição de servos “mais privilegiados”, ou seja, explorados sob condições mais humanas e dignas por essas “pessoas legais”, deparam-se com uma situação na qual, durante uma chuva, tem de voltar para casa correndo. É nesse momento que vemos o quão longe moram da família Park, o quão abaixo está a sua casa, e como um fenômeno da natureza pode ter um efeito diferente de acordo com a sua riqueza material – que o resultado de uma chuva não é apenas “céu azul e sem poluição”, mas, para uma parcela significativa da população no mundo todo, para os milhões de famílias Kim que há por aí, alagamento, destruição e centenas de milhares de desabrigados. No Brasil, podemos ver as nossas famílias Kim atuando para redes de aplicativos que oferecem serviços, como o Rappi, iFood e Uber Eats. Estes ficam cada vez mais ricos às custas da crescente miséria daqueles que, em bicicletas, motos e dentro de carros, trabalham muitas vezes além das 44h/semanais previstas, sob condições de trabalho muitas vezes inóspitas e perigosas, sem garantia de renda mínima semanal ou mensal, sem garantia de direitos trabalhistas, segurança previdenciária, seguro, alimentação e transporte, ou qualquer outro tipo de direito que a classe trabalhadora tenha conquistado nessas últimas décadas. As jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção dos trabalhadores, ainda que motivada por coerção econômica, configuram, dentro do art. 149 do Código Penal Brasileiro, como elementos que configuram o trabalho escravo. Traça-se, entretanto, de uma escravidão, ou melhor, para usar o termo do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, uma “servidão moderna”. Assim, se os Kim precisavam de WiFi para ter acesso à alguma fonte de rendimento, também muitas das nossas famílias Kim no Brasil (os Silva, os Souza, os Santos etc.), precisam de redes móveis de internet para trabalharem nas seguintes condições [3]: “Os entregadores, no entanto, não moram nesses bairros [Pinheiros, Paulista, Higienópolis]. Vivem principalmente na periferia ou em cidades da Grande São Paulo. Para chegar ao trabalho, percorrem até 30 km - às vezes, pedalando [...] Por isso, os ciclistas ouvidos pela reportagem relataram fazer jornadas de mais de 12 horas diárias, trabalhar muitas vezes sem folgas e até dormir na rua para emendar um horário de pico no outro, sem voltar para casa.” [Grifos nossos] Sob as seguintes condições de trabalho: “(...) ele [o entrevistado] percorre por volta de 80 km diários (...) Como a maioria, ele não usa - e as empresas não fornecem - equipamentos de segurança, como capacetes. Gabriel Di Pieri, 18, conta não ter visto muito a família nos últimos meses. "Chego em casa, tomo um banho e durmo. Não vejo ninguém".” Quando lembramos que é a arte que imita a vida e não ao contrário, notamos que as coisas não podem ser vistas na sua aparência; ao contrário, deve-se buscar desvelá-las a fim de vê-las na sua essência. Quando fazemos essa operação, logo percebemos que a situação da família Kim revela-se como a situação geral de uma fração da classe trabalhadora mundial, fração está cada vez mais pauperizada e precarizada, ou seja, uma fração cada vez mais empobrecida, em péssimas condições de vida e trabalho, trabalhando na informalidade sem proteção social e nenhuma garantia de futuro e dependendo de aplicativos que dirão quem e o que irão transportar, mas jamais trabalhar nem para o aplicativo, nem para a empresa na qual transporta a mercadoria, nem para a pessoa que pediu a mercadoria, e muitas vezes nem para a empresa na qual aluga o seu meio de locomoção durante o transporte. A situação de trabalho da família Kim, bem evidenciada no começo do filme, mas não só, é uma situação universal. Vemos, também, quem é o verdadeiro parasita – ou melhor, os verdadeiros – não só da família Kim, mas de todas as famílias daqueles que não dispõem senão da sua força de trabalho para viver: a família Park, que representa a classe capitalista – esta que, por sua vez, personifica o capital. Se Marx havia dito que “O capital é trabalho morto [máquinas e, mais recentemente, aplicativos] que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo [força de trabalho] e quanto mais o suga mais forte se torna” [4], podemos dizer, numa linguagem que agradaria ao diretor Bong Joon Ho, que “o capitalista, personificação do capital, é um parasita que só reproduz seus lucros quanto mais suga da riqueza produzida pelo seu hospedeiro, deixando-o cada vez mais miserável”. Rennan Valeriano Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. Referência bibliográfica: [1] MARX, Karl. O Capital. Crítica da economia política - Livro 1: o processo de produção do capital. 5aEd, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. págs. 262-263. [2] Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65768/trabalho-em-condicoes-analogas-a-de-escravo- contemporaneo. Acesso em: 31/03/2020, 19h15. [3] Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/05/dormir-na-rua-pedalar-30-km- e-trabalhar-12-horas-por-dia-rotina-dos-entregadores-de-aplicativos.html. Acesso em: 31/03/2020, 19h15. [4] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/23/economia/1548260634_440077.html. Acesso em: 31/03/2020, 19h15. #Parasita #Capitalismo #Uberização #MundoDoTrabalho #Oscar2020

