top of page

Busar no CineGRI

122 itens encontrados para ""

  • O preço do amanhã encontra o preço da desigualdade

    #PraCegoVer [Fotografia]: Close-up no braço de um homem branco com uma espécie de tatuagem tecnológica que marca quantos minutos de vida a pessoa ainda tem. Neste caso, a tatuagem está zerada, mostrando que a pessoa esgotou seus minutos de vida, estando morta. Na sociedade capitalista, tempo é dinheiro. E é nessa premissa que o filme de longa metragem O preço do amanhã (Andrew Niccol, 2011) se ampara em seus 109 minutos, onde, neste futuro distópico, a população cresce e se desenvolve até os vinte e cinco anos e, após completar seu vigésimo quinto aniversário, para de envelhecer. Entretanto, o preço pago por isso é alto. Não há mais dinheiro em cédulas como conhecemos e que em nosso mundo real está com seu tempo contado se considerarmos a popularização de criptomoedas e carteiras eletrônicas como Google Pay, PicPay e Mercado Pago. As pessoas são pagas e pagam pelos seus serviços debitando seu tempo de vida, da forma mais literal possível, com um relógio digital integrado no braço. Quem é rico tem mais tempo – podendo viver eternamente. Quem é pobre, bem, você sabe. Tem que estar sempre correndo atrás de sua sobrevivência. Sendo uma ótima alegoria para a sociedade de consumo exacerbado que o capitalismo nos aloca, o que a gente possui acaba nos possuindo, tornando parte de nosso ser. A oferta de novos produtos é tão alta que se reverte felicidade em ter coisas. O relógio exibido no filme que indica quantos minutos de vida restam para seu consumidor, nada mais é que a materialização daquilo que o capitalismo se sustenta: o dinheiro e o tempo de vida de cada pessoa acaba sendo, ao final, a mesma coisa. O Sistema das Nações Unidas (ONU) possui o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), local de discussão em relação a preservação ambiental e sustentabilidade liberou dados alarmantes acerca do esgotamento de recursos naturais e aumento da poluição atmosférica. Como visto nos dados liberados pela PNUMA, é revelado que nos últimos dez anos as emissões de gases de efeito estufa cresceram em média de 1,6% ao ano [1]. Além disso, com perdas de fertilidade ligadas à erosão e ao esgotamento de recursos naturais, cerca de 20% da superfície da Terra sofreu declínio de sua produtividade, como mostrado no site da ONU [2]. Assim o filme "O preço do amanhã", o protagonista Will Salas, interpretado por Justin Timberlake, é um jovem vindo da região pobre da cidade que, ao ganhar um século de vida de um ricaço que encontra na rua, torna-se uma espécie de símbolo da desigualdade social sustentada por este sistema, um Robin Hood que rouba dos ricos e distribui para os pobres. A obra cinematográfica apresenta o preço da desigualdade, realidade cruel e longe de ser ficção; de acordo com a ONU, 1% da população movimentou 82% de toda a riqueza criada em 2017 [3]. Ao final do longa, fica a reflexão: vendemos nosso tempo de vida para o consumo e este consumo afeta drasticamente o meio ambiente. Ainda há tempo de reverter isso? O sistema capitalista combina com a restauração de recursos naturais? Existe interesse do mercado em sustentabilidade? A ação tem que ser rápida. Nem causa mais surpresa que até 2050 haverá mais plástico que peixes.[4]. O preço do amanhã, infelizmente, já conhecemos. Marcela Sayuri Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. Fontes: [1] ONU Meio Ambiente: foco político na crise climática é o maior em uma década . Nações Unidas Brasil, 2019. Disponível em: . Acesso em: 4 de fevereiro de 2020. [2] ONU Meio Ambiente: ONU declara Década sobre Restauração de Ecossistemas. Nações Unidas Brasil, 2019. Disponível em: . Acesso em: 4 de fevereiro de 2020. [3] UOL: Década vê explosão de milionários e desigualdade que ameaça democracias. UOL, 2019. Disponível em < https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2019/12/31/decada-ve-explosao-de-milionarios-e-desigualdade-que-ameaca-democracias.htm>. Acesso em: 4 de fevereiro de 2020. [4] Buzzfeed: 15 fatos sobre o futuro do planeta que farão você odiar (ainda mais) a humanidade. Buzzfeed, 2018. Disponível em: . Acesso em: 4 de fevereiro de 2020. #desigualdadesocial #sociedadedoconsumo #escassezderecursosnaturais #opreçodoamanhã #capitalismo

  • Uma vida fora de controle

    Fonte: Site "Geonalta" #PraCegoVer [ILUSTRAÇÃO]: Verbete de dicionário. Em um fundo preto, destaca-se no centro, em letras vermelhas, a palavra Koyaanisqatsi. Abaixo, em letras menores, brancas e também centralizadas, lemos: ko.yaa.nis.qatsi (from the Hopi language), n.1. crazy life. 2. Life in turmoil. 3. Life out of balance. 4. Life disintegrating. 5. A state of life that calls for another way of living. Em livre tradução, temos: ko.yaa.nis.qatsi (da língua Hopi), n.1. vida louca. 2. vida em tumulto. 3. vida fora de equilíbrio. 4. vida se desintegrando. 5. um estado de vida que exige outro modo de viver. “Um estado de vida que exige outro modo de viver”. O que esperar de um filme com essa mensagem? Em poucas palavras, é possível dizer que Koyaanisqatsi, filme lançado em 1982, retrata nossa existência no mundo contemporâneo colocando em questão o que fazemos com nosso tempo, com nosso dinheiro e com os ambientes que nos cercam. Esses são os elementos fundamentais trazidos por Godfrey Reggio no filme, cuja narrativa é construída com o que há de mais poderoso na linguagem do Cinema: a união de imagens e sons em ritmos e enquadramentos diversos. Juntos, esses elementos vão despertando em quem assiste uma série de incômodos, e é justamente essa provocação que faz de Koyaanisqatsi uma obra tão singular. A começar pelo nome, o filme rapidamente mostra a que veio. De origem Hopi - nação indígena estadunidense - koyaanisqatsi significa “vida fora de controle”. Para além da dificuldade de ser escrito e pronunciado, o título é ainda mais revelador quando entendemos seu sentido. Participante de uma organização social diferente da nossa, o olhar estrangeiro trazido à tona por meio da referência indígena observa a vida que levamos em nossa sociedade e dá o veredito: aí, onde o consumo dita o ritmo das relações, a vida está fora de controle. Dito isso, temos que nos perguntar: que vida é essa que Reggio explora no filme? O que exatamente está fora de controle? Essas são perguntas cruciais que são respondidas pelo diretor em forma de arte cinematográfica experimental, provocativa e, acima de tudo, engajada. A vida que Koyaanisqatsi mostra é a que vivemos no capitalismo moderno, expresso pela sociedade do consumo. Nesse tipo de organização nós somos o que consumimos, e é só quando fazemos isso que aparecemos como cidadãs e cidadãos do mundo. Por mais cruel que seja, essa equação parece simples: para ser, é preciso consumir. Mas o que significa consumir? Trata-se apenas de comprar, utilizar e descartar produtos? Koyaanisqatsi dá a resposta, e ela é negativa. Uma das grandes genialidades do filme está em mostrar que consumir implica não apenas em transações de objetos por dinheiro. Consumir envolve, antes de qualquer coisa, produzir para vender, e essa produção consiste na transformação dos recursos naturais em itens de valor. Nesse sentido, o capitalismo se mostra fortemente dependente da natureza, que já há anos dá sinais de que não suportará o ritmo de produção que temos. Diferente do que pensávamos, essa relação não será infinita e está em constante declínio, e a produção de Reggio nos mostra essa constatação em uma mistura de frames acelerados, ora descontrolados, que mesclam cenas da natureza e do cotidiano urbano em uma relação caótica, rápida, sufocante, e, acima de tudo, desequilibrada. Diante desse quadro, fica a pergunta se o equilíbrio entre a sociedade do consumo e a natureza se restabelecerá, se ainda temos tempo de reverter essa relação tão desigual que criamos. Enquanto tentamos responder, seguimos vivendo assim: koyaanisqatsi. Alice de Souza Araújo Graduanda em Ciências Sociais (FFLCH/USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #Koyaanisqatsi #sociedadedoconsumo #capitalismoenatureza #desequilíbrio #vidaforadecontrole