  • A‌ ‌abordagem‌ ‌científica‌ ‌vs‌ ‌religiosa‌ ‌no‌ ‌contexto‌ ‌de‌ ‌Darwin‌ ‌

    A‌s dualidades entre Ciência e Religião presentes em diferentes esferas do filme "A Criação", de Jon Amiel ‌ Fonte: Blog "Coruja Bióloga" #PraCegoVer [Fotografia]: A imagem é inteiramente preenchida pelas figuras de um homem (que está do lado direito), e um macaco (que está do lado esquerdo), ambos sentados no chão. Eles estão apontando um em direção ao outro de forma que os seus dedos indicadores se tocam um pouco mais a esquerda do centro da imagem. O fundo é composto por grades. O conflito entre ciência e religião, que recentemente vem assumindo grande projeção na mídia devido a falas e medidas tomadas pelo atual presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), perpassa questões relativas a nossa sociedade há séculos. Tomemos como exemplo o filme A Criação (2009), de Jon Amiel, em que aborda os precedentes da publicação do "A Origem das Espécies" (1859) de Charles Darwin. O filme foi baseado no livro "Annie’s Box: Charles Darwin, his Daughter and Human Evolution” (A caixa de Annie – Charles Darwin, sua filha e a evolução humana, 2002), escrito por Randal Keynes, tataraneto de Darwin. Logo nos dois primeiros minutos de filme, a arte que antecede a primeira cena do naturalista com a filha, já sugere essa dualidade que vai costurar a narrativa inteira, percorrendo até as esferas mais íntimas e morais dos personagens. Consiste em imagens de animação que demonstram todo o processo de formação de um ser humano, desde a fecundação. E podemos observar que ao final desta cena, a imagem do formato do braço do bebê remete a posição das mãos no quadro “A criação de Adão” de Michelangelo. A dualidade permeia o filme não só em construções estéticas, narrativas e sócio históricas, mas também na biografia do próprio Darwin, que apesar dos seus questionamentos em relação a religião e a existência de um Deus, ainda viveu e foi enterrado dentro de rituais cristãos. Dualidade esta que também é presente na sua própria relação conjugal, já que tinha uma esposa religiosamente "fervorosa”, e que a mesma acaba por decidir pela publicação do livro ao final do filme. Essas questões externas somadas ao falecimento da filha fazem com que Darwin (Paul Bettany) enfrente questões internas muito fortes relacionadas a sua moral. Que está presente durante a narrativa inteira através de visões que o naturalista tem da própria filha morta. No entanto, essas visões que ocorrem no filme estão longe de assumir um caráter de leitura no campo religioso, e sim de uma manifestação de seus pensamentos reprimidos por não poderem atuar livremente. O naturalista Parslow (Jim Carter) que o atende o adverte nesse sentido. O filme também coloca em questão as transformações sociais e políticas que a teoria de Darwin teria, pois faria um questionamento direto à tese do criacionismo e logo, ao poder das igrejas. Nota-se também esse tipo de interesse em seu diálogo com dois de seus amigos no começo do filme, ao que é dita a frase “você matou Deus” com um certo entusiasmo por um de seus colegas. Como vemos, a dualidade entre ciência e religião perpassa o filme em diferentes planos: o estético, o pessoal, o histórico, o social, o das relações e o psicológico (da moral também). É importante ver como esse tipo de relação e a leitura sobre ela afeta em aspectos da nossa sociedade, tais como os valores e as suas relações de poder. O filme faz um recorte histórico de quando essas questões estavam sendo colocadas à prova e as relações que elas estabeleceram entre si, já que em determinado momento o próprio amigo de Darwin disse que àquela altura ele já tinha inimigos em metade da Europa. Trazendo para um cenário mais próximo, tomemos o exemplo os posicionamentos do atual Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao COVID-19. Chamando de “gripezinha”, indicando o uso do medicamento Hidroxicloroquina sem comprovação científica, transferindo a responsabilidade dos números de óbitos para os governadores e prefeitos, e por fim deixando de informar o total de mortes e casos pela doença, ainda se reunindo com representantes de TVs católicas para discutir alianças. Assim como vimos no filme, essas questões referentes a crença podem ser diretamente ligadas a estrutura da sociedade e contribuem para um mecanismo de controle social, podendo ser apropriadas para defender discursos e medidas por parte de quem está no poder. Nathalia Barreto da Silva Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo (2019/2020). #ciência #crença #cienciavscrença #darwinismo #religiosidade

  • O novo nome da rosa: Ciência e Crença em tempos de Coronavírus

    Fonte da primeira imagem: HAZ #ParaTodosVerem [FOTOGRAFIA]: Duas imagens uma ao lado da outra, separadas por uma linha branca. A primeira mostra uma cena do filme O Nome da Rosa (1986), em que três homens circundam um cadáver deitado sobre uma mesa, sendo que um o examina. A segunda imagem mostra um médico examinando um paciente em uma ambientação adequada. Os acirrados debates que interpõem crença e ciência se acentuaram recentemente nos âmbitos público e privado em decorrência de um fenômeno pandêmico mundial: a COVID-19. A crise de credibilidade que a ciência vinha passando adquiriu novos contornos quando a discussão bizantina passou a determinar a vida e a morte de milhares de pessoas. O embate, que antes podia ser desprezado ou ignorado por alguns, se tornou uma questão de autodefesa, de nossa própria sobrevivência. A julgar pelos altos índices de inobservância das atuais regras sanitárias, não são poucos os que ignoram consensos da ciência para validar suas próprias crenças – para respaldar em termos quantitativos a relevância da questão. Diante desse cenário, um filme antigo nos aparece a assombrar por semelhança, mas não mera coincidência. Baseado no livro homônimo de Umberto Eco, O Nome da Rosa (1986) retrata a investigação realizada pelo padre franciscano William de Baskerville em um mosteiro beneditino italiano, onde ocorre uma série de estranhas mortes. Na última semana de novembro de 1327, sete monges falecem, cada um em um dia da semana, em circunstâncias misteriosas. O frade William, que havia recebido a missão de investigar a ocorrência de heresias no mosteiro, passa então a investigar os óbitos. A construção psicológica do padre William remete a uma representação do então novo intelectual renascentista, um homem com postura humanista e racional em oposição à mentalidade dogmática do homem medieval. Já os monges aparecem no decorrer do filme em uma série de cenas contraditórias, mostrando a insustentabilidade de suas crenças sob o ponto de vista racional. Assim, eles realizam flagelações, atos sexuais entre si, punições severas, dentre uma série de contradições à sua fé cristã. Através dessas representações, são construídas duas formas de se viver no mundo: a da crença, que tem suas bases frágeis, a ponto de nem mesmo seus fiéis conseguirem sustentar seus dogmas; e a da ciência, com base na construção racional e articulada nas investigações dos óbitos pelo frade franciscano. Sendo a todo tempo impedido de avançar nas investigações por ser desmoralizado pelos monges, que atribuem origens místicas aos falecimentos, nós vivemos a agonia do padre a todo instante. As conversas entre os monges no filme nos mostram o quanto eles repudiam a ciência, ou qualquer forma diferente se pensar ou viver que não seja a deles. Qualquer linha de pensamento contrária às suas crenças são consideradas heréticas e devem ser eliminadas. Assim, em forma de crítica, o diretor Annaud conseguiu transpassar a luta contra a mistificação e o esvaziamento dos valores pela demagogia em uma sociedade aparentemente distante da nossa. Dentre todas as teorias sobre a origem do nome da obra, uma me agrada mais: a da expressão “nome da rosa” ser utilizada pelos medievais para designar o poder das palavras. As palavras têm poder. Quem quer prova disso é só olhar ao nosso redor. Cassiano Ribas Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. #Coronavírus #Ciência #Crença #Cinema #COVID-19