  • De volta à Ilha das Flores 30 anos depois

    Fonte: 'Ilha das Flores', curta documental de Jorge Furtado lançado em 1989 /Divulgação #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Crianças em situação de pobreza sentadas sob os entulhos em uma lugar que aparenta ser o aterro Ilha das Flores, com justamente um girassol ao centro da imagem, contrastando sua vívidas cores com a situação de miséria em que se encontra. O ano de 1989 foi um marco na história mundial, sendo considerado por muitos estudiosos o fim do assim chamado “breve século XX”, cujo o principal evento foi a queda do Muro de Berlim, sendo antecedido e sucedido pelo colapso dos governos alinhados à União Soviética. A partir disso, foi cantada a vitória do modelo liberal-capitalista, sendo inclusive decretado, pelo filósofo nipo-americano Francis Fukuyama, o que foi chamado de “Fim da História”, se difundindo a ideologia de que todas as transformações a partir dali se dariam dentro dos marcos do capitalismo, pois teria se provado a supremacia deste modelo sócio-econômico sobre o modelo capitaneado pela União Soviética. Este mesmo ano é o ano de lançamento do famoso curta-metragem Ilha das Flores. Esta obra, dirigida por Jorge Furtado e gravada em Porto Alegre, nos narra de maneira ácida, beirando o cinismo, o ciclo da produção e do descarte de uma porção de tomates, até a chegada deste no aterro sanitário que dá nome à obra. O curta se inicia com uma explicação científica sobre o que são humanos e o que são tomates, passando logo depois para uma visão em terceira pessoa do ciclo de consumo em que os tomates se inserem. É muito interessante ver como o narrador também descreve como outros processos sociais que ocorrem simultaneamente ao que podemos chamar de “ciclo do tomate” cruzam seu caminho e estão intimamente relacionados à dinâmica de consumo. Podemos citar o caso da dona Anete (Julia Barth), vendedora de perfumes que através dos lucros de suas vendas compra em um supermercado os tomates plantados na fazenda do sr. Suzuki (Takahiro Suzuki), onde tudo começa. Nos expondo onde ela se encontra no esquema de vendas, é dado para nós, espectadores, o contexto do capitalismo em que ela se encaixa. O curta ganha um tom mais pesado quando nos é apresentado a Ilha das Flores, aterro sanitário nas imediações de Porto Alegre. É para lá que um tomate comprado por dona Anete é encaminhado, após esta o descartar por estar apodrecendo. Então, nos é mostrado que há uma criação de porcos no aterro, e o que os materiais orgânicos que para lá foram encaminhados sofrem um processo de seleção, em que os “melhores dos piores” são escolhidos para servirem de comida para os porcos de lá. A reviravolta se dá quando nos é mostrado que os restos orgânicos que foram considerados ruins até mesmo para servir de alimento para os porcos são coletados por pessoas em situação de miséria que buscam alimentos no aterro. Nesse momento, a linguagem utilizada pelo autor, que durante todo o curta constitui uma narrativa “objetiva” e “científica”, ajuda a desvelar uma latente contradição que é parte essencial do capitalismo: a esmagadora desigualdade social, e que nos leva a um questionamento imediato: para quem os recursos são escassos? Quando descreve as pessoas que tiravam sua alimentação dos restos do aterro, fica claro para o público o que os diferencia. E isso é a pobreza, não ter dinheiro para dispor de condições mínimas de dignidade. Essas pessoas se encontram claramente fora do ciclo de consumo, podendo ser questionado também a quem é destinado os frutos da produção em massa desse final de século. 30 anos depois, a atualidade da Ilha das Flores é chocante. Em um mundo cada vez mais desigual, há de sempre se questionar para quem os recursos são escassos e a quem o consumo é destinado. Num sistema que se diz o campeão da liberdade, vale relembrar a frase que fecha o curta: "Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda". Luis Guilherme Nobrega Amorim Graduando em Ciências Sociais (FFLCH/USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #Consumo #Capitalismo #Desigualdade #Alimentação #CurtaMetragem