  • Camus e conflitos em tempos de pandemia

    #PraCegoVer [PINTURA]: Em tons quentes, a imagem retrata várias pessoas com semblantes tristonhos. Algumas, no canto superior direito e no centro da imagem, cavando buracos para eventuais covas, e outras, a esquerda, no canto inferior direito e no centro, carregando caixões com mortos vítimas da peste bubônica na Idade Média, durante o final da primeira metade do século XIV. As diferentes sociedades estão se articulando para se remodelar em um novo cenário, até então desconhecido, que se instaurou a nível global em nosso cotidiano. A pandemia do coronavírus – nova cepa viral descoberta em 2019 e intitulada COVID-19 – veio para balançar estruturas que já não estavam tão estáveis e reforçar, ainda mais, o cenário político polarizado que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos. Neste contexto, as opiniões sobre a doença vêm se dividindo severamente, contribuindo para que as possíveis soluções de combate ao vírus ganhem ou percam credibilidade na mesma proporção. Toda essa discordância acaba tornando os esforços de controle de disseminação mais complicado para os agentes da saúde e autoridades públicas – estes que também divergem entre si. O filme A Peste (Luis Puenzo, 1992), baseado no romance escrito pelo franco-argelino Albert Camus em 1947, dialoga exatamente com esse dualismo recorrente na atualidade. Em nosso contexto, considerando que os porta-vozes para conter o vírus são especialistas da ciência medicinal, que não têm medido esforços para conhecer mais sobre esse novo fenômeno, trabalhando e estudando incansavelmente, qualquer outra recomendação ou medidas contrárias às deles acabam sendo facilmente descartadas. Todavia, subsistem discursos de grupos que, em prol exclusivamente da economia, a fim de evitar a irrevogável crise econômica que o mundo irá enfrentar, procuram descredibilizar qualquer restrição que prejudique os negócios no país, a exemplo do necessário período de isolamento, recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). A obra de Camus retrata bem os dias de aflição e divergência que o planeta tem vivido nos últimos meses. A história é narrada em Oran, cidade francesa na costa argelina, que entra em colapso com a chegada de uma epidemia causada por uma infestação de ratos, e é submetida ao famigerado isolamento e aos conflitos existenciais ocasionados por este. Diante da situação de calamidade pública e caos social, as pessoas começam a pensar e questionar o mal inevitável, reagindo de diferentes formas às circunstâncias em que estão submetidas, e como viver/sobreviver com essa realidade. Todas as supostas verdades e mentiras, crenças e descrenças começam a ser ressignificadas durante o enredo, apresentando os diferentes pontos de vista e apontando os comportamentos coletivistas e individualistas das personagens. Não muito diferente, a realidade atual é marcada pelos mesmos questionamentos e por negacionismos. O filme aponta o mal-estar contínuo de autoridades públicas, contrárias ao comportamento incontestável do Dr. Rieux (William Hurt), personagem principal da obra, que busca se manter racional durante esse período conturbado, focando estabelecer medidas que controle a doença, sem ultrapassar os limites éticos de sociabilidade. Semelhantemente, em nossos dias, há um determinado grupo colocando em dúvida as metodologias e descobertas cientificas da medicina, que corroboram para o bem da saúde coletiva, apoiando-se em crenças individuais e sem embasamento teórico e prático, que tenha um mínimo de fundamento e concisão no que tange a saúde da população para o enfrentamento do coronavírus. De um lado, decisões que colaboram para o restabelecimento das atividades coletivas, de maneira altruísta e assumindo uma responsabilidade perante a sociedade, e, de outro, resistências que se concentram em interesses puramente políticos e econômicos, visando a alcançar uma estabilidade inexistente e sem condições de ser estabelecida normalmente, como se centenas de milhares de pessoas não estivessem sendo afetadas de diversas maneiras mundo afora. Dessa forma, trazendo reflexões consideráveis para se pensar o momento sombrio que o mundo vem enfrentando. Larissa Dias dos Santos Graduanda em História (FFLCH/USP) e voluntária no Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. Fontes: [1] Lent, Roberto. Entre a ciência e a crença existe uma grande diferença. O Globo, 2019. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/sociedade/artigo-entre-ciencia-a-crenca-existe-uma-grande-diferenca-23941757>. Acesso em: 18 de maio de 2020. [2] Oliveira, Bernardo. A Peste de Camus e a solidariedade na epidemia. Pensar a Educação, 2020. Disponível em: < https://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/a-peste-de-camus-e-a-solidariedade-na-epidemia/>. Acesso em: 18 de maio de 2020. [3] Picón, David Ontoso. The Plague (1992). From Albert Camus to Luis Puenzo. Journal of Medicine and Movies, 2005. Disponível em: . Acesso em: 18 de maio de 2020. #Pandemia #Polaridade #Ciência #Crença #Divergência