  • A Utopia da Sustentabilidade

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Gado de corte com expressão abatida atrás das grades do pasto onde é criado seu rebanho, em seu corpo está a imagem do planeta terra, onde aparece o continente americano e oceanos pacífico e atlântico, com nuvens brancas que contrastam com sua pele e rosto, ao fundo encontra-se um pôr do sol em tons de laranja e levemente avermelhados. Em se falando de sociedade do consumo e escassez dos recursos naturais, podemos nos lembrar de um dos grandes marcos da história no século XVIII - A Revolução Industrial - período em que foi fomentado de forma intensa e irracional o consumo pelos recursos naturais, causado pelo crescimento exponencial da população humana e pela crescente demanda por alimentos. Desde então, a cultura do consumismo está inserida na sociedade, de forma que o consumo é incentivado com o propósito de estimular o progresso das nações, utilizando o meio ambiente como toda e principal fonte de recursos para nós humanos, tais recursos esses, totalmente finitos. Esse consumismo diário e o uso descontrolado de combustíveis fósseis são agentes da destruição do planeta juntamente a um grande responsável: o agronegócio. A criação de animais em massa é causadora de várias mudanças no meio ambiente, é responsável pela liberação do CO2 e do Metano que contribuem para o efeito estufa, por 30% do consumo de água do mundo, ocupa 45% do espaço na Terra, causou 91% da destruição na Amazônia, extinguiu espécies e habitats. No documentário Cowspiracy – O Segredo da Sustentabilidade (2014) o cineasta Kip Anderson e o cinegrafista Keegan Kuhn abordam esse cenário na tentativa de entrar em contato com diversas ONG’s ambientalistas a nível mundial e pessoas influentes na discussão. Kip analisou a postura das grandes ONG’s e nenhuma delas estava dando a devida importância para a degradação do meio ambiente causada pela pecuária, devido à economia e capital que gira em torno das nações através da criação de gado, porém muito além da exploração animal: a criação de gado promove consumo de recursos naturais e danos ambientais em escala estratosférica. Sendo assim, Kip através de pesquisas e infográficos bem didáticos nos esclarece vários pontos, com o intuito de apontar os benefícios de uma dieta vegetariana ou melhor ainda vegana, para a saúde humana. Ele fez um estudo que classificou as carnes processadas como cancerígenas e a carne vermelha como potencialmente cancerígena, simultaneamente com uma série de outras informações muito importantes que podemos encontrar no documentário: Uma exploração agrícola com 2,5 mil vacas leiteiras produz a mesma quantidade de resíduos que uma cidade de 411 mil pessoas. Os EUA poderiam alimentar 800 milhões de pessoas com grãos que o gado consome. A pecuária e seus derivados são responsáveis por, pelo menos, 32 milhões de toneladas Co² por ano, ou 51% de todas as emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo; Um hambúrguer exige 660 litros de água para ser produzido, o equivalente a dois meses de banhos de chuveiro; 2.500 litros de água são necessários para produzir 1 kg de carne; A exploração excessiva dos mares indica que em 2048 não haverá mais peixes comestíveis no mar; A agropecuária é responsável por 91% da destruição da amazônia; Mais de 6 milhões de animais são mortos por hora para alimentação humana; A produção de alimentos vegetais exige muito menos espaço de terra do que a produção de alimentos de origem animal; Por dia, uma pessoa que come uma dieta vegana poupa 1.100 litros de água, 45 quilos de cereais, 2,79 m² de terrenos florestais, 9 kg de Co² e a vida de um animal. Portanto, a mensagem que Cowspiracy nos deixa é que falar de sustentabilidade num mundo onde praticamente tudo é medido através do dinheiro, torna-se utopia. Kip Anderson também nos deixa o desafio e a importância de reduzirmos o consumo de carne para salvar nosso planeta, pois não existe uma indústria que prejudique tanto o meio ambiente como esta, que comer também é um ato político e que ao decidirmos o que está presente em nossa alimentação, também estamos decidindo o rumo que nosso planeta irá tomar futuramente. Stephanie Gabriele Mendonça de França Graduanda em Engenharia de Produção (POLI/USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. #Agronegócio #Consumo #RecursosNaturais #Animais #Alimentação

  • Sobrevivendo para consumir

    #PraCegoVer: [FOTOGRAFIA]: Quadro do filme Surplus - Aterrorizados pelo consumo. A imagem mostra um letreiro escrito “Economize: Consuma Apenas o Necessário” em espanhol, ao lado de uma rodovia. Desde o surgimento da humanidade no planeta Terra, vivemos uma grande busca por sobrevivência. Tendo em vista essa necessidade, os seres humanos primitivos, em uma cultura de subsistência, utilizavam os recursos naturais sem outras intenções. Até que o homem adquiriu consciência e conhecimento de que matérias-primas poderiam ser utilizadas como meio para acumular capital. Passando pela Idade Média e Feudalismo, chegamos ao sistema econômico que dita as regras no mundo contemporâneo, o Capitalismo. O Capitalismo, pode-se dizer que, é uma consequência de inúmeros fatores políticos, econômicos e sociais que resultaram em uma cultura de consumo absoluto e total ‘apreço’ ao capital. A Revolução Industrial mudou o pensamento no que tangia à produção. Antes os artesãos detinham o conhecimento técnico para produzir, mas com a invenção das máquinas os fabricantes não eram mais limitados à simples capacidade humana, portanto a produção começou a aumentar exponencialmente. Isso nos traz ao século XX, com o nascimento de grandes corporações e sistemas de informação. Não só produtos materiais são colocados na linha produção, mas também há a fabricação de pensamentos e necessidades. O consumismo é consequência do marketing, da promessa das empresas de que se as pessoas consumirem seus produtos elas serão felizes e da fabricação de necessidades que, na verdade, não existem. A busca pela felicidade na compra é incentivada pelos meios de comunicação e também pelo sistema político nos países desenvolvidos, baseado na liberdade americana de que a liberdade real é a liberdade de consumo. O documentário Surplus: Aterrorizados Para Consumir [1] (Erik Gandini) começa uma discussão exatamente sobre esse ponto. Lançado em 2003, demorou três anos para ser concluído e apresenta filmagens da China, EUA, Cuba, Itália, Hungria, Índia, Canadá e Suécia, e é editado utilizando os sons e imagens de cada país para criar cenas incríveis que criticam a postura de líderes mundiais, tanto políticos quanto CEOs de grandes empresas. O começo do filme apresenta cenas violentas de protestos no 27º encontro do G8 em Gênova. As manifestações também ficaram conhecidas por Batalha de Gênova e foi marcada pela morte do manifestante Carlo Giuliani, alvejado por um policial, e pelo caráter violento e repressor que as forças policiais italianas lidaram com os manifestantes. Enquanto as cenas passam no filme, um discurso de Fidel Castro contra as sociedades de consumo é colocado ao fundo, no qual ele diz que as sociedades de consumo são responsáveis pela destruição do meio ambiente. Esse conjunto dita o ritmo do resto do filme. Diversos pronunciamentos, palestras e entrevistas de líderes mundiais como George Bush, Steve Ballmer e Bill Gates são postos em xeque quando estes incentivam o consumo e destacam a liberdade de consumir. Discurso do ex-presidente dos EUA, George Bush: “Não podemos deixar com que o terrorismo atinja seu objetivo de intimidar nossa nação ao ponto de que não possamos mais… Onde pessoas não possam mais comprar”. Mostra que o principal objetivo da sociedade é manter sua “liberdade” de comprar. Em contrapartida, o filme entrevista o filósofo anarquista John Zerzan que diz: “Trabalhar constantemente e consumir constantemente. É loucura. Está destruindo tudo, vai tudo desaparecer”. Se referindo à exploração massiva de recursos naturais. Ponto fundamental no filme e que deve ser pensado criticamente quando o seguinte dado aparece: O padrão de consumo dos países de primeiro mundo conta com 20% da humanidade consumindo 80% dos recursos produzidos no planeta. Portanto, se esse padrão fosse igual para todo mundo, precisaríamos de mais dois ou três planetas. O grande argumento do filme, mesmo sendo lançado vinte anos atrás, se sustenta no fato de que, atualmente, tudo pode se tornar um produto de consumo, desde informações até produtos materiais. Isso, aliado com os padrões de consumo dos países desenvolvidos, está custando muito caro para o nosso planeta. A exploração não se justifica mais pela sobrevivência e sim pela necessidade, fabricada pela propaganda, de comprar e, consequentemente, ser feliz. Desse modo, se nada mudar, estaremos atraindo para nós mesmos nossa destruição. Mateus Pontes Ruivo Graduando em Educomunicação (ECA/USP) e bolsista do Projeto CineGRI (2019-2020). Referências: Surplus: Aterrorizados Pelo Consumo. Erik Gandini, 2003. Disponível em: . Acesso em: 31/01/2020. BAPTISTA, Vinícius Ferreira. A relação entre o consumo e a escassez dos recursos naturais: uma abordagem histórica. Saúde & Ambiente em Revista, v. 5, n. 1, p. 8-14, 2010. Disponível em: Acesso em: 31/01/2020. CRUZ, Leonardo. Manifestação antiglobalização tem na Itália a primeira morte. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 de Julho de 2001. Mercado. Disponível em: . Acesso em: 31/01/2020 #Consumo #Política #Economia #RecursosNaturais #Capitalismo