  • Crenças, fé e conhecimento

    Fonte: Netflix Brasil #PraCegoVer [ILUSTRAÇÃO]: Na imagem encontra-se o mapa mundi, com milhares de pontos vermelhos espalhados por todos o globo, representando uma pandemia viral, no centro da imagem podemos encontrar um símbolo em preto da própria série. No presente ano de 2020, estamos passando por uma pandemia, o novo Coronavírus (Covid-19). Surge, novamente, um conflito entre ciências e crenças, assim como foi no século XIV com a Peste Negra, a pandemia mais devastadora já registrada na história humana, e, também, como ocorreu há 100 anos atrás com a Gripe Espanhola, que matou mais que o total das duas guerras mundiais. Em meio a esses cenários de surtos virais que já ocorreram várias vezes ao longo de nossa história, em quem devemos acreditar? Para onde devemos recorrer? O que devemos esperar? Na idade média, a linha entre religião e ciência era tênue, a peste negra foi interpretada por muitos cristãos como punição divina pelos pecados da humanidade, e por consequência dessa submissão a medicina foi muito pouco desenvolvida. Já em 1918, as incertezas e o medo da morte, fizeram com que a população novamente se voltasse para a explicação divina sobre a origem da gripe espanhola. Porém, o conhecimento sobre a existência de micro-organismos patogênicos e do índice de transmissão, acarretou a democratização dos culpados e grandes avanços na medicina. Na atual pandemia, alguns fiéis de determinados segmentos religiosos continuam a se aglomerar, optando por colocarem suas vidas nas mãos de suas divindades, em vez de seguirem as orientações das autoridades públicas. Tal situação se assemelha ao que assistimos no quinto episódio da série Pandemia (2020): indivíduos, que por motivos religiosos, se recusam a se submeterem às vacinas. É o caso de uma jovem mulher do Oregon, mãe de três filhos. Pela lei, ninguém pode obrigá-la, mas, em compensação, as crianças ficam impedidas de se matricular na escola, pois representam risco de contágio para as outras. Neste mesmo episódio, é analisado também como a comunidade, a família e a fé ajudam os médicos a permanecerem fortes durante um período de pânico. As pandemias são cíclicas e parece que cada século enfrentamos uma; e a união dos fatores citados acima encontrados na série, nos da oportunidade de enxergarmos grandes valores, como a sensibilidade e a solidariedade diante do sofrimento, a natureza como nossa “casa comum” e a importância do isolamento. Ademais, esse apoio dos fiéis oferecido aos médicos é conciliado com a necessidade, a ciência não tem uma agenda contra a religião. Ela se propõe simplesmente a interpretar a natureza, expandindo nosso conhecimento do mundo natural. Sua missão é aliviar o sofrimento humano, aumentando o conforto das pessoas, desenvolvendo técnicas de produção avançadas e ajudando no combate às doenças. A série Pandemia da Netflix reúne seis capítulos, que versam a procura de uma vacina universal para todo tipo de gripe, a vigilância epidemiológica em grandes concentrações humanas, como também nos animais e um constante comparativo entre pandemias virais anteriores, abordando personagens em várias partes do globo, Estados Unidos, México, Índia, China, Vietnã e Congo. Stephanie Gabriele Mendonça de França Graduanda em Engenharia de Produção (POLI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #Pandemia #Doenças #Surto #Religião #Ciência