  • Autoritarismo, Primavera Árabe e revolução inacabada

    Fonte: Uol Notícias #PraCegoVer [Fotografia]: Na parte inferior esquerda vemos um aglomerado de cabeças em meio a certa escuridão, enquanto que no canto superior esquerdo vemos um feixe de luz amarelado iluminando parte desse todo que se encontra mais espaçada. A transição de um regime autoritário para um regime democrático é sempre um processo complicado, podemos observar isso aqui mesmo, no Brasil. Nossa jovem democracia foi restabelecida em 1985 quando houve a primeira eleição direta após longos anos de ditadura militar. Ainda hoje ela sofre com sequelas de seu período de autoritarismo e por diversas vezes é abalada. Se em nosso país, onde possuímos mais liberdade política e ideológica em relação ao oriente médio, foi - e ainda é - um árduo processo para garantir a democratização do governo e as liberdades individuais, não seria diferente nos países onde houve a chamada “Primavera Árabe". O movimento que se iniciou na Tunísia em dezembro de 2010 com a derrubada do ditador Zine El Abidini Ben Ali parecia germinar flores tão fortes capazes de se estenderem para diversos países vizinhos, como: Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã; era de fato uma primavera. O caso do Egito foi retratado muito bem no documentário "18 dias de revolução inacabada" (Jon Alpet, 2011 transmitido pela HBO. O longa metragem narra o retorno do jornalista Sharif Abdel Kouddous, que vive há anos nos EUA, para seu país. Ali o ditador Mohammed Hosni Mubarak esteve durante 30 anos no poder estabelecendo leis rígidas para continuar nele, leis como por exemplo, a que proibia mais de três egípcios de se reunirem em público. Diversos foram os fatores que contribuíram para a insurreição popular no Egito, como o “reacendimento” das tensões religiosas do país após a morte de 21 cristãos na explosão de uma igreja na cidade de Alexandria. Os egípcios também reivindicavam o fim da ditadura de 30 anos e desejavam a transição do governo para a democracia, ou seja, a abertura política. A sociedade egípcia vivia sob a imposição política de Mubarak. Os principais motivos das manifestações populares foram os altos índices de desemprego, o autoritarismo do governo ditatorial, os altos índices de corrupção, a violência policial, a falta de moradia, a censura à liberdade de expressão, as péssimas condições de vida e a solicitação do aumento do salário mínimo. Após os protestos na Tunísia darem certo a população se motivou a ir contra o governo iniciando os protestos de 18 dias pedindo a renúncia do ditador. Onde não podia haver mais de três egípcios, na praça pública de Tahir - a mais famosa do país - agora havia milhões, clamando em uni som a destituição do poder de Mubarak. Em meio ao protesto haviam idosos, jovens e crianças, alguns gritavam "... Mubarak, por quanto você vendeu o Egito?". O jornalista filmava as escondidas a realidade do país, completamente desigual (já que é proibido por lei filmar ali). Segundo o documentário, mais de 40% da população sobrevivia com menos de 2 dólares por dia, sem direito à saúde básica nem educação. Os protestos foram cruciais para destituir o ditador que renunciou no 18° dia. As primeiras eleições após este estopim foram no dia 28 de novembro de 2011. Entretanto, como o Egito é um país dividido por tensões religiosas que segregam a população atualmente a democracia deles ainda sofre riscos. Para se consolidar todas as mudanças apenas nove anos não foram suficientes, mostrando assim que a revolução está, como diz o nome do documentário, ainda inacabada. Lucas G. de Oliveira Graduando em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020.