  • Scientia Vinces – lutar pela defesa do conhecimento

    Fonte: miro.medium.com #PraCegoVer: [Fotografia]: Cartaz branco colado em parede de tom escuro. O cartaz tem a mensagem “ciência é progresso” escrita 21 vezes na vertical. “Você tem plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas de algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja para não ter agroindústria no Brasil, mas na maconha deles eles querem toda tecnologia a disposição”. O tom da declaração feita pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, em dezembro de 2019, evidencia a forma com que as universidades públicas e, consequentemente, a ciência vêm sendo tratadas no Brasil durante o governo Bolsonaro. Falsas acusações, cortes de verba e fortes ataques ameaçam a ciência no país e colaboram para a construção de uma narrativa fantasiosa que espalha desinformação e medo sobre a população brasileira. O filme E a Vida Continua (Roger Spottiswoode, 1993) trata do início da epidemia do vírus da AIDS nos Estados Unidos e revela os perigos da falta de suporte à ciência e a pesquisa num país. O roteiro gira em torno de um grupo de pesquisadores, liderado por Dr. Don Francis (Matthew Modine). A equipe procura combater a epidemia causada por um vírus desconhecido, com uma taxa de letalidade extremamente alta e que vinha sendo observado na comunidade gay em determinados locais do país. A história, baseada em fatos reais, se passa no início dos anos 1980, enquanto os Estados Unidos eram governados por Ronald Reagan, presidente pertencente ao partido Republicano e com perfil extremamente conservador. Nesse contexto, os movimentos LGBTQ eram absolutamente invisibilizados e uma doença, que até então era conhecida de maneira pejorativa como “câncer gay,” não era tratada como questão de saúde pública, uma vez que teoricamente atingia apenas uma minoria indesejada. Fato, este, que tornou a AIDS uma epidemia incontrolável, espalhando-se por todas as classes, gêneros e orientações sexuais dos americanos, vitimando milhares de pessoas. A trama se desenvolve com a luta dos pesquisadores para obter o financiamento de estudos sobre a doença, além do combate contra a desinformação, que acabou por contribuir ainda mais para a disseminação do vírus. O movimento gay americano, representado pela liderança de Bill Kraus (Ian McKellen), também possui grande protagonismo, sobretudo na luta por reconhecimento de sua identidade pelo Estado e sociedade, pela desconstrução do preconceito e pela busca de seus direitos. Ao fazermos um paralelo com a pandemia de Covid-19 que enfrentamos, é possível encontrar semelhanças entre ambas as situações. No caso específico do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro transmitiu diversas declarações contra o isolamento social, recomendação da Organização Mundial da Saúde e tratada como única estratégia efetiva contra a disseminação do vírus. Seus argumentos colocam economia e saúde em polos opostos, valendo-se do medo e da ameaça do desemprego para atacar e desmoralizar a ciência. Quanto ao discurso de culpabilidade, há também uma afinidade. Assim como na situação da epidemia de AIDS, em que os homossexuais eram apontados como sendo os responsáveis pelo contágio, é possível observar uma tentativa de responsabilizar a população asiática pela pandemia, através de ataques sistemáticos às suas respectivas culturas e de seguidos episódios de xenofobia. O caminho para o fortalecimento da ciência passa por democratizar o acesso à informação. Estamos imersos em uma situação crítica, sendo fundamental a união das frentes progressistas do país se em um único sentido, com ações concretas que garantam o fazer científico no país e desconstrua a narrativa de ignorância intencional difundida pela extrema direita. Yan Carvalho Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2010. Referências: DAMASCENO, Victória. Weintraub repete acusações contra universidades com base em reportagens. Exame, São Paulo, 11 dez. 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/ministro-da-educacao-repete-que-ha-plantacoes-de-maconha-nas-universidades/. Acesso em: 26 abr. 2020. SOARES, Ingrid. Bolsonaro defende fim do isolamento: "Se agravar vem para o meu colo". Correio Braziliense, [S. l.], 17 abr. 2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/17/interna_politica,845629/bolsonaro-fim-do-isolamento-se-agravar-vem-para-o-meu-colo.shtml. Acesso em: 26 abr. 2020. LOVISI, Pedro. Xenofobia, uma outra doença que veio com o coronavírus. Estado de Minas Gerais, [S. l.], 27 abr. 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/04/27/interna_gerais,1142295/xenofobia-uma-outra-doenca-que-veio-com-o-coronavirus.shtml. Acesso em: 27 abr. 2020. FILME: “E a Vida Continua” (Roger Spottiswoode, 1993) #CoronaVirus #Ciência #Xenofobia #Bolsonaro #Resistência

bottom of page