  • O início da Primavera Árabe

    #ParaTodosVerem: A fotografia tem como centralidade um garoto pequeno, ele está nos ombros de um homem, com seu rosto encostado na cabeça do mais velho. Na bochecha está pintada a bandeira Síria, assim como em sua testa tem dizeres em árabe sírio. No plano de fundo, desfocado, existem mais bandeiras sírias de diferentes tamanhos e a percepção de uma multidão em volta. "Assim que abro meus olhos" é um filme lançado no Brasil em 12 de janeiro de 2017, da diretora Leyla Bouzid, que se passa na Tunísia de 2010 meses antes da revolução que iniciaria um dos maiores movimentos da história e geopolítica contemporânea: A primavera árabe. Com um enredo emocionante e crítico, além de belíssimos planos e ótimas atuações, Assim que abro meus olhos nos mostra uma micro e macro revolução, a primeira sobre a condição da protagonista Farah (Baya Medhaffer), que se vê entre a vontade familiar e sua vontade individual, e a segunda sobre a condição da sociedade tunisiana, que se encontra no estado de repressão acima citado. Não haverá spoilers sobre o filme, afinal ele é surpreendentemente belo e triste, qualquer informação sobre seu desenvolvimento e finalização tiraria a surpresa, então pegarei o contexto do filme para o grand finale deste humilde texto. Uma juventude inflamada pelas injustiças sociais, que vê mais que necessária uma mudança e que deseja lutar pelo novo. A micro revolução que Fayah necessita transforma-se na luta por uma nova Tunísia. Na vida real o incidente incitante para a ebulição da revolta (Engels descreve que a revolução não é de uma hora para outra assim como a água não entra em estado de ebulição do acaso, são uma série de eventos que vão alimentando a revolta até um evento que é o estopim) foi Mohamed Bouazizi, um jovem que se recusou a pagar propina aos policiais tunisianos e teve sua banca de frutas atacada por tais agentes e ateou fogo em seu corpo em forma de protesto. Tal evento abalou a população do país e alimentou a concretização da revolta popular. John R. Barber fala que o maior erro da globalização é democratizar o capitalismo e não a democracia em si, o que nos leva a pensar sobre os efeitos da democracia liberal. A Assembleia Constitucional Democrática (RCD) controlou duramente o país da independência até 2011, tendo como chefes de Estado apenas dois homens: Habib Bourguiba, que tinha o cargo vitalício de primeiro-ministro, mas que fora destituído do cargo por seu ministro Zine El Abidine Ben Ali, que, com apoio do exército e do amparo político da RCD, se manteve no cargo durante 23 anos, mesmo com acusações fortíssimas de corrupção e supressão de direitos humanos básicos. Contudo, onde estava a grande nação que lutou diversas guerras pela liberdade dos povos? A Tunísia desde a sua independência teve forte alinhamento com o mundo ocidental, assim como tantos outros repressivos governos pelo mundo árabe. Um ponto em comum entre todos esses governos é a dualidade entre uma elite rica e dominante, e uma população pobre e que tem como submissão a única garantia de sua sobrevivência. Kadhafi, Mubarak, Bashar al-Assad, como tantos outros utilizavam da opressão social e violência para manter o status quo da sociedade, utilizavam essas ferramentas para conter a ebulição da revolta, para esconder a luta de classes. “Até hoje, a história de todas as sociedades é a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e aprendiz; em resumo, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, ora aberta, ora oculta — uma guerra que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta.” (MARX; ENGELS, Manifesto do partido comunista) Levitsky e Ziblatt demonstram em seu livro “Como as democracias morrem (2017)“ a maneira como as democracias estão morrendo e de forma legal. Utilizo esta obra não apenas para analisar como as democracias estão morrendo, mas também como algumas democracias já nasceram mortas. Uma passagem deste livro para demonstrar como um líder é autoritário mesmo seu poder sendo legítimo e constitucional, são quatro indicadores que os autores utilizam para identificar comportamentos autoritários: rejeição das regras democráticas; negação da legitimidade dos oponentes políticos; tolerância ou encorajamento à violência; propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia. Isso demonstra como a democracia tunisiana já nasceu morta, afinal uma democracia que dá um cargo vitalício de comando para um homem e depois permite a reeleição sem limite de outro homem, não dá para ser caracterizada como democracia, apenas como uma sociedade na qual você pode comprar algo. Tais sociedades, principalmente durante a guerra fria, serem contidas no espectro do “mundo livre” é assinar que a sociedade de mercado se preocupa mais com a nossa liberdade de compra do que com nosso desenvolvimento humano livre, digno e universal. Esse evento ecoou pelo mundo árabe, derrubando diversos regimes autoritários e inflamando todos aqueles que se sentiam oprimidos, injustiçados e esquecidos. Essa é a verdadeira democracia: um governo do povo, pelo povo e para o povo. Não confunda liberdade material com liberdade universal, não confunda democracia com liberdade de escolher qual carro comprar, pois quando John Locke determina como direitos naturais do HOMEM (HOMEM, BRANCO, RICO, EUROPEU) vida, liberdade e propriedade, não se esqueça que ele tentava justificar a escravidão; não esqueça também que as grandes primeiras nações liberais tinham um forte apreço pelo patriarcado, escravidão e colonialismo; não se esqueça que há comida suficiente para alimentar o mundo indo pro lixo; não se esqueça que a pessoas morrem em guerras criadas pela elite. Então agora encontramo-nos como Farah, na linha tênue entre o sonho e a realidade, podemos tentar viver o sonho, mas a realidade não se alterará, a luta de classes não cessará. Lucas Antonio Graduando em Geografia (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020.

  • Primavera Árabe e suas flores para o Cinema

    Fonte: G1 Fonte: Blog Tela Botequim #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Duas imagens separadas por uma linha branca. A primeira mostra a personagem Farah  (Baya Medhaffer), do filme Assim que Abro Meus Olhos (2015), em um palco olhando para o lado com um sorriso. A segunda é uma cena do filme Clash (2016), mostrando vários homens dentro de um camburão. A onda revolucionária produzida pela Primavera Árabe gerou repercussões em diversos aspectos da vida social na região, inclusive na produção cinematográfica. Iniciada em dezembro de 2010 na Tunísia, os primeiros protestos tiveram por estopim a autoimolação de Mohamed Bouazizi, em forma de manifestação contra a corrupção policial e os abusos políticos cometidos pelo regime do presidente Zine El Abidine Ben Ali – o que levou à sua renúncia após 23 anos no poder. Da Tunísia, a insurreição se espalhou por quase toda a região, levando à renúncia ou troca de vários chefes de Estado, dentre eles o presidente Hosni Mubarak do Egito e o presidente Muammar al-Gaddafi da Líbia. Uma vertente do cinema árabe, a partir de então, traçou um caminho cujo mote tem sido o enfrentamento dos novos desafios do mundo árabe, direcionado principalmente à ampliação da liberdade de expressão. É assim que, através da insurreição social e política, o mundo árabe apresenta atualmente uma vasta gama de filmes que busca demonstrar as questões que afligem as novas gerações. Exemplo disso é o longa-metragem tunisiano Assim que Abro Meus Olhos (2015), da jovem cineasta Leyla Bouzid, construído ao redor da trajetória de Farah  (Baya Medhaffer), estudante que personifica os anseios e inconformismos da geração que logo estaria na linha de frente da Primavera Árabe. Cantora de uma banda de rock, Farah vivencia um novo mundo ao chegar à adolescência, desfrutando das festas à noite, e contrariando os cânones ditados por sua mãe, Hayet (Ghalia Benali), que pretende ver sua filha médica. Ambientado nas vésperas da revolução que derrubou o presidente Ben Ali logo, o filme logo mostra como a protagonista e seus amigos descobrem a repressão policial, que pretende calar as vozes dissidentes até mesmo de rebeldes sem militância política. O furor da repressão vivenciada por Farah é poeticamente exaltada ao cantar nas apresentações de sua banda de rock. Já Clash (2016), dirigido pelo jovem diretor egípcio Mohamed Diab, se passa ao longo de um dia de protestos no Cairo em virtude do golpe militar que derrubou o presidente Mohamed Morsi, sucessor de Hosni Mubarak, que caíra dois anos antes. O filme é ambientado em um camburão policial que começa vazio e vai se enchendo de pessoas ao longo do enredo. A diversidade das pessoas e dos propósitos que vão se acumulando no camburão trazem o tom do questionamento político. Dentre os presos estão pessoas das mais variadas idades e posições políticas, chegando a certas condições absurdas desde o aprisionamento de pessoas apoiadoras do governo que são confundidas, até uma criança. A confusão que se inicia dentro do veículo é um reflexo da diversidade de opiniões que se pretende demonstrar. Os filmes, eminentemente políticos, são manifestações das flores deixadas pela Primavera Árabe. A nova tonalidade do cinema árabe permite que as cores desse movimento histórico sejam impressas nos olhares dos espectadores com as experiências daqueles que lutaram por suas visões de mundo em condições adversas. Cassiano Ribas Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. #PrimaveraÁrabe #Cinema #Revolução #MundoÁrabe #Tendências

  • Olhares sobre o amanhã: as consequências da Primavera Árabe para a Tunísia

    Fonte: SensCritique #PraCegoVer: [FOTOGRAFIA] Três pessoas árabes olhando para o nascer do sol, sendo que eles encaram da direita para a esquerda. São duas mulheres nas pontas e um garoto no meio. A mulher mais à esquerda veste um moletom cinza, o garoto no meio veste um moletom azul e a mulher mais à direita veste uma jaqueta de couro sintético vermelha. Com o título original inspirado em um poema de Victor Hugo de 1856, Demain des l'aubes [1] é uma película de 2017 do diretor tunisiano Lotfi Achour, conhecido por sua carreira na dramaturgia e premiado nas suas produções de curta-metragem. Sua estreia no cinema de longa-metragem foi marcada por este filme que, tendo o nome traduzido para português como “Esperança em Chamas” [2], tirado do inglês “Burning Hope”, tem uma proposta de fazer uma narrativa sobre o desenrolar dos fatos após a Revolução de Jasmim através da história de uma inesperada amizade entre as duas mulheres Zeineb (Doria Achour) e Elyssa (Anissa Daoud) e do adolescente Houssine (Achref BenYoussef). Os três têm as suas vidas cruzadas após um confronto policial que as mulheres sofrem por participarem das manifestações contra o regime, na mesma madrugada do dia 14 de janeiro de 2011 em que o presidente Ben Ali, governante do país durante 23 anos, fugia devido aos grandes protestos da população reivindicando mais direitos e democratização da sociedade tunisiana. Houssine as ajuda e após a separação dos três, um evento leva a uma intensa investigação policial dos acontecidos daquela noite. A Revolução de Jasmim, nome dado pelos tunisianos ao movimento de emancipação e de mudança no cenário político do país, foi a primeira das mobilizações que deu início à chamada “Primavera Árabe” no final de 2010 e início de 2011, presente nos países árabes do norte da África contra os governos ditatoriais, impulsionado por problemas econômicos, sociais, religiosos, liberdade de expressão e catalisados pelas redes sociais. Esse filme, lançado cinco anos após esses eventos, tenta representar através do olhar cinematográfico a percepção da Tunísia como um país que tem que lidar com os seus fantasmas pós-revolução e a sua frágil democracia. A Tunísia é o único país participante da Primavera Árabe que mantém o mais próximo da ideia de democracia após a Revolução, uma vez que outros países retrocederam com governos militares e golpes de estado, ou ainda lidam com guerras civis e as consequências bélicas das movimentações do início da década [3]. No filme, a descoberta das duas mulheres de que, naquela mesma noite, Houssine foi perseguido, espancado e sofreu violência sexual por parte dos policiais revela um desdobramento de desilusão em suas vidas, ao passo que a esperança daquela lembrança se esvai junto das perspectivas de mudança social e de cenário político. Através do olhar das mulheres – escolha cinematográfica que é uma tendência no movimento pós-revolucionário – o espectador é impelido a refletir e repensar os papéis na sociedade e os rumos que o país tomou após aquela fatídica noite que, apesar de parecer promissora, impulsionou em contrapartida um revisionismo histórico, crise econômica e a volta do conservadorismo, além das consequências das guerras e uma frágil democracia após os movimentos revolucionários. Larissa Karoline Graduanda em História (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2010. Notas: [1] “Amanhã, ao amanhecer” (1856) é um dos poemas mais famosos do escritor francês Victor Hugo (1802-1885). Escrito em homenagem à sua filha, Léopoldine Hugo, que havia morrido no ano anterior, o poema trata sobre uma visita ao seu túmulo e ponderações sobre a morte. [2] ACHOUR, Lotfi. Esperança em Chamas. 2017. Disponível em: Film Society. . acesso em 14 de fev. 202 [3] RAGHAVAN, Sudarsan. “Tunisia’s presidential election is set to test the Arab Spring’s only democracy”. The Washington Post, 13 de set. 2019. Disponível em:

  • Democracia em Vertigem?

    Fonte: Jornal El Pais #PraCegoVer: [FOTOGRAFIA] Na imagem, Dilma Rouseff, ex presidente do Brasil, aparece de mãos dadas e erguidas com o ex-presidente Lula e aparenta estar emotiva, enquanto Michel Temer, mais afastado, observa os dois e bate palmas. Passados mais de dois anos após o fim do processo de impeachment de Dilma Rousseff, consumado em agosto de 2016, uma série de produções cinematográficas documentais nacionais tem se proposto a discutir o cenário político brasileiro que envolve os movimentos e articulações responsáveis pela destituição da ex-presidenta. Democracia em Vertigem (Petra Costa, 2019), por exemplo, apresenta uma narrativa que se inicia ainda no governo Lula e se expande até a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, entrelaçando memórias históricas pessoais aos fatos políticos. Ao apresentar imagens exclusivas dos bastidores do processo, expondo negociações, discussões e frustrações políticas, documentários como o de Petra endossam a disputa de narrativas, ainda em debate, sobre a legitimidade e a intencionalidade da destituição de Dilma Rousseff. Mais do que isso, estes evocam uma aura de degradação do fazer político nacional, a partir do esgotamento dos atores institucionais, principalmente dos políticos e partidos tradicionais, e da sistematização de práticas corruptas e da transformação dos interesses das elites em interesses nacionais. Entretanto, para entender esse cenário, é preciso voltar no tempo e analisar a história política brasileira para além do segundo mandato de Dilma. Embora de maneira simplista, Petra Costa avança em relação a outros documentários anteriormente produzidos sobre a temática ao construir pontes e diálogos entre os episódios do passado e os do presente. Resgatando memórias do período ditatorial e da construção de Brasília, Democracia em Vertigem expõe como a escória da genealogia da política brasileira esteve presente durante os governos petistas e no processo de sua deposição. A representação potente de Lula como a demonstração máxima do exercício democrático e de uma agenda reformista, simbolizada em forma de esperança para milhares de brasileiros, se contrapõe à prática conciliatória e corruptiva de alinhamento aos interesses do mercado e dos grandes bancos. Não apenas, os massivos escândalos de corrupção envolvendo os partidos da base aliada lulista no Mensalão de 2005 denunciam como a sustentação dos governos petistas se deu, em grande parte, às práticas denunciadas pelo partido ao longo de sua existência. Para Petra, essa imersão em uma lógica que desvaloriza as alianças programáticas e se rende ao funcionamento sistemático aparelhado é fundamental para entender o impeachment de Dilma. Petra, pertencente à família Andrade Gutierrez, uma das principais envolvidas nos escândalos de corrupção nacionais dos últimos vinte anos, enquanto diretora, busca mostrar como, em suma, o impeachment de Dilma é construído, principalmente, para a manutenção de um sistema que tem como pilar fundamental a transformação dos interesses das elites em interesses nacionais. O filme dirigido por Douglas Duarte, Excelentíssimos (2018), em complemento, explora com afinco como o chamado baixo clero, aliado dos governos petistas até o período anterior ao impeachment, em consonância com os partidos derrotados na eleição de 2014 e o próprio PMDB, se articulam para a tomada do poder. David Adler, em artigo publicado no The New York Times [1], argumenta que uma das principais ameaças para democracia na atualidade são os políticos de centro. Segundo o pesquisador, centristas são os mais céticos em relação à democracia e aos direitos civis, superando, inclusive, a extrema direita. Ao pensarmos no caso brasileiro, ainda que Jair Bolsonaro, um dos principais representantes da extrema direita no Ocidente, tenha sido democraticamente eleito, sua vitória só foi possível a partir de dois fatores diretamente ligados ao centrão: o aumento massivo do antipetismo, fortemente construído com o apoio das bases ruralistas e conservadoras do Congresso, e a fortificação dos minúsculos partidos de centro, como o PSL, partido pelo qual o atual presidente foi eleito. Em momentos de crise, como os que regiram o segundo mandato da ex-presidenta, as contradições dos projetos políticos se evidenciam e podem, como ocorrido nesse caso, resultar no aprofundamento de aspectos não democráticos de nossas sociedades. Assim, a partir da queda do preço dos commodities, duas das principais sustentações dos governos petistas – a elite empresarial fortemente beneficiada com exonerações fiscais e a elite bancária – arquitetaram a destituição da presidenta e colocaram em pauta um projeto político ultraliberal e extremamente conservador, utilizando como pano de fundo as pedaladas fiscais, prática recorrente à todos os presidentes da República desde a redemocratização, e se aproximando de um grupo político até então secundário – o centrão. O desenrolar dos fatos, os quais culminam na eleição de Bolsonaro, nos levam a questionar, como indaga Petra, se nossa democracia não teria passado apenas de um mísero sonho efêmero. Talvez, este seja o momento para, enquanto sociedade, analisarmo-nos os limites de um sistema que se propõe a ser uma democracia liberal estando baseado na lógica corrupta dos interesses e no uso da justiça enquanto instrumento político. Matheus Miranda Graduando em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. Notas: ADLER, David. Centrists Are the Most Hostile to Democracy, Not Extremists. 2018. Disponível em:

  • Maternidade e cárcere: os direitos que prevalecem

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Ao centro da imagem, uma grávida em pé, em posição lateral, com as mãos envolvidas em sua barriga e cabeça encurvada à direita, no corredor de um presídio. Fonte: Agência Brasil. Com base nos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o INFOPEN Mulheres [1], lançado em 2018, revela que cerca de 74% das mulheres encarceradas no Brasil são mães. Embora elas tenham de cumprir a privação da liberdade de locomoção e outras restrições, o direito de exercer a maternidade, apesar da condição em que se encontram, é uma de suas garantias. Isso é o que podemos extrair da leitura do artigo 3º da Lei de Execução Penal (n.º 7.210/1984): “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.” [2]. Ainda, como já reconhecido juridicamente, é direito da criança receber os devidos cuidados da mãe, pai e comunidade ao longo de seu desenvolvimento infanto-juvenil, sendo a família essencial neste processo. Por outro lado, para além do “papel”, o quanto vemos a efetividade dos direitos da mãe presa e da criança no sistema de Justiça brasileiro? O documentário Mães Livres, sob a direção de Miguel Angel Herrera (2019) – e fruto das pesquisas realizadas pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) [3] –, nos ajuda a compreender essa realidade, especialmente na Penitenciária Feminina de Pirajuí (SP). Mesmo com a introdução do Marco Legal da Primeira Infância em 2016, que fortaleceu a legitimidade da salvaguarda – de que mães, presas, passem a receber o mesmo tratamento de que mães não presas, e de que seus filhos igualmente tenham direito a este amparo familiar fundamental –, admitindo que a prisão preventiva pudesse ser substituída pela prisão domiciliar, caso a mulher seja gestante ou a criança tenha até 12 (doze) anos de idade [4]; e, além disso, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2018 [5], que concedeu Habeas Corpus coletivo a essas mulheres, percebe-se uma certa morosidade no reconhecimento desses direitos fundamentais, como o filme evidencia. A cultura punitivista brasileira, fundamentada nos sentimentos retributivistas da sociedade frente ao crime, instiga a manutenção da omissão e se reflete, por sua vez, no atual sistema, estendendo-se inclusive para presas e presos sem condenação. Parte da população prestigia o cenário de descaso, por ser o Brasil “o país da impunidade” (o que justificaria, para muitos, a permanência desta conjuntura). No contexto democrático, entende-se que a pena deve ter por função legítima prevenir delitos – e não ser a medida propriamente a violadora dos demais direitos dos condenados ou condenadas. Muito menos deveria a pena atingir aqueles não praticaram crimes; ou seja, nem as crianças, nem os demais familiares podem sofrer a represália sustentada pelo pensamento, que nos remete a períodos anteriores ao século XVIII – em que, antes do iluminismo, vigorava o voluntarismo ilimitado por parte do soberano, sendo as regras tecidas ao seu bel-prazer. O filme confronta a finalidade da prisão no Brasil e sua proporcionalidade em face de mulheres, presas, que são mães, e diante da instituição familiar, pilar da sociedade e direito de todos indiscriminadamente. Ressalta-se que a maioria cumpre a privação da liberdade por crimes patrimoniais e, em especial, por tráfico de drogas (62% delas, segundo os dados do INFOPEN Mulheres); põe-se em xeque, por conseguinte, se de fato a medida seja o caminho eficaz para a repressão do crime, ou se seria, por sua vez, a implementação de políticas públicas antidrogas, nas áreas da educação, saúde e segurança, o idôneo investimento social a ser efetuado pelo Estado. Diz Adriana, uma das detentas: “Eu sei que eles são pessoas da lei e eu não sou ninguém perante eles, mas eu preciso cuidar da minha mãe e dos meus filhos.” As entrevistadas em seus depoimentos demonstram o desejo de serem vistas como pessoas, e, desse modo, de terem os seus direitos correspondidos. Rebeca O. Santos Graduanda em Direito (FD-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Notas: [1] O preceito vale, igualmente, para as presas provisórias; ou seja, àquelas que não foram condenadas à pena privativa de liberdade em sentença transitada em julgado. [2] Disponível em: . Acesso em: 11/12/2019. [3] O projeto Mães Livres se ocupou em promover assistência jurídica às mães presas na Penitenciária Feminina de Pirajuí, interior de São Paulo, diante das garantias conquistadas e reforçadas recentemente. O relatório final do projeto pode ser encontrado neste site: . Acesso em: 11/12/2019. [4] O Marco Legal da Primeira Infância alterou, dentre outros dispositivos legais, o artigo 318 do Código de Processo Penal. Alargaram-se as hipóteses para a conversão da pena preventiva para domiciliar, inclusive para o pai, “caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.” (inciso VI). Disponível em: . Acesso em: 11/12/2019. [5] A prática de crimes mediante violência ou grave ameaça, bem como crimes contra seu filho ou dependente, e situações excepcionais limitam a aplicação do entendimento, de maneira que “a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência” é a regra a ser adotada. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152>. Acesso em: 11/12/2019.

  • A periferia em Sabotage

    Sabotage: O Maestro do Canão é mais do que apenas sobre um rapper, é sobre a periferia em si #PraCegoVer [ILUSTRAÇÃO]: À esquerda da imagem, Sabotage está em pé, de braços abertos e rosto inclinado para cima. Ao fundo, o céu escuro é iluminado pela lua, logo acima de Sabotage, e há casas de alvenaria, com seus tijolos à vista, em tons marrons e avermelhados. Fonte: Alexandre de Maio, "Sabotage: O Maestro do Canão" (2015). "Você quer saber o que é o rap nacional? Precisa ouvir Sabotage.” A frase de Paulo Miklos no documentário Sabotage: O Maestro do Canão (2015) é a síntese da obra que conta a vida, ascensão e morte de um dos maiores ícones do rap brasileiro, Mauro Mateus dos Santos Filho, o Sabotage, assassinado há 17 anos, em 24 de janeiro de 2003 na zona sul paulista. Mais que um documentário, o longa do diretor Ivan Vale Ferreira é um retrato do músico que era Sabota. Não há a preocupação em expor envolvimento do rapper com o tráfico antes de encontrar sua redenção na música. Em momento algum, a obra cai na armadilha de recorrer a um ambiente violento para facilitar a identificação do público. Não é como se isso fosse ignorado, só não tem relevância para a obra. Sabotage era muito mais do que ex traficante, bem como que a periferia é muito do que sua violência Em momento algum, porém, o documentário nega o ambiente que construiu o que foi Sabotage. Criado só pela mãe depois do abandono paterno, o irmão preso e depois morto, o envolvimento com o crime, tudo isso está ali, mas não é nada disso que fez do rapper o que ele era. Seu som o definia, não a violência. Da mesma forma acontece com a periferia. Seu som, suas cores, sua cultura, tudo isso é mais presente nas suas vielas, nas suas ruas do que o medo, mesmo que só o medo acabe na capa do Estadão. Dessa maneira, o artista era uma espécie de amálgama de seu ambiente. Sofria preconceito daqueles que o viam com um bandido, uma praga a ser exterminada, ao mesmo tempo em que era objeto de fascínio e estudo dos “descontruidões da zona sul”, que, já naquela época, viam-se de forma paternalista em relação aos ditos menos favorecidos. Sabotage era a arte da perifa, que tinha orgulho de ser perifa. Tal qual seu ambiente, vivia em um fogo cruzado de sinhá e sinhozinhos que, ou almejavam pela volta do tronco e da casa grande, ou visitavam a senzala com panos e curativos, mas mantendo os grilhões. 17 anos se passaram desde o assassinato de Sabotage. O estilo que ele revolucionou com apenas um álbum de estúdio, Rap é Compromisso (2000), se popularizou pagando o mesmo o preço que o samba, o funk. Para ir para as rádios, para os programas de domingo à tarde, tiveram que ser embranquecidos, elitizados, suavizados. Entretanto, vendo O Maestro do Canão, temos certeza de duas coisas: que Sabotage jamais iria aparecer no Faustão e que era exatamente isso que o fazia tão fantástico. Em cada depoimento, em cada fala, em cada instante a figura que vemos na tela é de resistência. Sabota é a perifa e a perifa é o Sabota. Rafael de Paula Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI

bottom of page